Acórdão nº 201/06.8TBFAL.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Março de 2013

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução14 de Março de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA, menor, representada pela sua tutora, BB, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra CC - AUTO-ESTRADAS de PORTUGAL, S. A.

e COMPANHIA de SEGUROS DD, S.A.

formulando os seguintes pedidos: - Condenação da R. CC a pagar a quantia de € 1.188.951,40, a título de danos patrimoniais e morais, com juros legais desde a citação até pagamento, caso seja considerada culpada pelo acidente (ou solidariamente com a Companhia de Seguros que vier a ser chamada); - Condenação da R. DD, a pagar a quantia de € 584.638,47, a título de danos patrimoniais, morais e lucros cessantes, com juros legais desde a citação até pagamento, caso o segurado seja considerado culpado ou, caso assim não se entenda, a indemnizar a A. pela responsabilidade pelo risco ao abrigo do disposto no art. 508º do CC.

Para o efeito alegou que no dia 9-8-03, cerca das 10.05 h, na AE-2, um veículo ligeiro circulava no sentido Sul/Norte, a uma velocidade de cerca de 90/100 km/h, conduzido pelo pai da A. e no qual ela própria, sua mãe e sua irmã seguiam como passageiras.

O condutor do veículo foi surpreendido pela presença de um pato bravo de grande porte, vivo e ferido, na via do lado esquerdo, por onde circulava. Para evitar embater no animal, desviou-se para a direita, não conseguindo, porém, segurar a viatura, apesar de ter travado.

Em consequência, o veículo saiu da sua faixa de rodagem, passou a vala central e foi embater num outro veículo pesado de mercadorias que seguia em sentido contrário, causando a morte de ambos os pais e da irmã da A.

A responsabilidade da CC pelos danos decorrentes do acidente decorre de duas circunstâncias: não ter evitado, detectado e removido o animal que esteve na origem do acidente e não ter construído rails de protecção junto à vala central, o que possibilitou a saída do QN para a faixa de rodagem destinada ao trânsito no sentido Norte/Sul.

Na hipótese de se entender que a culpa pela produção do acidente não é da CC mas do condutor do QN, a R. DD é a responsável pelo ressarcimento dos danos causados, nos termos do contrato de seguro entre ambos celebrado.

A R. CC contestou, pugnando pela sua absolvição do pedido, alegando que não teve conhecimento da existência de qualquer pato bravo na faixa de rodagem aquando do despiste do veículo. O acidente ocorreu devido a sonolência do condutor, não havendo qualquer nexo de causalidade entre a inexistência de rails no separador central da auto-estrada e os danos sofridos.

Cumpriu os seus deveres de vigilância e de manutenção da auto-estrada decorrentes do contrato de concessão.

A R. DD contestou, pugnando pela sua absolvição do pedido concordando com a descrição do acidente feita pela A.

O acidente foi consequência da existência de um pato bravo, vivo, na faixa de rodagem, e da inexistência de rails de protecção entre as duas faixas de rodagem, e não de negligência do condutor do QN.

Mais refere que as quantias exigidas pela A. a título de indemnização são excessivas.

A R. CC deduziu o incidente de intervenção principal provocada da Companhia de Seguros EE, S.A.

, com quem celebrara um contrato de seguro, a qual veio contestar, pugnando pela absolvição do pedido. Foi realizada a audiência de julgamento e proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e decidiu: - Condenar a CC a pagar a quantia de € 377.305,90, com juros de mora, desde a citação até integral pagamento; - Condenar a EE a pagar a quantia de € 376.557,70, com juros de mora, desde a citação até integral pagamento, sendo a responsabilidade de ambas solidária até ao limite de € 376.557,70, a partir do qual apenas a 1ª R. é responsável; - Julgar totalmente improcedente o pedido deduzido contra a DD.

Apelaram as RR.

CC e EE, mas a sentença foi confirmada A R.

EE interpôs recurso de revista em que concluiu:

  1. A segurada da recorrente não tinha qualquer hipótese de evitar a eventual presença de um pato vivo na via, nem estava obrigada a colocar rails de separação entre as faixas da auto-estrada; b) A culpa pertenceu ao condutor do ligeiro e a responsabilidade pelos danos deve ser imputada à co-Ré DD; c) A imputação da culpa na produção do acidente à co-Ré CC e a consequente responsabilização da sua seguradora resulta de um laborioso esforço do tribunal a quo; d) Consequentemente, a A. devia ser indemnizada pela co-Ré DD para quem se encontrava transferida a responsabilidade pelos danos decorrentes do acidente de viação; e) Entrar numa auto-estrada não é o mesmo que entrar no espaço sideral onde a hipótese de encontrar obstáculos é diminuta, ao contrário do que parece pensarem muitos condutores que as utilizam; f) Apesar de se circular numa auto-estrada, os condutores não estão desobrigados de cumprir regras de circulação estradal, nomeadamente a adequação da velocidade às circunstâncias de tempo, da via, do veículo e de si próprios; g) Quanto à inexistência de rails de separação, não estava a CC obrigada a colocá-los; h) A CC não pode ser responsabilizada porque o "Estado-Administração" não terá cumprido com as normas jurídicas a que está adstrito e por ter considerado que a auto-estrada cumpria as exigências legais pode ser o entendimento do tribunal a quo, não se podendo condenar a concessionária por culpa do concedente, sendo que o concedente não foi demandado; i) A decidir como decidiu, o tribunal a quo violou o disposto nos arts. 24º do CE, 483°, 503° e 570° do CC e art. 660°, n° 2, do CPC.

    A R.

    CC também recorreu, concluindo que: A. As obrigações de segurança e a circulação em boas condições de segurança não são a mesma coisa; aquelas, realizadas através da vigilância, são o meio de realização desta. É sempre admitida a prova do cumprimento das obrigações de segurança quando a circulação em boas condições de segurança não está assegurada. Em caso de força maior não há presunção de incumprimento.

    1. A CC está obrigada a assegurar permanentemente a circulação em boas condições de segurança, obrigação que realiza através do cumprimento das obrigações de segurança que consistem em assegurar a vigilância das condições de segurança.

    2. A Lei n° 24/07 ou não pode alterar o contrato ou, se pode, alterou a Base XXXVI, n° 2, e hoje a CC, face à presença objectiva de uma animal ou obstáculo, não carece, para se isentar, de provar caso de força maior. Isentar-se-á se provar que cumpriu as obrigações de segurança.

    3. É fora de qualquer sentido dizer-se que, uma vez que lá está o animal ou objecto, a CC, só por isso, não cumpriu, quando precisamente a lei admite que prove que cumpriu.

    4. Nesta medida, sendo certo que estabeleceu o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, a lei afastou, excluiu ou impediu aquela tese extrema de que não basta provar que tinha cumprido as suas obrigações, tendo de provar também um caso de força maior.

    5. Jamais poderá dizer-se que se lá está o animal ou obstáculo então não cumpriu porque, precisamente, é em tal situação que a lei admite provar que cumpriu.

    6. Não faz parte do conteúdo ou do objecto do dever da recorrente que em nenhum momento o piso possa estar molhado ou a água gele ou nele caia óleo ou uma pedra ou grades de cerveja ou um pneu. Não integra o objecto desse dever que, num momento, sem que se saiba como, um pato, ou um texugo, ou um cão, ou gato, ou raposa não apareça na via.

    7. No objecto do seu dever não existe semelhante obrigação que pudesse fundar quer a ilicitude da sua conduta, quer uma presunção de culpa pela sua verificação.

      I. Tendo surgido esses factos, que são ou podem ser instantâneos, haverá então que averiguar se houve da recorrente negligência na sua remoção. Mas a não verificação deles não integra originariamente o dever da recorrente para com os utentes, pois isso constituiria a estatuição originária de um dever impossível de cumprir e sabe-se que não poderia considerar-se válida tal estatuição originária de dever impossível de cumprir.

    8. Inexistindo no objecto do dever da concessionária tal responsabilidade originária, não lhe poderá ser atribuída uma conduta ilícita, nem uma presunção de culpa pelo surgimento de tais factos.

    9. Só através da demonstração de culpa por omissão subsequente à sua verificação poderá a recorrente vir a ser responsabilizada. Mas isso revela a ausência de um dever originário de impedir a ocorrência da verificação desses factos que lhe pudesse ser imputado a título de ilicitude ou de presunção de culpa por ocorrência dessa verificação.

      L. Inexistindo tal dever originário, estamos fora do campo da responsabilidade contratual pois que esta pressupõe a pré-existência da obrigação violada.

    10. A modalidade de responsabilidade civil da concessionária terá de ser definida perante tais condicionalismos, sendo eles então impeditivos de que ela possa ser a responsabilidade contratual por impossibilidade de os integrar no dever originário que a lei lhe determina.

    11. A possibilidade de surgimento de um pato selvagem na faixa de rodagem é uma possibilidade real que os condutores devem considerar, pela qual a concessionária pode ser ou não ser responsável, mas sem que haja motivo para a presumir culpada.

    12. Estabelecer aqui uma presunção de culpa corresponderia a impor sobre a concessionária um dever de impossível realização, por não poder controlar actos praticados por terceiros, nem ser possível vedar ou vigiar incessantemente durante as 24 horas todos os acessos e saídas.

    13. Este dever não faz parte do conteúdo do seu dever de assegurar a circulação em boas condições de segurança. Nem este seria válido se fizesse por ser impossível ou incomportável, de modo que da sua não realização não podendo decorrer qualquer ilicitude nem presunção de culpa.

    14. O utente não pode razoavelmente contar que o piso não possa estar escorregadio, não possa cair um objecto na via ou nela não possa inopinadamente surgir um animal. Tais garantias não fazem parte do conteúdo do dever da recorrente em termos de se lhe imputar uma conduta ilícita e culpa presumida.

    15. ...

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