Acórdão nº 6048/18.1T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução30 de Maio de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Fonte Ramos Adjuntos: Alberto Ruço Vítor Amaral * (…) * Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I. Em 27.12.2018, AA intentou a presente ação declarativa comum contra Seguradoras Unidas, S. A., e A..., Lda., pedindo a condenação das Rés, solidariamente, no pagamento ao A. da quantia de € 100 000 a título de indemnização pelo “dano biológico”.

Alegou, em síntese, ter sofrido um acidente de viação/trabalho, em 03.01.2016, que ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na 1ª Ré, matrícula ..-DU-.., e do qual resultaram os danos descritos na petição inicial (p. i.), que pretende ver ressarcidos, traduzidos, por um lado, na “incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, com necessidade de ajudas medicamentosas e de assistência de terceira pessoa”, objeto do processo de acidente de trabalho n.º 1046/16.... e, por outro lado, no “dano emergente da ofensa à integridade física e psíquica e a afetação decorrente das gravosas lesões sofridas - o dano biológico”.

A 1ª Ré contestou, aceitando a responsabilidade do condutor do veículo por si seguro pela produção do acidente e referindo que, na p. i., o A. não esclarece a que título peticiona a quantia de € 100 000 (perda de capacidade de ganho ou dano não patrimonial); concluiu pelo julgamento da ação “de acordo com a prova a produzir”.

A 2ª Ré invocou a sua ilegitimidade.

Foi proferido despacho saneador que julgou procedente a exceção de ilegitimidade passiva da 2ª Ré, absolvendo-a da instância, firmou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.

[1] Em 13.9.2022, junto o relatório final do INML, o A. veio ampliar o pedido, alegando, nomeadamente: no processo laboral foi-lhe fixada a IPP de 58,7424; na perícia realizada nos presentes autos foi fixada a IPG de 66 pontos; a IPG de 66 pontos tem repercussões na sua vida pessoal, que não profissional, alegadas na p. i.; assim, face ao que resulta do Relatório da Perícia, a indemnização pelo “dano biológico” devida ao A. não deverá computar-se em quantia inferior a € 250 000; decorre do mesmo relatório que o A. necessita das ajudas técnicas permanentes referidas no art.º 15º do articulado superveniente (fls. 411); na sentença proferida no processo laboral apenas foi atribuído ao A. o direito às ajudas medicamentosas. Concluiu pedindo a condenação da Ré Seguradora a pagar-lhe a quantia de € 250 000 a título de indemnização pelo “dano biológico” e a suportar todas as despesas com os tratamentos médicos e ajudas técnicas, de que o A. venha a necessitar.

A Ré contestou a ampliação do pedido, aduzindo, designadamente, que não é correto, sem mais, concluir que a incapacidade fixada pelo INML é superior, em termos efetivos e reais, àquela que lhe foi fixada em sede de processo de acidente de trabalho; no que diz respeito aos tratamentos futuros de que o A. possa carecer, os mesmos são-lhe garantidos, por lei, pela seguradora de acidentes de trabalho, que depois reclamará da Ré os valores que venha a despender.

Foi admitida a ampliação do pedido.

[2] Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 20.12.2022, julgou a ação parcialmente procedente, condenando a Ré Seguradora a pagar ao A. a “quantia total” de € 85 000, “a título de danos não patrimoniais – dano biológico”, acrescida dos juros legais desde a data da sentença e até efetivo pagamento, e, ainda, a pagar ao A. as despesas com os tratamentos médicos e ajudas técnicas, que se venham a revelar necessários como consequência do acidente e que não sejam suportadas pela Seguradora responsável em sede de Acidente de Trabalho.

Inconformado, o A. apelou formulando as seguintes conclusões: 1ª - Pretende o Recorrente demonstrar o desacerto da sentença proferida pelo Tribunal “a quo” que, julgando a ação parcialmente procedente, decidiu condenar a R./Recorrida no pagamento do montante de € 85 000 a título de danos não patrimoniais - dano biológico, bem como nas despesas com os tratamentos médicos e ajudas técnicas, que se venham a revelar necessárias como consequência do acidente e que não sejam suportadas pela Seguradora responsável em sede de Acidente de Trabalho, a liquidar em sede de liquidação de sentença, mas que não a condenou pelos danos sofridos na dimensão patrimonial.

2ª - O Tribunal “a quo” deveria ter condenado, igualmente, a Recorrida pelo dano futuro - dano patrimonial; o montante fixado para os danos não patrimoniais é manifestamente insuficiente.

3ª - O A./Recorrente alegou, como causa de pedir, o acidente de viação ocorrido em 03.01.2016 do qual foi vítima quando seguia, como ocupante, no veículo segurado na Ré/Recorrida, bem como os danos que dele para si advieram.

4ª - Mais alegou, que em virtude de o acidente ser, simultaneamente, de trabalho, correu termos no Juízo de Trabalho ..., sob o n.º 1046/16...., processo emergente de acidente de trabalho, no qual não foi integralmente ressarcido pelos danos que sofreu, mas tão só pela perda de rendimentos do trabalho, tendo-lhe, aí, sido fixada a IPP de 58,7424%, com incapacidade absoluta para todo e qualquer trabalho.

5ª - Pelo que, nesta sede, pretende ser ressarcido, complementarmente, pelos danos sofridos que enunciou, e que não tinham sido objecto de compensação naqueloutra, considerando-os integradores do dano biológico e merecedores da atribuição de uma indemnização/compensação que computou em € 250 000.

6ª - O dano biológico pode enquadrar danos de natureza patrimonial e/ou natureza não patrimonial, ou, ainda, um dano autónomo, cujo enquadramento em qualquer uma ou mais das referidas categorias deverá ser feito, casuisticamente, pelo julgador perante o caso concreto, maxime, em função dos factos dados como provados.

7ª - Provado ficou que o Recorrente, para além da perda de rendimentos oriundos da sua actividade profissional, e pela qual aqui nada reclama da Recorrida por já se encontrar a ser ressarcido pela seguradora responsável pelo sinistro laboral, sofreu variados e gravíssimos danos na sua integridade físico-psíquica que, para além de interferirem negativamente no seu estado de saúde e bem estar, o impedem de fazer outras atividades que antes fazia, nomeadamente, cultivar o seu quintal e criar animais com prejuízo sério para o seu orçamento familiar.

8ª - Tendo em conta a factualidade dada como provada, a própria Fundamentação da sentença recorrida e o que vem sendo entendido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência acerca deste tipo de dano, impunha-se ao Tribunal “a quo” condenar a Recorrida em ambas as vertentes do dano biológico e não apenas nos danos morais.

9ª - Sucede que, a Mm.ª Sra. Juiz apesar de ter entendido que, face aos factos dados como provados, o Recorrente era merecedor de uma indemnização pelos danos futuros que sofreu e que fixou em € 85 000, a verdade é que, no dispositivo da sentença nada decidiu quanto a esta questão.

10ª - Nos termos do n.º 3 do art.º 607º do Código de Processo Civil (CPC), no que respeita à elaboração da sentença, o julgador deve discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final e, por imperativo do que dispõe a 1ª parte do n.º 2 do art.º 608º do CPC, deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.

11ª - Nada decidindo quanto à atribuição ao Recorrente, da indemnização a título de dano futuro, não obstante sobre ele pronunciar e quantificar, nesta questão, o Tribunal “a quo” violou os referidos preceitos sendo, em consequência, a sentença nula, por omissão de pronúncia, já que deixou de decidir questão que lhe fora colocada, conforme o disposto no art.º 615º, n.º 1, al. d) do CPC.

12ª - Nulidade da sentença que aqui se deixa alegada para todos os devidos e legais efeitos e os quais, face ao que dispõe o art.º 665º, n.º 2, do CPC, são a revogação da decisão recorrida e o conhecimento da questão/pretensão, condenando-se a Recorrida em indemnização pelo dano biológico – dano futuro, se não em mais, dentro da quantia global peticionada, pelo menos naquela que foi fixada na Fundamentação da sentença, acrescida de juros legais contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, uma vez que esta dispõe de todos os elementos necessários para que seja apreciada e decidida.

13ª - Quanto à indemnização que lhe é devida pelos danos não patrimoniais – dano biológico, o Recorrente não se conforma, igualmente, com o montante de € 85 000 fixado, que reputa de manifestamente insuficiente.

14ª - Na verdade, tendo em conta a vasta e relevantíssima factualidade dada como provada, a própria Fundamentação da sentença recorrida e o que vem sendo entendido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência acerca deste tipo de dano, esperava-se, por mais adequado e justo e por analogia a casos idênticos, a fixação de, pelo menos, € 150 000.

15ª - Decidindo como decidiu, violou o Tribunal “a quo” o disposto nos art.ºs 483º/1, 495º, 496º, 562º, 563º, 564º e 566º/1 e 2, do Código Civil (CC), por erro de julgamento e interpretação.

A Ré não respondeu.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso, importa reapreciar, principalmente, a questão da compensação e/ou indemnização pelos danos invocados nos autos e não atendidos no processo de acidente de trabalho.

* II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: 1) O A. exerceu, até 03.01.2016, as funções de trolha sob as ordens, direção e fiscalização da sociedade, A..., Lda., sua entidade patronal.

2) No dia 03.01.2016, cerca das 06.00 horas (hora portuguesa), quando se deslocava, como ocupante, numa viatura de 9 lugares, da marca ..., matrícula ..-DU-.., propriedade da firma B..., Unipessoal Lda., o A. foi vítima de um acidente de viação/trabalho, na sequência do despiste da referida viatura, ocorrido na A63 em França, na localidade de ..., região da ....

3) O veículo ..-DU-.. circulava naquela via, no sentido ... - ... e tinha como destino a ..., país para onde...

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