Acórdão nº 343/04.4TTBCL.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelFERNANDES DA SILVA
Data da Resolução12 de Outubro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I – 1.

AA, devidamente identificado, interpôs no Tribunal do Trabalho de Barcelos, em 18-05-2004, a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra «BB – Centro de Formação Profissional da Indústria Têxtil», pedindo que: - Se declare que o A. exerce no R. funções e actos materiais correspondentes à categoria profissional de formador; - A classificação do A. seja efectuada por aquela categoria profissional; - O R. seja condenada a reconhecer que o A., no mínimo, presta serviço/trabalho de quantidade, qualidade e natureza igual ao trabalho prestado pelos outros colegas que prestam labor na mesma secção de formação, e declarar-se que lhe assiste o direito de receber do R. o mesmo valor, a título de remuneração base e outros acréscimos salariais, que aquela paga, desde Setembro de 1998, aos demais colaboradores; - O R. seja condenada a pagar ao A. as diferenças de remuneração havidas desde Setembro de 1998 até Abril de 2004, as quais importam no valor global de € 23.817,63 (vinte e três mil oitocentos e dezassete euros e sessenta e três cêntimos) e bem assim, para o futuro, o valor correspondente à remuneração mensal mais elevada paga pelo R. ao colaborador que exerce funções equivalentes às do A., em natureza, quantidade e qualidade, importância que deverá ser acrescida de juros computados à taxa legal de 4%, desde a citação até efectivo e integral pagamento; - Subsidiariamente, e na eventualidade de na presente demanda se não conseguir quantificar, com exactidão, as diferenças salariais a que o A. tem direito, requer a liquidação das mesmas em execução de sentença (sic).

Alegou para tanto, em síntese útil, que foi admitido ao serviço do R. em 1998-03-02 para, mediante retribuição mensal, ultimamente no montante de € 807,47, exercer as funções de “monitor auxiliar”, como efectivamente exerceu, classificando-o o R. como “formador III, da letra A”.

Porém, a partir de Setembro de 1998, momento em que o A. terminou o curso de formação pedagógica de formadores, deveria ter passado a auferir retribuição igual aos restantes formadores, por o trabalho prestado ser igual em quantidade, qualidade e natureza.

Daí a sua reclamação de diferenças salariais com referência ao trabalhador do R., classificado como formador, que aufira retribuição mais elevada entre os trabalhadores com tal categoria.

  1. Contestou o R., por impugnação e por excepção, alegando, em resumo, que o A. não aceitou ser reclassificado como “formador III”, o que impediu a sua progressão nos escalões salariais.

    De qualquer modo, porque inexistia regulamento interno ou IRC aplicável e porque a progressão referida dependia da avaliação do desempenho e da antiguidade de cada trabalhador, entende que o A. não tem direito às reclamadas reclassificação e diferenças salariais, tanto mais que o A. não fazia acompanhamento dos estágios dos formandos, nas empresas, tarefa que cabia ao seu Colega Paulo Torres.

    Alega, por último, que em seu entender não se verifica qualquer violação do princípio “para trabalho igual, salário igual”, pois são consentidas diferenças desde que objectivamente fundadas.

    O A. respondeu à contestação.

  2. Discutida a causa, proferiu-se sentença, em que se decidiu que o A. exerce, no R., funções e actos materiais correspondentes à categoria profissional de formador, desde Março de 1999, sendo essa a categoria profissional em que tem que ser classificado.

    E condenou o R. a reconhecer que o A., no mínimo, presta serviço/trabalho de quantidade, qualidade e natureza igual ao trabalho prestado pelos outros colegas que prestam labor na mesma secção de formação; a pagar-lhe o mesmo valor, a título de remuneração-base e demais acréscimos salariais que aquela paga, desde Março de 1999, aos demais colaboradores Formadores; a pagar-lhe as diferenças de remuneração havidas desde Março de 1999 até Abril de 2004, a liquidar em execução de sentença, e bem assim, para o futuro, o valor correspondente à remuneração mensal mais elevada, paga pelo R. ao colaborador que exerce funções equivalentes às do A., em natureza, quantidade e qualidade, acrescida de juros, computados à taxa legal de 4%, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

  3. Irresignado com o assim decidido, veio o R. interpor recurso de apelação, a que o Acórdão de fls. 535-558 negou provimento, confirmando a sentença impugnada…embora restringindo o direito a diferenças salariais ao período que se inicia em 9.3.1999.

    Não se conformando com o assim ajuizado, traz-nos o R.

    a presente Revista, cujas alegações remata com a formulação deste quadro conclusivo: 1. O acórdão de fls. deve ser revogado porque fez errada aplicação do Direito.

  4. Entendeu o Tribunal da Relação do Porto que o ónus recaía sobre o Recorrente, atento o disposto no artigo 23.º, n.º 3, do Código do Trabalho/2003 e que a diferença retributiva é injustificada e discriminatória porque não foi provado qualquer facto que a suporte.

  5. O que decorre do princípio para trabalho igual salário igual é a igualdade de retribuição para trabalho igual em natureza, quantidade e qualidade, e a proibição de diferenciação arbitrária (sem qualquer motivo objectivo), ou com base em categorias tidas pelo legislador como factores de discriminação (sexo, raça, idade e outras), destituídas de fundamento material atendível, proibição que não contempla, naturalmente, a diferente remuneração de trabalhadores da mesma categoria profissional, na mesma empresa, quando a natureza, a qualidade e quantidade do trabalho não sejam equivalentes.

  6. Tem sido entendimento pacífico e uniforme do Supremo Tribunal de Justiça que, para se concluir pela existência de discriminação retributiva entre trabalhadores, é necessário provar que os vários trabalhadores diferentemente remunerados produzem trabalho igual quanto à natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.) e quantidade (duração e intensidade), competindo o ónus da prova ao trabalhador que se diz discriminado.

  7. Tal ónus, como resulta dos autos e até do acórdão recorrido, não foi cumprido pelo Recorrido.

  8. O Código do Trabalho de 2003 consignou o direito à igualdade no acesso ao emprego e no trabalho, no seu artigo 22.º, nos seguintes termos: "1 - Todos os trabalhadores têm direito a igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho. 2 - Nenhum trabalhador ou candidato a emprego, pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical”.

  9. No artigo 23.º Código do Trabalho/2003, versando a proibição de discriminação, estabeleceu-se: "1 - O empregador não pode praticar qualquer discriminação directa ou indirecta, baseada, nomeadamente, na ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical. (...) 3 - Cabe a quem alegar a discriminação fundamentá-la, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que as diferenças de condições de trabalho não assentam em nenhum dos factores indicados no n.º 1. ".

  10. A Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, que regulamentou o Código do Trabalho/2003, tratou da matéria da igualdade e não discriminação no seu Capítulo V, dispondo, nos artigos 32.º e ss. diversas normas em regulamentação daquelas.

  11. O particular regime de repartição do ónus de alegação e prova, que decorre dos referidos artigos, não dispensa o trabalhador, que invoca a prática discriminatória de que resulta um tratamento diferente, de alegar e provar os factos integrantes de tal prática.

  12. O que tal regime consagra é uma atenuação daquele ónus nas situações em que sejam invocadas diferenças de tratamento, designadamente em termos salariais, motivadas por um dos factores característicos de discriminação consignados na lei ou a estes qualitativamente equiparáveis, por contenderem com o superior valor da igual dignidade social de todos os cidadãos.

  13. Deste modo, a quem invoca a prática discriminatória compete alegar e provar, além do diferente tratamento (resultado de tal prática), os factos integrantes de um daqueles factores.

  14. Alegado e demonstrado um...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
14 temas prácticos
14 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT