Acórdão nº 408/08 de Tribunal Constitucional (Port, 31 de Julho de 2008

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução31 de Julho de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 408/2008

Processo n.º 291/08

  1. Secção

    Relator: Conselheiro João Cura Mariano

    Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

    Relatório:

    Por despacho n.º 3071/2003 (2ª série) do Secretário de Estado das Obras Públicas datado de 15 de Janeiro de 2003, publicado no D.R. n.º 38, II série, de 14 de Fevereiro de 2003, foi declarada de utilidade pública e com carácter de urgência a expropriação das parcelas de terreno designadas como “n.º 21 e 21A”, com a área total de 7.942m2 (6.887m2 + 1055m2), a destacar do prédio situado no lugar de Fojo, freguesia de Labruge, concelho de Vila do Conde, a confrontar actualmente de Norte e Nascente com domínio público e a Sul e Poente com A., prédio esse inscrito na matriz predial sob o artigo rústico n.º 71 da Repartição de Finanças desta cidade e descrito na CRP de Vila do Conde sob o n.º 22324 do Livro B-58, necessária à execução da obra IC1 - Porto-Viana do Castelo (IP9).

    Por autos de 31/10/02 e 12/03/03 foram concretizadas as posses administrativas de tais parcelas de terreno pela entidade expropriante.

    Por não ter sido possível uma expropriação amigável iniciou-se um processo de expropriação por utilidade pública (nº 1091/04.0TBVCD, do 2º Juízo Cível do Tribunal de Vila do Conde), em que é expropriante “B. S.A.”, e expropriados A. e mulher C..

    Efectuadas as respectivas vistorias ad perpetuam rei memoriam, procedeu-se de seguida à arbitragem nos termos legais, na qual, por unanimidade, o valor total da indemnização a atribuir aos expropriados foi fixado em € 27.797,00.

    Por decisão de 19-4-2004 foi adjudicado à entidade expropriante o direito de propriedade sobre ambas as parcelas de terreno supra descritas e identificadas.

    Da decisão arbitral interpuseram recurso os expropriados, defendendo que as parcelas aqui em causa, à data da DUP, valiam € 158.840,00.

    O processo decorreu os seus ulteriores termos processuais e procedeu-se à avaliação prevista nos artigos 61º e ss. do Código das Expropriações de 1999 (C. das Exp.) tendo os peritos indicados pelo tribunal e pelos expropriados apresentado um único laudo no qual consideraram como justa a indemnização de € 158.840.00. Pela perita da entidade expropriante foi apresentado outro laudo, no qual indicou como valor justo o de €. 40.249,24.

    Em 14-8-2006 foi proferida sentença que decidiu julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelos expropriados e, em consequência, fixar, a título de indemnização a pagar pela expropriante àqueles o montante global de € 157.938,49,quantia esta a actualizar desde a data de declaração de utilidade pública (14/02/03) até à decisão final com trânsito dos autos.

    Desta sentença foi interposto recurso pela expropriante para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 21-1-2008, concedeu parcial provimento ao recurso, tendo fixado a indemnização devida aos expropriados no valor de € 152.379,09.

    Deste acórdão foi interposto recurso pela expropriante para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, nos seguintes termos:

    (…)

    “2. No acórdão recorrido decidiu-se que podia considerar-se o jus aedificandi na avaliação de um terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional (RAN), ao abrigo da parte final do nº 3 do art. 27º do Código das Expropriações (CE/99).

    1. Na verdade, nele se escreveu que «(...) as expectativas resultantes do forte desenvolvimento urbanístico da zona (...) enquadram-se “... nas circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo”, a que se refere tal segmento da norma».

    2. Resumindo o entendimento seguido, considerou-se que:

      Assim se valoriza o solo de acordo com o seu aproveitamento económico normal que possuiria, abstraindo-se da condicionante imposta pelo plano municipal, sob pena de violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade (CRP = 13º e 17º)

      .

    3. Ora, salvos o devido respeito e melhor opinião, a tese acolhida pelo douto acórdão é inconstitucional.

      Na verdade,

    4. do princípio constitucional da justa indemnização decorre, para o legislador, a necessidade de, ao definir os respectivos critérios de cálculo, tomar em consideração, quer a “vertente do interesse público” quer o “princípio da igualdade de encargos” entre os cidadãos;

    5. Seguindo de perto a argumentação desenvolvida no douto Acórdão do Tribunal Constitucional nº 118/2007, dir-se-á que o princípio da igualdade se desdobra em dois níveis de comparação: no âmbito relação interna e no domínio da relação externa;

    6. No âmbito da relação interna, o princípio da igualdade obriga o legislador a estabelecer critérios uniformes de cálculo da indemnização, que evitem tratamentos diferenciados entre os particulares sujeitos a expropriação.

    7. No domínio da relação externa, comparam-se os expropriados com os não expropriados, devendo a indemnização por expropriação ser fixada de tal forma que impeça um tratamento desigual entre estes dois grupos.

    8. Ora, nestes autos como naqueles em que foi proferido o citado douto Acórdão nº 118/2007, é precisamente em relação a este domínio da relação externa que a interpretação normativa efectuada pela decisão recorrida coloca em crise aquele princípio:

      De facto, no caso concreto, os solos integrados na Reserva Agrícola Nacional são expropriados exclusivamente para construção de uma via de comunicação - uma das limitadas utilizações que, por força do interesse público, os solos agrícolas integrados na RAN podem ter, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho.

      Por outro lado, as parcelas de terreno circundante mantêm-se igualmente integradas na RAN, também sem qualquer aptidão edificativa. Assim sendo, considerar-se como terreno apto para construção [no caso dos autos dir-se-ia: “como terreno com expectativas de aptidão construtiva”], como tal devendo ser indemnizado em caso de expropriação destinada a uma das limitadas utilizações legalmente permitidas, um terreno onde o proprietário não pode construir, por força da sua integração na RAN, conduz não só à atribuição de uma indemnização que não corresponde ao seu “justo valor” - para o determinar há que atender ao valor que o bem terá num mercado onde não entrem em consideração factores especulativos ou anómalos e o valor de um terreno integrado na RAN está, necessariamente, condicionado pelo fim específico a que tal solo está destinado -, mas também a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes proprietários de terrenos integrados naquela Reserva que não tenham sido contemplados com a expropriação

      .

    9. Na verdade, tal como se alegou no recurso de apelação interposto:

      (...) as eventuais expectativas dos expropriados de verem o seu terreno desafectado da RAN não podem reflectir-se na justa indemnização, tal como se decidiu, entre outros, no douto Acórdão do Tribunal Constitucional proferido em 20 de Abril de 2004 - Acórdão nº 275/2004, publicado no DR, II Série, de 8 de Junho:

      - a integração de um terreno na RAN «determina, na prática, não só a impossibilidade de o proprietário nele vir a construir edifícios urbanos, mas também o fim de qualquer expectativa razoável de desafectação para que tal solo possa vir a ser destinado à construção imobiliária;

      - no caso de expropriação de terrenos integrados na RAN, não há que considerar, para efeitos de cálculo do valor da indemnização, a pagar ao expropriado, qualquer potencialidade edificativa que não existe, nem nasce com a expropriação

      .

      Que essas “supostas” expectativas não podem contribuir para a determinação do terreno, aliás, resulta da imposição expressa do art. 23º do CE/99, de que a justa indemnização se reporte ao valor real e corrente do bem «à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data».

      No dizer destes Srs. Peritos, como se referiu, apesar de estarem classificados na RAN, «eram no entanto solos valorizados pelas expectativas resultantes do forte desenvolvimento urbanístico da zona e pela mudança de destino que solos com igual classificação receberam» (fls. 132).

      Essas ditas “fortes expectativas” têm, no entanto, um nome: ESPECULAÇÃO».

    10. Na verdade, o critério fixado no Código das Expropriações para alcançar a compensação integral do sacrifício patrimonial infligido aos expropriados e para garantir que estes, em comparação com outros cidadãos, não sejam tratados de modo desigual e injusto, é o valor real e corrente do bem (art. 23º/1 do CE/99) - também designado valor venal, valor comum ou valor de compra e venda do bem expropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso, mas sim em sentido normativo (Neste sentido, FERNANDO ALVES CORREIA, «A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999», publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 132º, nº 3905 e 3906, pág. 233).

    11. O valor de mercado normativamente entendido corresponde ao «valor de mercado normal e habitual, não especulativo, isto é, um valor que se afasta, às vezes substancialmente, do valor de mercado resultante do jogo da oferta e da procura, já que está sujeito, frequentes vezes, a correcções, as quais são ditadas por exigências da justiça» (Cfr. Autor e obra citados).

    12. Assim, por violação dos princípios da igualdade (no âmbito da relação externa) – consagrado no artigo 13º da CRP – e do princípio da justa indemnização – condensado no seu art. 62º/2 – seria inconstitucional a norma contida no nº 3 do artigo 27º do Código das Expropriações (1999), quando interpretada no sentido de o valor dos solos integrados na RAN poder reflectir quaisquer expectativas de construção.

    13. A recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade de tal norma, nessa interpretação, nas 1ª e 3ª conclusões do recurso de apelação interposto.

    14. Pretende-se, assim, que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade da norma contida no nº 3 do artigo 27º do Código das...

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