Acórdão nº 00424/13.3BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução17 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: A.G.P., Auto Estradas do (...), S.A. veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 13.02.2019, em acção administrativa comum intentada por M.E.C.D.

contra a Recorrente, onde foi pedido a condenação da Ré a pagar à Autora a quantia de 7.097,92 €, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento, tendo pela referida sentença sido julgada parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, sido condenada a Recorrente e a Interveniente, solidariamente, a pagarem à Autora a título de reparação da viatura AE quantia a fixar em execução de sentença, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento e sido absolvida a Ré do pedido de pagamento da quantia de 1.800,00€.

Invocou para tanto, em síntese, que: a velocidade a que seguia o veículo seguro era superior à legalmente permitida, que por isso se verificou um contributo ilícito por parte do condutor susceptível de gerar a partilha da responsabilidade, que o artigo 12º, nº 1, alínea b), da Lei nº 24/2007, de 18.07 prevê; tal artigo 12º apenas contém uma inversão do ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança e não também uma presunção de culpa da Ré e que dos factos não resulta como é que o animal entrou na auto-estrada.

A Autora não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1. Não parece que o Tribunal a quo tenha decidido bem na alínea C) dos factos provados naquela parte que situou o intervalo de velocidade (pouco usual) de 30 kms/h a que circularia o veículo AE no momento do sinistro entre os 90/120 Kms/hora.

  1. Sendo verdade que o condutor (que, obviamente, não tinha qualquer interesse que fosse dado como provado que poderia transitar acima da velocidade máxima permitida no local nesse momento) quantificou essa velocidade entre os 90 e os 100 Kms/hora e que a testemunha (E.N.) disse que afinal seria entre os 100 e os 120 Kms/hora (ou seja, mais de 100 Kms/hora e menos de 120 Kms/hora), importava prestar atenção aos demais sinais que a prova, nomeadamente essa testemunhal, proporciona.

  2. E nesse exercício, cremos que não poderá deixar de se atentar desde logo na circunstância de, pela parte da testemunha E.N.

    , se ter percebido que a distância do veículo acidentado (AE) que rodava à sua frente para o veículo que aquela testemunha conduzia era constante (o que significa, portanto, que a velocidade de ambos os veículos era pelo menos semelhante) e, da parte do condutor D.D.

    , que, por um lado, tinha um exame marcado para as 10 horas da manhã na Faculdade de Engenharia da Universidade do (...) e que às 9h35m, hora do acidente (que – retenha-se também – pensava que teria sido cerca das 9 horas), ainda se encontrava em (...).

  3. Ora, isto revela bem que inevitavelmente só podia seguir com pressa (quem conhece o acesso a que aludiu e o caminho frequentemente congestionado que corresponde ao final da auto-estrada A e acesso à Estrada da (...), sabe-o e é, por isso, razoavelmente expectável que também ele o soubesse), pois de outra forma e àquela velocidade por si mencionada não é – razoavelmente também – pensável que “fosse com tempo” para iniciar o dito exame apenas 25 minutos do local onde eclodiu o acidente.

  4. De modo que é nítido o erro do Tribunal (e ainda que também entendamos que a resposta da testemunha E.N. a este respeito peca igualmente por defeito), motivo pelo qual a resposta àquela alínea C) deve ser alterada e passar a ter a seguinte redacção: - O condutor circulava na A, no sentido (...) – (...), pela faixa mais encostada à esquerda e a uma velocidade situada entre 100 e 120 Kms/hora.

  5. Além disso, e com base no depoimento de L.L.S.

    , entende a Recorrente que deverá ser acrescentado mais um facto ao elenco dos factos provados, facto esse importante para a boa decisão da causa neste (ou em qualquer outro acidente) e que manifestamente resultou da instrução da causa, sugerindo-se a seguinte redacção: - A velocidade máxima instantânea permitida no local referido em A) dos factos provados era, à data do acidente, de 100 Kms/hora.

  6. Depois, é de sublinhar que da mesma alínea C) dos factos provados (certamente na linha daquilo que consta escrito tanto na participação de acidente de viação como na própria declaração amigável de acidente automóvel), e apesar do mero ensaio de inflexão do discurso por parte de D.D.

    , já que antes, em data mais próxima do sinistro, nada tinha dito sobre uma alegada ultrapassagem, resulta obrigatoriamente a conclusão que o veículo AE circulava na via da esquerda por pura e simples decisão do seu condutor, i. e., sem que, e ao arrepio do previsto no artigo 13º nº 3 do Cód. da Estrada, houvesse algum motivo válido (ultrapassagem, p. ex.) para que efectuasse a sua marcha assim posicionado.

  7. Aliás, este é só mais um sinal que demonstra igualmente que, como dito, seguia apressado, com vista a tentar (e mesmo assim antevê-se que não o conseguiria) chegar a tempo e horas ao dito exame.

  8. É também de assinalar que o Tribunal a quo não se pronunciou (e devia – ainda que ao abrigo do disposto no artigo 5º nº 2 do C. P. C. por isso ter resultado da instrução da causa) sobre factos alegados pela Ré manifestamente importantes para a defesa desta Ré e sobretudo para a boa decisão da causa, ou seja, sobre os artigos 19º, 20º, 21º e 22º da contestação da Ré.

  9. Ora, tal como resulta do depoimento de L.L.S. transcrito supra e bem assim do próprio diploma legal que instituiu e aprovou as Bases da concessão da Ré, importava apurar se as vedações existentes na auto-estrada e concretamente no local do acidente e suas imediações eram aquelas que ali deviam estar.

  10. E a verdade é que, com base nesse elemento probatório (e, por assim dizer, até em elementos legais), era (e ainda é) possível concluir que a alegação da Ré a esse respeito é verdadeira e deve ser considerada provada, razão pela qual se propõem as seguintes respostas (a acrescentar, naturalmente, ao elenco dos factos provados e a considerar na decisão final a tomar): - As vedações daquela auto-estrada A merecem a prévia aprovação por parte do concedente (Estado Português) através dos organismos competentes. (artigo 19º da contestação); - À data do sinistro as vedações que se encontravam implementadas no local do sinistro e suas imediações respeitavam o respectivo projecto e mereceram prévia aprovação por parte dos organismos competentes do Estado Português, designadamente no que se refere às suas características, tais como a sua dimensão e altura, por exemplo, pois se assim não fosse a auto-estrada A não teria aberto ao tráfego. (artigos 20º, 21º e 22º da contestação).

    Segue-se que 12. É indiscutível que sempre que o lesado (motorista do veículo AE) contribui culposamente para a produção ou agravamento dos danos o Tribunal, com base na gravidade das culpas de ambas as partes, nomeadamente, deve decidir se a indemnização deve ser concedida na totalidade, reduzida ou até excluída (cfr. Cód. Civil, artigo 570 nº 1).

  11. Porém, já assim não sucede quando a responsabilidade se basear (como é o caso – e a sentença do Tribunal a quo di-lo de forma absolutamente indiscutível) numa presunção de culpa/incumprimento, pois então a culpa do lesado exclui muito claramente o dever de indemnizar (vide Cód. Civil, artigo 570º nº 2 e igualmente o disposto no artigo 4º do RRCEEP).

  12. Ora, neste caso, e lembrando o sempre actual Antunes Varela - (in Das Obrigações em Geral, Vol. II, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 1990, pág. 92: “Agir com culpa significa actuar, por forma a que, a conduta do agente, seja pessoalmente censurável ou responsável e o juízo de censura ou de reprovação dessa conduta só se pode apoiar no reconhecimento, perante as circunstâncias concretas do caso, de que o obrigado não só devia, como podia ter agido de outro modo.” (itálico nosso) -, é absolutamente indiscutível que existe culpa daquele motorista na produção do sinistro dos autos, seja porque rodava em excesso de velocidade, seja porque transitava circulava sem qualquer justificação válida na via da esquerda, quando, como é sabido, deveria em tal caso circular na via mais à direita.

  13. De sorte que, verificando-se, por um lado, a culpa efectiva do condutor do veículo AE na produção do sinistro (com base na regra geral presente no artigo 487º do mesmo Cód. Civil) como acontece neste caso, e, por outro, ocorrendo a responsabilização da R. apoiada numa presunção de culpa/incumprimento (o que a sentença defende inequivocamente), dúvidas não restam que a única solução possível é exactamente a exclusão de qualquer dever de indemnizar por parte da Ré, ora Recorrente.

  14. Pelo que, e salvo o devido respeito, ocorre violação da lei, porquanto a douta sentença não respeitou e nem observou o disposto nos artigos 487º nº 2 (particularmente o critério do bonus pater familiae) e 570 nº 2, ambos do Cód. Civil, mas também o artigo 4º da Lei nº 67/2007, de 31.12.

  15. Para além de que é de assinalar com preocupação que uma semelhante decisão é perigosa, uma vez que dá um claro sinal de “facilitismo”, dando pelo menos a entender que afinal não sobrevém nenhuma consequência pelo facto de se incumprir a lei (civil e estradal, nomeadamente), pela circunstância de haver “dedo” (e culpa) do eventual lesado na produção de sinistros.

    Posto isto, 18. Não se compreende e também não se pode aceitar que o Tribunal a quo dedique uma parte da sua fundamentação a avançar com “sugestões” (ainda para mais não concretizadas e não concretizáveis) tendentes (sem o dizer, no entanto) a caracterizar as obrigações da concessionária como claras obrigações de resultado e bem assim...

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