Acórdão nº 451/18.4T8ELV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelTOMÉ RAMIÃO
Data da Resolução10 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam no Tribunal da Relação de Évora I- Relatório: BB, com sinais nos autos, propôs a presente ação declarativa contra o Município de Elvas, pedindo a condenação do Réu: a) A reconhecer que o contrato de arrendamento rural, respeitante a 40,9410ha da Herdade de …, no qual são partes a A. e R., se mantém em vigor e terminará em 31.12.2024; b) A pagar ao Autor a quantia total de €14.714,04 referente à indemnização nos termos do art.º 19.º nºs 10 e 11 do DL nº 294/2009 de 13.10; c) A reconhecer a nulidade da cláusula contratual em função da qual o A. ficou obrigado a suportar a taxa de solos devida pela área arrendada 40,9410ha) e, consequentemente, ser a Ré condenada reembolsar o A. da quantia de €23.339,48 referente à mencionada taxa de solos que suportou e que é devida pelo R. Município, cujo pagamento foi realizado pelo A. em cumprimento da cláusula que no contrato transferiu esta obrigação para o A., mas corresponde a cláusula contratual nula, por força das disposições do Regime do Arrendamento Rural.

Alegou, em suma, que celebrou com o Réu Município, em 17.06.1988, um contrato de arrendamento rural, pelo prazo de seis anos, tendo por objeto 40,941 hectares do prédio rústico, propriedade do R. Município, denominado Herdade de …. Em 26 de Janeiro de 1995, foi celebrada entre as partes uma alteração ao mencionado contrato, onde para além da sua extensão, previu-se que ficaria a cargo do arrendatário, a partir de 95.01.01, o pagamento da taxa de solos devida pela Câmara Municipal de Elvas à Associação de Regantes do Caia e correspondente à área arrendada, pelo que desde então vem pagando as taxas em causa.

Por outro lado, o R. comunicou ao A. a pretensão de findar o contrato com efeitos a 31.12.2021, comunicação contra a qual se opõe na medida em que a vigência, por força de lei, será até 31 de Dezembro de 2024.

O Réu contestou, invocando a ilegitimidade ativa do Autor, atenta a ausência da sua esposa na presente ação e, no que à causa de pedir diz respeito, sustenta que o Autor tem razão quanto à data da cessação do contrato, cujos efeitos da denúncia validamente efetuada, se deverão reportar a 31.12.2024. No que concerne à indemnização pela antiguidade, deverá aquela ser contabilizada enquanto valor da renda que vigorou em cada um dos anos do contrato e não o valor da última renda.

Quanto à nulidade da cláusula do contrato a Ré sustentou que nada obsta a que havendo acordo, a mencionada taxa seja paga pelo arrendatário, porquanto a mesma é uma taxa de exploração, destinada a cobrir os custos de gestão e exploração da obra do Caia, sendo devida pelos regantes beneficiários e utentes precários. Em qualquer caso, ao senhorio apenas é liquidada na proporção de 2/5 da taxa, sendo o remanescente cobrado diretamente ao arrendatário.

E formulou pedido reconvencional, pedindo que os efeitos da denúncia do aludido arrendamento ocorra em 31/12/2024, com obrigação do Autor de restituir o prédio arrendado até ao fim do ano agrícola em curso à data da cessação do contrato, isto é, até 31/10/2025.

Replicou o Autor, reafirmando os fundamentos invocados na petição.

Na pendência da causa, o Réu vendeu à Sociedade CC, Lda.

, o prédio misto denominado “Herdade de …”, prédio de que faz parte a parcela de terreno objeto do arrendamento a que se referem os autos, tendo o adquirente sido devidamente habilitado no incidente apenso para ocupar, na ação, o lugar do Réu Município.

Teve lugar a audiência prévia, no decurso da qual as partes transigiram parcialmente sobre os pedidos, acordado que a cessação do contrato ocorrerá em 31/12/2024, com entrega do prédio no dia 31/10/2025 e a Ré habilitada, reconheceu-se devedora à Autora, na data de entrega da área arrendada, da quantia de €14.714,04 (catorze mil setecentos e catorze euros e quatro cêntimos), correspondente à indemnização nos termos do artigo 19.º n.º 11 do Decreto-Lei 294/2009 de 13/10, assim findando a discussão quanto aos dois (2) primeiros pedidos e, bem assim, quanto à questão reconvencional.

Foi homologado por sentença a mencionada transação.

E foi proferido saneador-sentença relativamente ao terceiro pedido (nulidade da cláusula contratual), julgando, nesta parte, improcedente a ação e consequente absolvição da Ré do pedido.

Desta sentença veio o Autor interpor o presente recurso, apresentando alegações e terminando com as seguintes conclusões: 1 - A Obra do Perímetro de Rega do Caia cujos custos foram ao tempo, suportados pelo Estado Português, impôs obrigações de manutenção e conservação para os proprietários das áreas rústicas por ela abrangidas que se traduzem em termos diretos e imediatos na obrigação de pagamento de taxas de solos, cujos valores, nos termos do Art.º 66.º, n.º 1, do Dec. Lei 86/2002 de 06 de Abril, devem ser pagos pelos seus proprietários e usufrutuários.

2 - A taxa de solos é a contrapartida devida pelos proprietários e usufrutuários das terras abrangidas por obras de Fomento Hidroagrícolas e pela sua transformação de terrenos de sequeiro em terrenos suscetíveis de serem aproveitados com culturas de regadio, de acordo com o regime jurídico das obras de aproveitamento hidroagrícola aprovado pelo Dec. Lei Nº 269/82 de 10.07 na redação introduzida pelo Dec. Lei Nº 86/2002 de 06 de Abril, tal como previsto no seu Artº 66 Nº 1.

3 - A taxa de solos, ora em discussão, é a contrapartida devida pelo R. senhorio, ora recorrido, à Associação de Beneficiários do Caia, por ser proprietário da Herdade de … situada no Perímetro de Rega do Caia em virtude da sua transformação de terrenos rústicos de sequeiro em terrenos rústicos suscetíveis de serem aproveitados com culturas de regadio.

4 – Por força do disposto no Artº 8 alínea a) do Dec. Lei Nº 294/2009 de 13.10 são nulas, entre outras, as cláusulas através das quais o senhorio transfira para o arrendatário o pagamento de impostos ou taxas devidas pelos imoveis arrendados.

5 - A obrigação do pagamento de taxa de solos é um dever inerente a condição de proprietário ou usufrutuário de prédios rústicos situados em zonas beneficiadas com obra hidroagrícola, como é o caso da Herdade de … situada na zona da Obra do Perímetro de Rega do Caia, pelo que nos termos dos Artºs 66 Nº 1 do Dec. Lei Nº 86/2002 de 06 de Abril e Artº 8 alínea a) do Dec. Lei Nº 294/2009 de 13.10, sempre será nula a clausula contratual através da qual, em contrato de arrendamento rural, o senhorio/proprietário (O R.) transfere a obrigação do seu pagamento para o A. recorrente ali rendeiro rural.

6 – A cláusula contratual introduzida no contrato de arrendamento, “sub judice”, da área rustica da Herdade de … de que o A. recorrente é rendeiro rural, através da qual o R. senhorio, ora recorrido, transferiu para o A. rendeiro a obrigação de pagamento da taxa de solos devida à Associação de Regantes do Caia, por tal área rustica, é por força do disposto nos mencionados diplomas nula pelo que deverá este Tribunal Superior declarar a sua nulidade com todas as consequências legais (Artº 286, 289 e 292 do C. Civil).

7 – Deverá este Tribunal Superior, por força das invocadas regras e legislação (Código Civil, Regime Jurídico das Obras de Fomento Hidroagrícolas e Lei do Arrendamento Rural) declarar que a cláusula 4ª constante do contrato de arrendamento rural, através da qual o R. senhorio/proprietário transferiu para o A. rendeiro a obrigação de pagamento da taxa de solos de 1ª, 2ª e 3ª é nula (Artº 66 do Dec. Lei 86/2002 de 06 de Abril e Artº 8 do Dec. Lei 294/2009) pelo que deverá a invocada nulidade ser declarada com todas as consequências legais (Artº 286, 289 e 292 do C. Civil) nomeadamente com a obrigação de o R. senhorio reembolsar aos Autores todos os valores pagos, por estes, a tal título à Associação de Beneficiários do Caia, cujo valor ascende à quantia de 21.828,47 euros incluídos os 825,01 Euros do ano de 2018 também pago pelo A. marido, cujo valor foi confirmado pela informação prestada nos autos, por escrito, pela Associação de Beneficiários do Caia entrada em Juízo em 17.01.2019, 25.01.2019 e 19.02.2019, na sequência da sua solicitação pelo próprio Tribunal recorrido por despacho de 13.12.2018.

Em qualquer caso, 8 - Tendo admitido o R. recorrido sob o Artº 39 da sua contestação ser seu dever pagar, pelo menos, 2/5 do valor da taxa de solos, sempre o R. senhorio e proprietário deverá ser compelido a reembolsar ao A. recorrente o respetivo valor, na devida proporção de 2/5, do montante da taxa de solos paga pelo A. à Associação de Regantes do Caia (21.828,47/5 x 2) equivalente a 8.731,39 Euros.

Nestes termos e nos demais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a sentença recorrida na parte objeto do presente recurso (Nulidade da clausula contratual referente ao pagamento da taxas de solo), decidindo-se em conformidade com as conclusões atrás enunciadas.

***A Ré contra-alegou, defendendo a bondade e manutenção da decisão recorrida.

***O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

***II – Âmbito do Recurso.

Perante o teor das conclusões formuladas pelo recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil -, constata-se que a única questão a decidir consiste em saber se é nula a cláusula contratual em que as partes acordaram ser da responsabilidade do rendeiro a obrigação de pagamento da taxa de solos devidas à Associação de Regantes do Caia.

*** III – Fundamentação fáctico-jurídica.

  1. Matéria de facto.

    A matéria de facto a considerar...

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