Acórdão nº 00620/14.6BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelRogério Paulo da Costa Martins
Data da Resolução28 de Junho de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: A AGP, AEGP, S.A. veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 04/12/2008, em acção administrativa intentada por SU, S.A.

contra a AN– AEN, S.A.

e onde foi admitida a intervenção principal provocada de AGP, AEGP, S.A. e da sociedade AIGE, S.A. – Sucursal em Portugal, onde foi pedido a condenação da Ré a pagar à Autora a quantia de 5.009,32 €, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento, tendo pela referida sentença sido julgado improcedente o pedido de condenação da Ré; sido julgado procedente o pedido de condenação da interveniente AGP e sido esta condenada a suportar o montante de 4.527,65 €, acrescido de juros de mora desde a citação até integral pagamento, bem como foi a interveniente AIGE condenada a suportar, solidariamente com a interveniente AGP, o pedido indemnizatório, na parte que exceda a franquia.

Invocou para tanto, em síntese, que a velocidade a que seguia o veículo seguro era superior à legalmente permitida, que por isso se verificou um contributo ilícito por parte do condutor susceptível de gerar a partilha da responsabilidade, que o artigo 12º, nº 1, alínea b), da Lei nº 24/2007, de 18.07 prevê; que tal artigo 12º não contém uma inversão do ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança e que dos factos não resulta como é que o animal entrou na auto-estrada.

*A Autora contra-alegou pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

*O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.

*I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: I. Não é possível perceber por que razão o Tribunal a quo respondeu no nº 4 dos factos provados que o veículo transitava a uma velocidade de “(…) cerca de 100 Km/h (…)”, quando aquilo (da prova dos autos) de que podia socorrer-se era somente o testemunho do condutor do veículo seguro na A. (que a esse respeito disse rigorosamente nada) ou então o depoimento da testemunha GA que, para além de referir que aquele veículo circulava “com alguma rapidez” (o que também tem um significado que nos parece claro), adiantou que o automóvel “vinha entre 100 (kms/h) – 120 (kms/h)”.

  1. De modo que é nítido o erro do Tribunal, motivo pelo qual a resposta àquele ponto nº 4 deve ser alterada e passar a ter a seguinte redacção: - O veículo seguro, conduzido por FHRB, aquando do sinistro, circulava a uma velocidade entre 100 e 120 Kms/h naquela auto-estrada, na via mais à esquerda, no sentido Alfena/Lousada, porquanto se encontrava a ultrapassar o veículo com a matrícula xx-HB-xx, conduzido por GATA, o qual circulava a cerca de 60/70 Km/h III. Do mesmo modo, e com base quer no disposto no artigo 413º do Código de Processo Civil (que, aliás, foi violado pela sentença), quer de harmonia com os depoimentos de BF (militar da GNR) e de AP, era mister, tanto pela perspectiva da defesa da R., como por aqueloutra (e fundamental) da boa decisão da causa, que o Tribunal a quo se tivesse pronunciado (e não o fez) sobre o alegado pela Autora nos itens 11º e 12º do petitório, o que até pode gerar nulidade por manifesta omissão de pronúncia.

  2. Ora, considerando aquela prova transcrita nestas linhas, essa pronúncia só podia ser no seguinte sentido: a) provado que a velocidade máxima instantânea permitida no local do sinistro era, à data de eclosão deste, de 100 kms/h (resposta ao artigo 12º da p. i.); b) não provado que o condutor do veículo seguro praticava uma condução atenta e segura (resposta ao artigo 11º da p. i.).

    IV.

    É indiscutível que sempre que o lesado (motorista do veículo seguro na Autora) contribui culposamente para a produção ou agravamento dos danos o Tribunal, com base na gravidade das culpas de ambas as partes, nomeadamente, deve decidir se a indemnização deve ser concedida na totalidade, reduzida ou até excluída (cfr. Código Civil, artigo 570 nº 1).

  3. Porém, já assim não sucede quando a responsabilidade se basear (como é o caso – e a sentença do Tribunal a quo di-lo de forma absolutamente indiscutível) numa presunção de culpa/incumprimento, pois então a culpa do lesado exclui muito claramente o dever de indemnizar (vide Cód. Civil, artigo 570º nº 2 e igualmente o disposto no artigo 4º do RRCEEP).

  4. Ora, neste caso, e lembrando o sempre actual Antunes Varela - (in Das Obrigações em Geral, Vol. II, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 1990, pág. 92: “Agir com culpa significa actuar, por forma a que, a conduta do agente, seja pessoalmente censurável ou responsável e o juízo de censura ou de reprovação dessa conduta só se pode apoiar no reconhecimento, perante as circunstâncias concretas do caso, de que o obrigado não só devia, como podia ter agido de outro modo.” (itálico nosso) -, é absolutamente indiscutível que existe culpa daquele motorista na produção do sinistro dos autos, seja porque rodava em excesso de velocidade, seja porque transitava com velocidade excessiva para a condições meteorológicas inequivocamente vigentes naquela altura, seja até porque pelo menos parece (até das suas próprias palavras) que circulava sem qualquer justificação válida na via da esquerda, quando, como é sabido, deveria em tal caso circular na via mais à direita.

  5. De sorte que, verificando-se, por um lado, a culpa efectiva do condutor do veículo do Autor na produção do sinistro (com base na regra geral presente no artigo 487º do mesmo Código Civil) como acontece neste caso, e, por outro, ocorrendo a responsabilização da Interveniente apoiada numa presunção de culpa/incumprimento (o que a douta sentença defende inequivocamente), dúvidas não restam que a única solução possível é exactamente a exclusão de qualquer dever de indemnizar por parte da Interveniente, ora Recorrente.

  6. Pelo que, e salvo o devido respeito, ocorre violação da lei, porquanto sentença não respeitou e nem observou o disposto nos artigos 487º nº 2 (particularmente o critério do bonus pater familiae) e 570 nº 2, ambos do Código Civil, mas também o artigo 4º da Lei nº 67/2007, de 31.12.

  7. Para além de que é de assinalar com preocupação que uma semelhante decisão é perigosa, uma vez que dá um claro sinal de “facilitismo”, dando pelo menos a entender que afinal não sobrevém nenhuma consequência pelo facto de se incumprir lei (civil e estradal, nomeadamente), pela circunstância de haver “dedo” (e culpa) do eventual lesado na produção de sinistros.

  8. Não se compreende e também não se pode aceitar que o Tribunal a quo dedique uma parte da sua fundamentação a avançar com “sugestões” tendentes (sem o dizer, no entanto) a caracterizar as obrigações da concessionária como claras obrigações de resultado, esquecendo, por um lado, a prova que foi feita (p. ex. nos pontos 13, 14 e 16 dos factos provados) e sobretudo, por outro lado, que essas obrigações (particularmente no que à vedação se refere) estão perfeitamente definidas no diploma legal (cfr. Decreto-Lei nº 189/2002, de 28 de Agosto) aplicável à concessão da Interveniente, sendo certo que em parte alguma desse diploma se diz ou exige a demonstração “sugerida” pelo Tribunal a quo de que essa vedação deve impedir “(…) efetivamente a entrada de um cão como aquele que esteve envolvido no acidente (…)”; XI. De resto, não obstante a vedação da auto-estrada deva ter como finalidade (isto para além de delimitar a área da concessão, claro está) aquela de dificultar o ingresso de animais na via, sendo ademais esta vedação a que naquele local devia estar (e estava) implantada, como a prova o demonstra, parece claro e indiscutível que a dita vedação não terá seguramente por “função” (e nem o lograria) evitar esse ingresso de animais na via, seja porque os animais, com as suas características próprias e/ou “engenho”, as conseguem transpor/ultrapassar (e sem que com isso se possa legitimamente dizer/concluir que ocorreu alguma falha designadamente nessa vedação), seja porque, e por indiscutível decisão do concedente, Estado Português, esta A42 é auto-estrada (uma SCUT, na sua génese) onde apenas existem nós “não fechados”, ou seja, onde não há e nunca houve barreiras físicas de portagem (ou outras) à entrada e saída desses nós.

    Sem prescindir, XII. É verdade que com o advento da Lei nº 24/2007, de 18.07, se procedeu a uma inversão do ónus da prova (que não da ausência de culpa, mas apenas do cumprimento das obrigações de segurança) que agora impende sobre as concessionárias de AE, assim se criando um regime especial e inovador para este tipo de acidentes, embora – insista-se – sempre filiado na responsabilidade extracontratual.

  9. Todavia, e como bem se percebe do espírito e do texto da lei (dos nºs. 1 e 2 do artigo daquela lei), mas também do elemento histórico de interpretação (vide projecto de lei nº 164/X do BE), já não corresponde à verdade que com essa lei se tenha estabelecido uma presunção de culpa/incumprimento em desfavor das concessionárias pois que se assim fosse a redacção do citado artigo 12º nº 1 seria seguramente outra, bem diferente e seguramente bem mais próxima daquela constante do artigo 493º nº do Código Civil.

  10. Com efeito, e quanto à mencionada presunção de culpa/incumprimento, nem tal decorre da referida lei, nem tal resulta da Base LXXIII do Decreto-Lei nº 189/2002, de 28.08, concluindo-se tão-só que com a entrada em vigor da lei citada passou a impender um ónus de prova (com aquelas características) sobre as concessionárias de auto-estradas (e nada mais que isso). Isto para além de não se poder, de forma alguma, concluir que sempre há situações de inversão de ónus de prova se quer(quis) consagrar uma presunção legal de culpa/incumprimento (cfr. Cód. Civil, artigo 344º nº 1).

  11. Por outro lado, sendo verdade que a Interveniente se obrigou a vigiar e a patrulhar a auto-estrada, assim envidando os seus melhores esforços no...

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