Acórdão nº 1029/10.6T2AVR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Setembro de 2011
Magistrado Responsável | HELDER ROQUE |
Data da Resolução | 13 de Setembro de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA, residente na Rua .............., ...., ....., ......, Aveiro, propôs a presente acção declarativa, de simples apreciação, contra BB residente na Avª ............, .........., Gafanha da Nazaré, na qualidade de herdeiro da falecida CC, e o ISSS – Centro Nacional de Pensões, com sede na Avª .........., ......, Lisboa, pedindo que, na sua procedência, seja reconhecido como titular do direito a alimentos, relativamente à herança aberta por óbito de CC, falecida a 7 de Julho de 2009, no estado civil de divorciada.
Para atingir a finalidade pretendida e como fundamento do pedido, o autor alega que viveu com a referida CC, em situação análoga à dos cônjuges, desde 19 de Maio de 2006 até 7 de Julho de 2009, data do seu falecimento, sendo esta beneficiária do ISSS, mas como desconhece se a herança aberta pelo seu óbito tem bens, intentou a presente acção contra o réu ISSS – Centro Nacional de Pensões, como forma de obter o reconhecimento do seu reclamado direito.
Na contestação, o réu ISSS – Centro Nacional de Pensões alega que só responde, subsidiariamente, pelo que o autor deveria descrever factos de que resultasse não poder obter alimentos dos demais obrigados, legalmente, a prestar-lhos, com a consequente insuficiência da causa de pedir, impugnando a demais factualidade alegada pelo autor, por não ser do seu conhecimento pessoal, nem estar obrigado a dela conhecer, pugnando pelo julgamento da causa, de acordo com a prova que vier a ser produzida.
Na réplica, o autor alega a inexistência de obrigados que estejam em condições de lhe prestar os peticionados alimentos.
O Exº Juiz julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, com o fundamento de que, com a entrada em vigor da Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, se alterou, de forma substancial, o regime jurídico das uniões de facto, consagrado pela Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, pelo DL nº 322/90, de 18 de Outubro, pelo DL nº 142/73, de 31 de Março, e pelo Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro.
Designadamente, considerou que, com tais alterações legislativas, terminou a obrigatoriedade de instaurar uma acção judicial destinada ao reconhecimento da existência da união de facto e bem assim como o ónus de demonstrar a carência de alimentos e a impossibilidade de o necessitado os obter das pessoas, legalmente, obrigadas a prestar-lhos.
No novo regime, a necessidade da propositura da acção foi substituída pela suficiência de meios de prova nele elencados e, no caso da existência de dúvidas sobre a alegada existência da união de facto, caber, agora, à entidade responsável pelo pagamento das prestações a promoção de uma acção judicial com vista à sua comprovação.
Mais se considerou, na aludida decisão, que o novo regime se aplica à situação em causa nos presentes autos, em face do disposto no artigo 12º, nº 2, 2ª parte, do Código Civil, porquanto a referida Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, não consagrou solução diversa.
Desta sentença, o réu ISS, IP/CNP interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a apelação, confirmando, na íntegra, a decisão impugnada.
Do acórdão da Relação de Coimbra, o réu ISS, IP/CNP interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, devendo os autos prosseguir com obediência à legislação com a redacção anterior à nova LUF, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, na totalidade: 1ª – Dispõe o n° 1 do art° 8° do D.L. 322/90 que: "O direito às prestações previstas neste diploma e o respectivo regime jurídico são tornados extensivos às pessoas que se encontram na situação prevista no n° 1 do art° 2020° do Código Civil".
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- Ora diz-se no n° 1 do art° 2020°, do C. Civil: "Aquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, tem direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter nos termos da alínea a) a d) do art° 2009°".
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- Por sua vez, afirma-se no n° 1 do art° 2009° do C. Civil: "Estão vinculados à prestação de alimentos pela ordem indicada: a) o cônjuge ou o ex-cônjuge; b) os descendentes; c) os ascendentes; d) os irmãos..." (sublinhado nosso).
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- Da conjugação de tal regime jurídico resulta que o direito a alimentos da herança é reconhecido à pessoa que se encontrar na seguinte situação: vida em condições análogas às dos cônjuges; com pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens; há mais de dois anos à data da morte; que necessite de alimentos e não tenha possibilidades dela própria prover à sua subsistência (art° 2004° do C. Civil); e que os não possa obter daqueles familiares.
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- Ora o art° 8° do DL 322/90, ao remeter para a situação prevista no n° 1 do art° 2020° do C. Civil, está a equiparar a situação de quem tem direito à pensão de sobrevivência à situação de quem tem direito a alimentos da herança.
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- Ou seja, a situação que se exige no art° 8o (para lhe ser reconhecido o direito àquelas prestações da segurança social) é a mesma situação daquele que tem direito a exigir alimentos da herança, nos termos do n° 1 do art° 2020° do C Civil.
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- Porém na sequência do que se determinou no art° 8o n° 2 do DL 322/90 foi publicado o Dec. Regulamentar n° 1/94 de 18 de Janeiro, que nos seus art°s 3o e 5o estabeleceu as condições e processo de prova para atribuição da pensão de sobrevivência às pessoas que se encontrem na situação prevista no art° 8o n° 1 do DL 322/90 (o mesmo é dizer, situação prevista no art° 2020° n° 1 do C. Civil).
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- Daqui resultando que a atribuição das prestações por morte dependia (antes da entrada em vigor da Lei 135/99) de sentença judicial que reconhecesse o direito a alimentos da herança ao requerente (art° 3o n°1 Dec. Reg 1/94 de 18 de Janeiro); do reconhecimento judicial da qualidade de titular das prestações por morte, no caso de não ter sentença que lhe reconheça o direito a alimentos por falta ou insuficiência de bens da herança (art° 3 n° 2).
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- Isto é, obtida sentença judicial que reconheça o direito a alimentos da herança, preenchidos estão todos os requisitos para atribuição da pensão de sobrevivência pois os elementos constitutivos desta são os pressupostos daquele, provado por sentença judicial o direito a alimentos da herança, provado está o direito à pensão de sobrevivência.
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- Se não for reconhecido tal direito a alimentos da herança com fundamento na inexistência ou insuficiência de bens da herança (o que pressupõe a verificação dos restantes requisitos do direito a alimentos da herança) o requerente terá de obter sentença em acção declarativa instaurada contra a instituição da segurança social, em que se reconheça a sua qualidade de titular daquelas prestações.
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- Ou seja, também na situação prevista no n° 2 do art° 3, será necessário alegar e provar: a) que o "de cujus" era pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens (art° 2o do D. Reg. 1/94 e n° 1 do art° 2020° do C. Civil); b) factos demonstrativos ou integradores do conceito união de facto há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges (art° 2020° C. Civil); c) factos demonstrativos da inexistência ou insuficiência de bens da herança (art° 3o n° 2 do Dec. Regulamentar 1/94); d) factos demonstrativos de não poder obter alimentos nos termos das alíneas a) a d) do art° 2009°; e) factos demonstrativos da necessidade de alimentos e da impossibilidade de ela prover à sua subsistência (sublinhado nosso).
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- Do exposto se conclui que para a atribuição da pensão de sobrevivência é condição essencial e necessária a obtenção de sentença judicial onde se reconheçam e verifiquem todos aqueles pressupostos.
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- Ora no caso sub Júdice, o Mmº Juiz do Tribunal da 1a instância, diz na sua douta sentença: "No tocante à necessidade da acção judicial, substituiu-se o regime antecedente pela suficiência de qualquer meio de prova (...).
Segue-se portanto que “a presente acção, indispensável face à legislação que à data da sua instauração regia a obtenção das referidas prestações por morte, é agora desnecessária e inútil uma vez que a prova da união de facto terá de ser feita por outro meio e que não é mais necessário demonstrar a necessidade de alimentos e a impossibilidade de os obter de determinadas pessoas”.
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- E prossegue o Mmº Juiz "a quo": "Refira-se para finalizar que este novo regime jurídico se aplica imediatamente à situação da autora nos termos do disposto no art.° 12°, n.° 2, parte final do Código Civil uma vez que a Lei 23/2010, de 30 de Agosto, não consagra solução diversa - o artigo 6° da lei respeita somente aos preceitos com repercussão orçamental: alínea d) do n.° 1 do artigo 3.°.
Pelo exposto, julgo extinta a instância por inutilidade superveniente da lide." 15ª - Ora, face a tal conclusão obtida pelo Tribunal da 1a Instância e que acabámos de transcrever, salvo douto e melhor entendimento em contrário, não se compreende o doutamente decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
16ª - Se existia divergência na jurisprudência em relação aos requisitos essenciais a provar nestas acções intentadas contra a Segurança Social, hoje, vai sendo pacífica a orientação jurisprudencial que se vem impondo, nomeadamente, aquela que resulta do Plenário do Tribunal Constitucional, que proferiu o Acórdão n° 614/2005, de 09/11/2005, no qual, maioritariamente, se entendeu ser de manter a orientação seguida no Acórdão n° 159/2005, de 29/05, bem como dos Acórdãos n° 195/2003, de 09/04 e n° 233/2005, de 05/04, ou seja, não considerar, discriminatório ou desproporcional exigir à companheira sobreviva, para além da convivência em condições análogas à dos cônjuges por mais de dois anos, o reconhecimento judicial do direito a receber alimentos, nos moldes previstos pelo art° 2020° do C. Civil, por remissão efectuada para os aludidos artigo 8o do DL n° 322/90, de 28/10 e artigo 3o do Dec. Regulamentar n°...
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