Acórdão nº 3166/19.2T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelVÍTOR AMARAL
Data da Resolução14 de Março de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: *** I – Relatório AA, com os sinais dos autos, intentou ação declarativa comum condenatória contra “A..., Companhia de Seguros, S. A.

”, também com os sinais dos autos, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia global de € 245.000,00 – correspondente a € 170.000,00 («a título de compensação pelo dano corporal») e € 80.000,00 («pelos danos não patrimoniais, já sofridos e a sofrer no futuro»), mas com dedução de € 5.000,00 já recebidos – e juros de mora, desde a citação e até integral pagamento, à taxa máxima legalmente devida.

Alegou, para tanto, em síntese, que, em consequência de acidente de viação, de que foi responsável o condutor de veículo automóvel seguro na R., o A. sofreu diversos danos, que identifica e valoriza (os quantificados no petitório), contemplando uma incapacidade funcional permanente de 49 pontos, danos esses que importa reparar integralmente, cabendo a responsabilidade para o efeito àquela R., na vigência de contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel ao tempo do sinistro.

Citada, a R. contestou, aceitando a responsabilidade, mas invocando que o A. não alegou que levava cinto de segurança, pelo que, a provar-se que o não fazia, haverá concorrência de culpa do lesado, sendo, por outro lado, que os valores pedidos são exagerados, para além de ter ocorrido em parte indemnização no âmbito do processo de acidente de trabalho, tendo, assim, o A. optado por essa indemnização dos danos patrimoniais, pelo que a indemnização por dano biológico se encontra já a ser arbitrada pelo processo laboral.

Concluiu por dever o pedido quanto ao dano biológico improceder, devendo o de indemnização por danos morais ser julgado de acordo com a prova e a equidade.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, seguido de enunciação do objeto do litígio e dos temas da prova, bem como de apreciação dos requerimentos probatórios, com determinação de produção de prova pericial para avaliação do dano corporal em direito civil.

Na sequência, o A. veio requerer a ampliação do pedido, o que lhe foi admitido: - quanto ao dano biológico, em 10,99%, passando o respetivo valor indemnizatório para € 188.683,00; - quanto a danos não patrimoniais, para o montante de € 90.000,00; - com condenação ainda no cumprimento do disposto no art.º 829.º-A, n.º 4, do CCiv..

A R. veio, por sua vez, requerer a intervenção acessória de BB, viúva/herdeira do condutor do veículo seguro, ... e CC, estes enquanto filhos/herdeiros daquele falecido condutor, o que também foi admitido.

Os Chamados BB e Marcelo deduziram articulado de contestação, a que aderiu o Chamado CC, articulado aquele não admitido por despacho de 13/03/2022 ([1]), cuja decisão foi confirmada por acórdão desta Relação de 28/06/2022 ([2]).

Procedeu-se à audiência final, com produção de provas, após o que foi proferida sentença (datada de 19/10/2022), conhecendo de facto e de direito e julgando a ação parcialmente procedente, assim condenando a R. a pagar ao A.: “1- € 100.000,00 (já subtraídos os € 5.000,00 adiantados), a título de danos patrimoniais; 2- € 100.000,00, a título de danos não patrimoniais; 3- juros, à taxa legal, sobre cada uma das referidas quantias, desse a data desta decisão e até integral pagamento”; e absolvendo «a mesma ré de tudo o mais contra ela pedido».

Da sentença, vem o A., inconformado, interpor recurso, apresentando alegação e as seguintes Conclusões ([3]): “

  1. QUANTO AOS PRESSUPOSTOS DA FIXAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO DO DANO BIOLÓGICO: I --- O Apelante tinha 37 anos à data do acidente e tinha e exibia a integridade físico-psíquica correspondente à sua idade, saúde e situação social; II --- Em consequência do acidente, passou a sofrer diversas incapacidades e limitações que o acompanharão durante o resto dos seus dias, nomeadamente: a) -- diplopia, fotofobia, hipersensibilidade no olho esquerdo e na região malar esquerda, enoftalmia, disosmia e hipotrofia do braço esquerdo; b) -- mobilidade reduzida do punho e do cotovelo esquerdo, este com défice da extensão 45º e da flexão até 90º e arco de movimento de 40º; c) hipostesia da face posterior do braço e do antebraço esquerdos; d) elevação da hemibacia direita, devido a encurtamento na perna esquerda em cerca de 1,9 cm, o que lhe provoca claudicação na marcha; e) dificuldade em mastigar os alimentos, à esquerda, por falta de sensibilidade; f) Impossibilidade de continuar a conduzir um veículo com caixa manual, pelo que se viu obrigado a adquirir um outro com caixa automática; g) dificuldade em sentar-se, levantar-se, permanecer de pé, de cócoras e ajoelhado, subir e descer escadas ou rampas, vestir-se, despir-se, realizar a sua higiene pessoal, de levar a mão à boca, à orelha e ao ombro e de usar talheres e de h) locomover-se regularmente dentro do local de trabalho para vigiar a produção, o que o obriga a paragens frequentes, e em pegar em algumas peças produzidos para as submeter a análise de qualidade; i) incapacidade de, com o braço esquerdo, levantar e transportar pesos, em geral, de pegar na filha ao colo, de enrolamento do quarto dedo da mão direita, de extensão completa da falange distal do terceiro dedo da mão esquerda; j) incapacidade de dançar e de continuar a praticar os desportos prediletos que sempre tinha praticado (corrida, natação, andebol e futebol) e, ainda, o seu velho hobby de servir à mesa em restaurante de amigos, aos fins de semana; l) ficou a sofrer de ansiedade, sobretudo, quando revivaliza o acidente, tristeza sem motivo aparente, irritabilidade com repercussões na vida familiar e social, insónias frequentes, pesadelos sobre o acidente, alterações mnésicas, pessimismo, revolta e receio quanto ao seu próprio futuro e, ainda, m) de dor e desconforto durante o sexo e de muitos outros fenómenos dolorosos, que permanecem apesar das sete intervenções cirúrgicas a que se submeteu e dos inúmeros tratamentos que realizou; n) ficou com vinte cicatrizes inestéticas (região ciliar esquerda, região infraorbitrária esquerda, pálpebra inferior do olho direito, ombro esquerdo, braço direito, braço esquerdo, antebraço esquerdo, mão direita, perna esquerda e região calcânea, de comprimentos variados e compreendidos entre 1,5 cm e 24 cm; o) no futuro, é expectável o aparecimento de artrose no joelho esquerdo, a par da artrose da anca, que já foi diagnosticada.

    III --- A essas sequelas ficaram a corresponder: -- um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 53 pontos; -- um dano estético de 5/7; -- um quantum doloris de 6/7; -- um prejuízo sexual de 1/5; e -- uma repercussão nas atividades desportivas e de lazer de 5/7.

    (anteriores números 1 a 19) B) Confronto com casos análogos (o juízo e equidade): IV --- Para ter decidido, como decidiu, o Senhor Juiz a quo valeu-se de dois Acórdãos do STJ, que, todavia, atendendo à natureza, ao número e à profunda gravidade das consequências sofridas pelo Apelante, não cumprem aqui as exigências de Justiça e de Equidade.

    V --- Tais exigências teriam sido bem mais satisfeitas se a situação aqui em apreço tivesse sido cotejada com a dos quatro Arestos abaixo elencados: Acórdãos Idade do lesado Esperança de vida Défice integridade Indemnização STJ, de 14/02/2019 23 54 10; Quantum Doloris 4/7 175.000 (C. J., STJ, XXVII, 1º, Dano estético 4/7 244-245) STJ, de 19/09/2019 49 28 32; Quantum Doloris 5/7 200.000 (C. J., STJ, XXVII, 3º, 285 ) Dano estético 3/7 Repercussão lazer/desporto 3/7 STJ, de 19/05/2020 20 57 55 450.000 (C. J., STJ, XXVIII, 2º, 262) 20 57 55 Rel. Coimbra, de 20/10/2020 35 42 37 270.000 (C. J., XLV, 4º, 278) Caso sub judice 37 40 53; Quantum Doloris 6/7 100.000 Dano estético 5/7 Repercussão lazer/desporto 5/7 Prejuízo sexual 1/5 Por isso, VI --- Crê-se ser manifestamente exíguo o montante arbitrado (€ 100.000) e, antes, justo e equitativo o peticionado (€188.683), que foi reclamado pelo Apelante em sede de ampliação do pedido.

    VII – Não deverá esquecer-se que o seguro automóvel não é facultativo, mas obrigatório; que está sujeito a um clausulado quase todo inegociável e prefixado; e que os prémios pagos são muito elevados e permanentemente atualizados, VIII --- O que justifica que, nos casos em que são condenadas, as Seguradoras deixem de pagar indemnizações miserabilistas, tendo-se em atenção o grau da culpa do lesante e a consabida situação patrimonial elevada delas próprias, já que só assim será conforme à Lei e à Moral, à Justiça e à Equidade.

    (anteriores números 21 a 34) C) Fixação do início do vencimento dos juros de mora: IX --- A decisão recorrida considerou-se a si mesma como sendo uma “sentença atualizadora”, o que implicaria a aplicação da doutrina do Acórdão Uniformizador nº. 4/2002, reportando o termo inicial da contagem dos juros de mora à data da citação.

    X --- Fê-lo, porém, erradamente, por duas razões: XI --- PRIMEIRA RAZÃO: a ampliação do pedido inicialmente deduzido pelo Apelante deveu-se apenas ao superveniente conhecimento de novos valores trazidos aos autos pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, que evidenciaram um sensível agravamento dos efeitos lesivos que lhe advieram do acidente, o que só pode ter o sentido de mera correção da causa de pedir e, consequentemente, daquele pedido inicial.

    Essa ampliação do pedido indemnizatório não ficou a dever-se aos mais de três anos de pendência desta ação, não resultou da inflação entretanto surgida (e, aliás, só muito recentemente), nem visou compensar qualquer prejuízo originado pela depreciação monetária: Acórdãos do STJ, de 25/02/2002 (Col. Jur., STJ, X, 2º., págs. 128 e ss, maxime, 134-135), de 13/07/2004 (Pº. 04B2616), de 14/09/2006 (Pº. 06B2634) e de 11/05/2022 (Pº. 33/14.0T8MNC. P1. S1).

    XII --- SEGUNDA RAZÃO: a sentença não procedeu a nenhum cálculo de atualização, que dela está completamente ausente, ao contrário do que seria mister que tivesse ocorrido para poder ser considerada como tal: Acórdãos atrás citados.

    Limitou-se a afirmar-se como...

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