Acórdão nº 01194/14.3BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução19 de Junho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* *I – RELATÓRIO A., S. A., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga promanada no âmbito da Ação Administrativa Comum intentada por C.

, também com os sinais dos autos, que, em 08.04.2019, julgou a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência, condenou a Ré, aqui Recorrente, no pagamento ao Autor, aqui Recorrido, da quantia de € 7,000,02, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) I. A omissão de pronúncia em que incorreu a sentença, nomeadamente sobre a matéria de facto alegada pela R./recorrente nos artigos 6°, 7°, 8° e 9° da sua contestação, não tem, salvo o devido respeito, qualquer justificação plausível, considerando a prova produzida a esse respeito (depoimento de Luís Silva), o diploma legal relevante (DL n° 248-A/99, de 6 de julho - Bases n°s. XXIX, n° 4 alínea a), XXX n° 1 e XXXVII n°s. 3 e 4) e sobretudo a constatação evidente que aquela matéria é simultaneamente importante para a defesa da R. e sobretudo para a boa decisão da causa; II. Na verdade, não se vislumbra como pode ser possível concluir que a R./recorrente cumpriu as suas obrigações de segurança (ou deixou de o fazer) num acidente com animal, quando nem sequer se trata de apurar se a vedação existente nas imediações do local do acidente era ou não aquela que ali devia ter sido instalada; III. Ora, quer com apoio legal, quer especialmente com base no depoimento da testemunha L. (transcrito parcialmente, e para o que interessa, nestas linhas), dúvidas não restam que devia ter sido (e deve ainda, ao abrigo dos poderes conferidos a este Venerável Tribunal ad quem) dada como provada a seguinte matéria de facto (a acrescer, portanto, ao rol de factos provados destes autos): a) “As vedações daquela autoestrada A7 merecem a prévia aprovação por parte do concedente (Estado Português) através dos organismos competentes.” (artigo 6° da contestação); b) “À data do sinistro as vedações que se encontravam implementadas no local do sinistro e suas imediações respeitavam o respectivo projeto e mereceram prévia aprovação por parte dos organismos competentes do Estado Português, designadamente no que se refere às suas características, tais como a sua dimensão e altura, por exemplo, pois se assim não fosse a autoestrada A7 não teria aberto ao tráfego.” (artigos 7°, 8° e 9° da contestação); IV. Depois, o mesmo depoimento de L., ademais de acolitado pelos docs. n°s. 1 e 2 juntos com a contestação da R. e bem assim pelo diploma legal relevante in casu (DL n° 248-A/99, de 6 de julho), é apto a provar o seguinte: - A R. obrigou-se, regra geral, ou seja, em condições de normalidade de tráfego/circulação, a efectuar passagens de vigilância no mesmo local com o intervalo máximo de três horas (quanto ao artigo 19° da contestação da R. sobre o qual - é manifesto - o Tribunal a quo nem sequer se pronunciou. E devia.).

Isto posto, V. Na ótica da R., é difícil perceber a razão pela qual o tribunal a quo não valorizou e sobretudo não concatenou devidamente as alíneas b), f), g) h) e i) dos factos provados e muito em especial pela circunstância de não ter aventado sequer a hipótese de haver uma relação “causa-efeito” para o acidente decorrente da conjugação de dois factos/factores, quais sejam a velocidade imprimida ao veículo de 120 km/h e também aqueloutro de se registar nevoeiro no local de eclosão do acidente; VI. É que, desde logo, será (é) certamente insofismável a conclusão de que a visibilidade é necessariamente menor quando as condições meteorológicas são de nevoeiro, além de que será (é) igualmente indiscutível que quanto maior for velocidade, particularmente em tais condições de tempo, menor é a antecipação e o tempo de reação dos condutores, motivo pelo qual se impunha avaliar se o modo como a condução era exercida nessa altura era a mais indicada/adequada; VII. Ora, atendendo ao disposto no artigo 24° n° 1 do Cód. da Estrada, e circulando o veículo à velocidade máxima instantânea prevista em autoestrada para os veículos ligeiros de passageiros numa altura em que visibilidade era, por força do nevoeiro, mais reduzida, dúvidas não restam que o veículo circulava naquela ocasião, talvez não em excesso de velocidade, mas seguramente animado de velocidade excessiva, dado que esta devia ser mais claramente reduzida em função das referidas condições meteorológicas (talvez assim se perceba, de resto, a razão por que o avistamento dos animais ocorreu apenas a 10 m de distância); VIII. De modo que é nítido o erro do tribunal, até mesmo em face dos pelo menos 100 metros - segundo a testemunha J. foram antes 200 metros - que o motorista do veículo do A. necessitou para imobilizar o carro após o embate e que pelo menos, face aos estudos existentes a esse respeito e bem assim à própria experiência e senso comuns, indiciam uma velocidade ainda bem superior àquela que o tribunal deu como provada.

Segue-se que IX. É indiscutível que sempre que o lesado contribui culposamente para a produção ou agravamento dos danos, o tribunal, com base na gravidade das culpas de ambas as partes, nomeadamente, deve decidir se a indemnização deve ser concedida na totalidade, reduzida ou até excluída (cfr. Cód. Civil, artigo 570 n° 1); X. Porém, já assim não sucede quando a responsabilidade se basear (como é o caso - e a sentença do Tribunal a quo di-lo de forma absolutamente indiscutível) numa presunção de culpa, pois então a culpa do lesado exclui muito claramente o dever de indemnizar (vide Cód. Civil, artigo 570° n° 2 e igualmente o disposto no artigo 4° do RRCEEP); XI. Ora, neste caso, e lembrando o sempre atual Antunes Varela - (in Das Obrigações em Geral, Vol. II, 4a edição, Almedina, Coimbra, 1990, pág. 92: “Agir com culpa significa atuar, por forma a que, a conduta do agente, seja pessoalmente censurável ou responsável e o juízo de censura ou de reprovação dessa conduta só se pode apoiar no reconhecimento, perante as circunstâncias concretas do caso, de que o obrigado não só devia, como podia ter agido de outro modo.” (itálico nosso) -, é absolutamente indiscutível que existe culpa do condutor do veículo do A. na produção do sinistro dos autos, nomeadamente porque rodava com velocidade excessiva; XII. De sorte que, verificando-se, por um lado, a culpa efetiva do condutor do veículo do A. na produção do sinistro (com base na regra geral presente no artigo 487° do mesmo Cód. Civil) como acontece neste caso, e, por outro, ocorrendo a responsabilização da R./recorrente apoiada numa presunção de culpa (o que a douta sentença defende inequivocamente), dúvidas não restam que a única solução possível é exatamente a exclusão de qualquer dever de indemnizar por parte da R.; XIII. Pelo que, e salvo o devido respeito, ocorre violação da lei, porquanto a douta sentença não respeitou e nem observou o disposto nos artigos 487° n° 2 (particularmente o critério do bonus pater familiae') e 570 n° 2, ambos do Cód. Civil, mas também o artigo 4° da Lei n° 67/2007, de 31 de dezembro e ainda o já mencionado artigo 24° n° 1 do Cód. da Estrada; XIV. Para além de que uma semelhante decisão é perigosa, uma vez que dá um claro sinal de “facilitismo”, dando pelo menos a entender que afinal não sobrevém nenhuma consequência pelo facto de se incumprir a lei (civil e estradal, nomeadamente), pela circunstância de haver “dedo” (e culpa) do eventual lesado na produção de sinistros.

Posto isto, XV. A sentença não valorizou devidamente (e como se impunha) a matéria de facto e particularmente aquela que a R., ora recorrente, logrou provar, ou seja, as alíneas t), u), v), w), x) e y), bem como aqueles factos que, de acordo com a primeira parte deste recurso, devem constar do acervo a considerar nas decisão; XVI. Com efeito, e salvo o devido respeito, em vez de o fazer optou por “embarcar” numa linha de argumentação “redonda” e inconsistente, argumentação essa não concreta, não concretizável e sobretudo irrazoável que, além do mais, não tem o mínimo apoio legal, mormente na legislação relevante (p. ex. do Decreto-Lei n° 248- A/99, de 6 de julho); XVII. Na verdade, quando se chama à colação para servir de fundamentação, ademais da alegada “irrelevância” da existência de patrulhamentos (o que não deixa de ser curioso e revelador), a obrigatoriedade/necessidade de implementação de “efetivas e eficazes soluções” (quais?!!!) ou de “medidas preventivas e sucessivas que se justificarem” (pois sim, mas quais?!!!) ou ainda de “condutas pró-ativas em prol dos interesses dos utentes” (e quais, mais uma vez se pergunta?!!!)”, isso é o mesmo que dizer nada, sobretudo se nos lembrarmos que, p. ex., tanto a questão da vedação da(s) auto-estrada(s) (vide designadamente a alínea a) do n° 4 da Base XXIX), como aqueloutra igualmente relevante dos patrulhamentos (e a sua periodicidade - cfr. alínea f) do n° 3 e n° 4 da Base LV), têm previsão legal no citado diploma legal; XVIII. De forma que não é certamente ao “sabor das conveniências argumentativas” ou da ideia que se possa ter sobre o que será eventualmente correto e/ou justo que nos temos de movimentar em matéria de fundamentação de direito, mas é antes atendo-nos ao direito (positivo) que, no caso, é constituído nomeadamente pelo disposto no Decreto-Lei n° 248-A/99, de 6 de julho; XIX. Curiosamente, a “evolução” que tem vindo a registar aquele diploma legal, em especial, e para o que aqui interessa, a sua Base LXXIII (redação do DL n° 109/2015, de 18 de junho) que prevê claramente uma exclusão de responsabilidade da concessionária caso sejam observados os critérios definidos no seu n° 2, mostra-nos até que p. ex. a periodicidade dos patrulhamentos passou a obedecer a critérios “mais largos” ou “menos apertados” (uma periodicidade de 4...

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