Acórdão nº 118/07 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Vitor Gomes
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 118/2007

Processo n.º 785/06

  1. Secção

    Relator: Conselheiro Vítor Gomes

    Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

    1. Relatório

    1. No presente processo em que é expropriante EP – Estradas de Portugal, E.P.E. (que sucedeu ao IEP – Instituto das Estradas de Portugal), e expropriados A. e B. os expropriados interpuseram recurso da sentença que fixou a indemnização a pagar pela expropriação de uma parcela de terreno, com 14.670 m2 de área, destinada à execução da obra “concessão norte (AENOR) A11-IC 14 – lanço Esposende-Barcelos-Braga, sublanço Braga Oeste (A3) Braga (Ferreiros)”.

    Por acórdão de 28 de Março de 2006, o Tribunal da Relação de Guimarães concedeu provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação (na parte que pode relevar para as questões suscitadas no presente recurso):

    “Perante esta factualidade, os Srs. Árbitros, que elaboraram a decisão arbitral, e Srs. Peritos nomeados pelo Tribunal e pela entidade expropriante, colocando o assento tónico na circunstância de a parcela expropriada, com a área de 10.000m2, estar inserida em espaço de RAN, entenderam que a mesma devia ser classificada como “solo apto para outros fins”, de acordo com o citado art. 25°, n°3, e avaliada segundo o critério estabelecido no art. 27°, n°3.

    E este mesmo entendimento foi acolhido pela douta sentença recorrida com o argumento de que se a integração da mesma na RAN implica a sua afectação exclusiva à agricultura, não existindo, por isso, potencialidade edificativa dessa parcela nem a expropriação a faz nascer.

    Nas suas alegações de recurso, os expropriados continuam a sustentar a classificação de todo o terreno expropriado como “solo apto para construção”.

    Que dizer?

    A Constituição da República Portuguesa não tutela expressamente o direito a edificar como um direito que se inclua, necessária e naturalmente, no direito de propriedade.

    Todavia, a jurisprudência do nosso Tribunal Constitucional não deixou de se firmar, uniformemente, no sentido de que o jus aedificandi deve ser considerado como factor de valorização, ao menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa.

    Saber quando é que os bens expropriados envolvem uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa, é que se tornou tarefa mais árdua.

    Na vigência do Código das Expropriações de 1991, dispunha o n.º 5 do seu artigo 24° que “Para efeitos da aplicação do presente Código é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção”

    Relativamente a esta norma, o Acórdão do Tribunal Constitucional n°267/97 declarou-a inconstitucional «enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de “solo apto para construção” os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola».

    Todavia, nos Acórdãos n°20/2000, n.° 172/2002 e n°12/2002 do mesmo Tribunal, tomou-se uma posição mais rígida, decidindo-se “não julgar inconstitucional a norma do mesmo n°5 do art. 24° do CE/91, por forma a excluir da classificação como “solo apto para construção” solos integrados na RAN e expropriados para implementação de vias de comunicação.

    A partir de então, passou a ser dominante o entendimento de que estando o terreno inserido na RAN ou na REN só se afastava, por inconstitucional, a norma do n.º 5 daquele mesmo artigo 24° quando fosse expropriado para construção de um edifício.

    A verdade, porém, é que com a entrada em vigor do actual Código das Expropriações, aquela norma foi suprimida, pelo que não contendo este novo código norma equivalente, nenhum impedimento existe a que, em determinadas circunstâncias, o solo continue “a ser considerado apto para construção ainda que, por lei ou regulamento, designadamente um plano urbanístico vinculativo, não esteja destinado a esse fim”

    E isto não obstante não se ignorar a orientação decorrente do Acórdão do Tribunal Constitucional n° 275/2004 (proferido no Processo n.° 03/04 – 3ª secção e já no âmbito da vigência do novo Código das Expropriações), no sentido de que o que releva para efeitos da “justa indemnização” não é o facto do terreno, por força do interesse público, deixar de ter aptidão agrícola, uma vez que continua a existir a proibição de construir nos solos integrados na RAN, inexistindo, por isso, qualquer expectativa razoável de desafectação para que tal solo possa vir a ser destinado à construção imobiliária.

    E que, tal como se escreveu no Acórdão da Relação do Porto, 13 de Janeiro de 2005, isso “não significa, forçosamente, que o valor do solo tenha de ser calculado inevitavelmente em função do que se dispõe para «solo para outros fins», nos termos do art. 27° do CE/99”.

    Importa, antes, averiguar da aptidão objectiva para a edificabilidade em função dos elementos definidos no art. 250, n.°2, als. a) a d) do CE/99.

    E, para tanto, há que ter em conta a situação particular da parcela expropriada e da sua envolvente.

    No caso sub judice constata-se que, não obstante a parcela expropriada com a área de 10.000m2, se inserir em zona de Reserva Agrícola Nacional (RAN), estando, por isso, afecta, exclusivamente, à utilidade pública agrícola’4, a verdade é que, por um lado, a mesma foi, posteriormente, desafectada desta finalidade para, também por força do interesse público, passar a estar afectada à construção de uma infra-estrutura pública rodoviária - execução da obra de concessão norte (AENOR) – A11 – IC 14 – lanço Esposende-Barcelos-Braga, sublanço Braga Oeste (A3 )-Braga (Ferreiros).

    E, por outro lado, resulta dos factos provados que tal parcela não só dispõe de acesso rodoviário pavimentado com betuminoso, rede de abastecimento domiciliário de água, com serviço junto à parcela, rede de saneamento, rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão com serviço junto à parcela, rede de drenagem de águas pluviais com colector de serviço e rede telefónica, como também se situa próximo da cidade de Braga e de alguns equipamentos e serviços, está bem servida de transportes colectivos e apresenta uma zona envolvente próxima constituída por parcelas de terrenos classificados na Planta de Ordenamento do PDM de Braga como Espaços Urbanos, habitações unifamiliares e pavilhões industriais, e como solos inseridos em zona de RAN, edificações e benfeitorias.

    Ora, tendo tal parcela deixado de estar afecta à RAN, ao abrigo da alínea d) do n°. 2 do artigo 9° do Decreto-Lei n.° 196/89, de 14 de Junho, alterado pelos DLs n°s 274/92 e 278/95, de 25/10, não se compreende que, para efeitos de cálculo do valor da indemnização, a pagar ao expropriado, se continue a considerá-la como solo agrícola integrado na RAN e a ver em tal integração um factor impeditivo da sua potencialidade edificativa, tanto mais que a mesma dispõe das infra-estruturas a que alude o citado art. 25°, n.° 2, al. a) e está situada zona envolvente próxima constituída por parcelas de terrenos classificados na Planta de Ordenamento do PDM de Braga como Espaços Urbanos e onde se situam habitações unifamiliares.

    Daí entender-se que todas estas circunstâncias, tornam a parcela em causa abrangida pelo disposto no citado n.º 12 do artigo 26°, por aplicação analógica, nos termos do art. 10º do C. Civil.

    Isto porque em função, quer do destino que lhe foi dado - implantação de uma infra-estrutura pública -, quer da existência das infra-estruturas a que se reporta a alínea a) do n°2 do citado art. 25°, quer da sua área envolvente, é possível afirmar que a mesma dispõe de aptidão edificativa, devendo, por isso, o valor do respectivo solo ser calculado de acordo com factores próximos para o “solo apto para a construção”.

    De notar que este n°12 do art. 26° do CE de 1999 tem um âmbito de aplicação mais lato que o equivalente n.°2 do artigo 26° do C.E. de 1991, pois passou a abranger além dos solos classificados por plano de ordenamento do território, como zona verde ou de lazer, também os destinados a equipamentos públicos.

    Comentando este n°2 do citado art. 26°do Código das Expropriações de 1991, escreve Fernando Alves Correia, que “a lei manda, assim, atender no cálculo do valor dos solos destinados por um plano urbanístico a zonas verdes ou de lazer que venham a ser adquiridas pela Administração, pela via da expropriação, a factores próximos dos estabelecidos para os terrenos aptos para a construção. Aplaude-se o aparecimento desta disposição já que, ao prescrever um tal método de determinação do valor dos solos classificados como zona verde ou de lazer por um plano urbanístico, corta, cerce quaisquer tentativas da “manipulação” das regras urbanísticas por parte da Administração, que poderia traduzir-se na classificação dolosa por parte de um município, num plano urbanístico por si aprovado, de um terreno com zona verde, desvalorizando-o, para mais tarde o adquirir, por expropriação, pagando por ele um valor correspondente ao solo não apto para construção (sublinhado nosso).

    E tais considerações mantém-se, a nosso ver, também válidas quanto ao citado art. 26°, n°12 do actual Código das Expropriações.

    Na verdade, o que se pretendeu com esta imposição legal foi, para além, de proteger os cidadãos contra certas condutas menos claras da Administração, consagrar, como factor de fixação valorativa, o “ius aedificandi”, pelo menos, naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou envolvente potencialidade edificativa.

    Por tudo isto e, não obstante, no caso dos autos, não se questionar qualquer tentativa damanipulação das regras urbanísticas por parte da Administração, julgamos, no caso dos autos, ser suficiente para transmitir a potencialidade edificativa à parcela expropriada, com indemnização, a pagar ao expropriado, se continue a considerá-la como solo agrícola integrado na RAN e a ver em tal integração um factor impeditivo da sua potencialidade edificativa, tanto mais que a mesma dispõe das infra-estruturas a que alude o...

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