Acórdão n.º 224/90, de 08 de Agosto de 1990

Acórdão n.º 224/90 Processo n.º 77/87 1 - O Provedor de Justiça requereu, em 27 de Março de 1987, ao Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa e 51.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, que fosse apreciada e declarada, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 46.º do Código da Estrada, por ofensa do n.º 4 do artigo 30.º da Constituição, já que se impõe aí 'uma pena acessória como efeito acessório de certas sanções penais' e, nos termos do citado preceito constitucional, 'nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos'.

Ouvido nos termos do artigo 54.º da citada Lei n.º 28/82, remeteu o Primeiro-Ministro a este Tribunal um parecer da Auditoria Jurídica da Presidência do Conselho de Ministros, em que se concorda com o ponto de vista expresso no requerimento do Provedor de Justiça, ou seja, o de que 'o n.º 2 do artigo 46.º do Código da Estrada viola o artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, estando, assim, ferido de inconstitucionalidade material e superveniente', com ressalva, porém, da sua alínea f), em relação à qual, a considerar-se abrangida no pedido, 'nenhum juízo de inconstitucionalidade deve ser formulado'.

O processo foi distribuído em 26 de Maio de 1987 e redistribuído em 7 de Novembro de 1989, por o primitivo relator ter deixado de fazer parte do Tribunal.

Cumpredecidir.

2 - Dispõe o n.º 2 do artigo 46.º do Código da Estrada (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39672, de 20 de Maio de 1954): São proibidos de conduzir veículos automóveis enquanto não forem reabilitados nos termos da lei: a) Os indivíduos condenados três ou mais vezes pelos crimes seguintes: 1.º Ofensas corporais voluntárias; 2.º Dano voluntário; 3.º Homicídio, ofensas corporais ou dano involuntário, cometidos no exercício dacondução; b) Os condenados duas ou mais vezes em pena de prisão maior ou degredo; c) Os condenados em pena maior fixa por qualquer dos seguintes crimes: 1.º Contra a segurança exterior ou interior do Estado; 2.º Homicídio voluntário; d) Os que tenham sido declarados delinquentes habituais ou por tendência; e) Os que tenham sofrido condenação a pena maior por virtude de qualquer crime cometido no exercício da condução de veículos, servindo estes de instrumento ou meio para auxiliar ou preparar a sua execução; f) Os indivíduos sujeitos à medida de segurança de interdição do exercício da condução.

Convirá, antes de mais, prestar alguns esclarecimentos: 1.º A pena de degredo de que fala a alínea b) - ou sejam as penas 1.', 2.', 3.' e 4.' do artigo 55.º do Código Penal, aprovado por Decreto de 16 de Setembro de 1886, bem como as penas 1.', 2.', 3.', 4.' e 6.' do artigo 57.º do mesmo Código (estas, aplicáveis em alternativas) - passou a ser cumprida, por força do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 26643, de 28 de Maio de 1936 (organização prisional), 'como prisão maior nos estabelecimentos a esta pena destinados, reduzindo-se a sua duração de um terço'; 2.º A pena de prisão maior, a pena maior fixa e a pena maior, de que se fala nas alíneas b), c) e e), respectivamente - ou sejam as penas previstas nos citados artigos 55.º e 57.º (eram fixas as penas maiores 1.' a 4.' do artigo 55.º e as penas maiores 1.' a 4.' do artigo 57.º) -, foram substituídas pela designação penas maiores na nova redacção dada ao artigo 55.º pelo Decreto-Lei n.º 39688, de 5 de Junho de 1954; 3.º Tendo o Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, eliminado a pena de prisão maior, prevendo somente a pena de prisão (cf. o n.º 9 do relatório que precede o Código), o Decreto-Lei n.º 402/82, da mesma data, veio, no seu artigo 51.º, considerar prisão daquela natureza a de medida superior a dois anos, e, posteriormente, a Lei n.º 41/85, de 14 de Agosto, passou a considerar prisão maior ou pena maior a 'pena de prisão cuja medida exceda três anos no seu limite máximo e que seja igual ou superior a seis meses no seu limite mínimo'; 4.º Pelo novo Código Penal deixou de ser crime o aqui chamado dano involuntário, ou seja, o crime previsto no artigo 482.º do Código de 1886; 5.º Dos delinquentes habituais e delinquentes por tendência, como tais considerados nos artigos 109.º e 110.º do citado Decreto-Lei n.º 26643, ocupa-se hoje o capítulo I do título V do livro I do novo Código Penal, capítulo subordinado à epígrafe 'Delinquentes por tendência', aos quais é aplicada uma 'pena relativamente indeterminada' (sobre este ponto pode ver-se Prof.

Manuel Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Parte Geral, II - Penas e Medidas de Segurança, 1989, título I, capítulo II, § 2.º, n.º 2).

2.1 - Como resulta do que ficou dito, é posto em dúvida, no parecer junto com a resposta do Primeiro-Ministro, que o pedido abranja a alínea f) do n.º 2 do artigo 46.º do Código da Estrada.

É que - diz-se aí -, ao referir-se aos 'indivíduos sujeitos à medida de segurança de interdição do exercício da condução', essa alínea 'nada tem a ver, no seu conteúdo material, com os fundamentos da pretensão do Sr.

Provedor de Justiça, a qual se restringe às situações de condenação em pena deprisão'.

Dispondo o n.º 4 do artigo 30.º da Constituição que nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos, parece, na verdade, pelo menos à primeira vista, que a questão de constitucionalidade só pode colocar-se relativamente a uma norma que imponha a perda de qualquer desses direitos como efeito necessário da aplicação de uma pena. E, quanto à norma da alínea f) do n.º 2 do artigo 46.º do Código da Estrada, é ela própria a declarar que são proibidos de conduzir veículos automóveis os indivíduos sujeitos a uma medida de segurança.

Mas, independentemente de saber se o preceito constitucional, ao falar em pena, não quererá abranger qualquer sanção criminal, pode argumentar-se, contra o ponto de vista expresso naquela resposta: em primeiro lugar, que o requerimento do Provedor de Justiça começa por pedir 'a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade do artigo 46.º, n.º 2, do Código da Estrada', sem qualquer restrição, e termina do mesmo modo, isto é, dizendo que 'deverá ser declarada, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do artigo 46.º, n.º 2, do Código da Estrada, por ofensa do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição da República'; em segundo lugar, que no artigo 2.º do requerimento se diz expressamente estar em causa uma pena acessória como efeito acessório de certas sanções penais (e não apenas de certaspenas).

Mas, se isto é assim, ou, por outras palavras, se do requerimento parece dever concluir-se que também a constitucionalidade da alínea f) é posta em causa, já outra ordem de considerações deverá levar-nos à conclusão oposta.

É que dizer que são proibidos de conduzir veículos automóveis os...

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