Acórdão nº 684/10.1YXLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelMOREIRA ALVES
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Relatório O Ministério Público instaurou, junto dos Juízos Cíveis de Lisboa, a presente acção inibitória, ao abrigo do disposto nos artigos 25.° e seguintes da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (LCCG), aprovada pelo DL n.º 446/85, de 25-10, contra AA, ...

, pedindo a declaração de nulidade da cláusula que prevê o arredondamento em alta das taxas de juro insertas nos clausulados dos contratos de crédito à habitação da ré, condenando-se a mesma a abster-se de se prevalecer da referida cláusula em contratos já celebrados e de a utilizar em clausulados que de futuro venha a propor. Pede ainda a condenação da ré a dar publicidade a tal proibição.

Invocou, em síntese, que a ré tem por objecto social o exercício da actividade própria das instituições de crédito, nomeadamente de concessão de crédito à habitação, celebrando para o efeito contratos de mútuo com hipoteca cujo documento complementar, que fazia parte integrante da escritura, continha cláusula que impunha ao contratante aderente um arredondamento de taxa de juro sempre para valor superior, o que correspondia a um prejuízo patrimonial para o aderente e um enriquecimento por parte da ré, durante anos e relativamente a numerosos contratos.

Conclui que se trata de uma cláusula proibida, por violar os valores fundamentais do direito defendidos pelo princípio da boa-fé, atento o disposto nos artigos 15.° e 16.° da LCCG, artigo 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), da Lei de Defesa do Consumidor e, posteriormente, pela Directiva n.º 93/13/CE do Conselho, de 05-04, transposta para o ordenamento jurídico português pelo DL n.º 220/95, de 31-10, que alterou a LCCG.

Contestou a ré, excepcionando a falta de interesse em agir do Ministério Público na propositura da presente acção inibitória porque entretanto entrou em vigor o disposto no DL n.º 240/2006, de 22-12, estabelecendo novas regras de arredondamento das taxas de juro aplicadas. Considera a ré que não faz sentido, aferir da legalidade da cláusula de arredondamento, porquanto tal questão foi entretanto regulamentada por via legislativa.

Mais alega que nunca mais se prevaleceu da redacção da cláusula contratual em causa quer na celebração de novos contratos, quer na execução dos contratos em vigor. No mais, a ré impugna a matéria invocada na petição inicial, considerando que não se trata de uma cláusula contratual geral, na medida em que a cláusula em causa resulta da negociação entre as partes, cuja regulamentação depende do restante clausulado.

Respondeu o Ministério Público, que pugnou pela improcedência da excepção, impugnando a matéria alegada na contestação.

Após saneado o processo e efectuada audiência final, na sentença proferida foi julgada procedente a excepção dilatória de ilegitimidade do Ministério Público para instaurar a presente acção e a ré foi absolvida da instância – cf. 304 a 315.

* Não se conformando com tal decisão, dela recorreu o autor, sem êxito, uma vez que a Relação negou provimento ao recurso e confirmou, por unanimidade, a sentença ali recorrida – cf. fls. 361 a 369.

Novamente inconformado, volta a recorrer o Ministério Público, agora de revista (excepcional), ao abrigo do disposto no art. 721.º-A, n.º 1, als. a) e b), do Código de Processo Civil (CPC).

* Apreciados os pressupostos específicos de admissibilidade de revista excepcional, pela formação de juízes a que se refere o n.º 3 do Art. 721.º–A, a revista foi admitida – cf. fls. 414 a 422.

* Nas suas alegações de recurso, o Ministério Público, aduziu, no que aqui releva, que[1]: “(…) Importa equacionar se, apesar da publicação do DL 240/2006 que introduziu regras sobre esta matéria, para valerem para o futuro, continua a ter utilidade a declaração de nulidade da referida cláusula em acção inibitória e, em meu entender, a resposta só pode ser afirmativa. O DL 240/2006 que veio pôr termo a uma prática abusiva dos bancos, não tem aplicação retroactiva. O seu campo de aplicação estende-se aos contratos novos e aos que se encontram em execução, a partir da sua entrada em vigor e da nova revisão do contrato. Os contraentes de contratos que já foram celebrados há muitos anos, relativamente aos quais os bancos contratantes arrecadaram somas consideráveis na sequência desses contratos que estão ainda em execução, não conseguem reaver tais quantias senão após a data em que aquele diploma entrou em vigor. Só com a obtenção da declaração de nulidade da referida cláusula nos termos do art° 32, n° 2 da LCCG e no âmbito de uma acção inibitória conseguirão obter a devolução dos montantes de que indevidamente foram privados, antes de Dezembro de 2006. Se não for declarada a nulidade da cláusula e a Ré vier a reincidir na sua reutilização, no futuro, não poderá ser-lhe aplicada a sanção compulsória prevista no art° 33 da LCCG.

O facto do DL 240/2006 conter regras disciplinadoras do arredondamento das taxas não apaga o carácter abusivo da cláusula à luz da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.

Na eventualidade daquele D. L. vir a ser alterado ou revogado a ré poderá voltar a introduzir nos seus contratos a referida cláusula sem quaisquer consequências já que o Tribunal considerou inútil a declaração de nulidade daquela cláusula pelo que não está vinculada por uma decisão transitada em julgado.

A referida cláusula é proibida e nula de acordo com os artigos 15° e 16° do DL 446/85 e da directiva n° 93/13/CE, porque contraria o princípio da boa fé originando um grande desequilíbrio entre os contraentes e em desfavor dos consumidores e é ilegal desde 22 de Dezembro de 2006, porque viola o DL 240/2006. Contudo, continua a ter utilidade a declaração de nulidade da referida cláusula em acção inibitória, para acautelar a tutela definitiva dos interesses a proteger, vinculando-se a ré a não incluir, no futuro, nos contratos que venha a celebrar, e a não se prevalecer dela nos que já celebrou.

No mesmo sentido se pronunciou o Ac. da Relação de Lisboa, de 28.06.2001, que refere que "A eliminação de determinadas cláusulas contratuais abusivas ou a ocorrência de outras modificações subjectivas ou objectivas não determinam a inutilidade superveniente da lide, uma vez que a sentença favorável pode aproveitar aos que celebraram contratos de adesão e evitar a sua futura repetição". Ainda no mesmo sentido de que a tutela definitiva dos interesses a proteger só se obtém com uma decisão transitada em julgado podem ser consultados os Acórdãos do STJ, de 11.10.2005, proc. 04B1685, da Relação de Lisboa de 16.01.2001, proc. n° 0038171, de 12.07.2001, proc. n° 01B4301, de 12.04.2011, proc. n° 3269/08.9YXLSB.L1.7. O facto de ter sido dado como provado que, desde Janeiro de 2007, com a publicação do DL 240/2006, que a Ré deixou de se prevalecer da regra do arredondamento prevista, não obsta à conclusão da utilidade da lide, porque não estão incluídas as prestações indevidamente recebidas pela Ré anteriormente a Janeiro de 2007, nada garantindo também que a Ré não venha a prevalecer-se dessa cláusula no futuro.

O tribunal "a quo" violou as disposições constantes dos arts. 287º, n° 1, al. e) e 494º, n° 1 al. e) do CPC e arts. 25°, 32° e 33º do DL 446/85 da LCCG. Deve pois o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue improcedente a excepção da "falta de interesse processual em agir" e conheça do mérito da causa, declarando nula, nos termos dos arts. 15° e 16° da LCCG a cláusula do arredondamento em alta da taxa de juro incluída nos clausulados dos contratos de crédito à habitação propostos pela Ré” (sic).

A ré/recorrida contra-alegou, sustentando que o acórdão deve ser mantido.

* Os Factos As instâncias consideraram provada a seguinte factualidade: 1) A ré encontra-se matriculada sob o n.° 500792615 e com a sua constituição inscrita na l.ª Secção da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa - (A).

2) A ré tem por fim o exercício da actividade própria das instituições de crédito, no exercício da qual concede crédito à habitação - (B).

3) Assim, a ré celebrava com os interessados contratos de mútuo com hipoteca, onde efectuava uma remissão para o documento complementar que fazia parte da escritura - (C).

4) Esse documento complementar é previamente elaborado pela Ré - (D).

5) O clausulado constante do documento de fls. 19 a 23, incluindo versos, intitulado de "documento complementar", faz parte integrante da escritura de mútuo de fls. 16 a 18, cujo teor se dá por integralmente reproduzido - (E).

6) O clausulado constante do documento de fls. 32 a 41, incluindo versos, intitulado de "documento complementar", faz parte integrante da escritura de mútuo de fls. 24 a 31, cujo...

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