Acórdão nº 3820/07.1TVI.SB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelGREGÓRIO SILVA JESUS
Data da Resolução05 de Maio de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Recurso de Revista nº 3820/07.1TVLSB.L2.S1[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO AA (Portuguesa), Lda., com sede na Avª. …, …, Lisboa, intentou acção declarativa, sob a forma ordinária, contra BB, residente na Avª ..., nº …, …º Dto, Lisboa, e, após a apresentação de nova petição inicial, ainda CC e marido DD, e EE, igualmente residentes no nº … da Avª ..., respectivamente, … e …., pedindo, a final, que: a) seja decretado o despejo das rés, ordenando-se a desocupação imediata dos locados e a sua entrega à autora, podendo estas optar pela reocupação em nova fracção do edifício a construir ou por indemnização; b) durante o período de realização das obras de demolição e construção do novo edifício, os contratos de arrendamento devem ser suspensos, podendo as rés optar entre o realojamento ou indemnização; c) sejam as rés condenadas a pagar à autora a indemnização que se mostrar suficiente para esta recuperar a remuneração financeira do investimento realizado pela aquisição do imóvel que deixou de auferir, bem como recuperar o não recebimento da mais-valia desse investimento, mediante a venda das fracções constituendas, reparar as despesas entretanto liquidadas e a remuneração bruta que deixou de auferir por ter afectado fundos próprios para fazer face a tais despesas, pagar as despesas a que haja lugar, por via de renovação de licenças camarárias ou a sua re-emissão e com previsível alteração aos projectos aprovados em virtude da depreciação gradual do estado do imóvel, e ainda os danos patrimoniais porventura causados a terceiros por esse mau estado de conservação do prédio, relegando-se a sua liquidação para momento ulterior.

Para tanto, alega, em síntese, que é proprietária do imóvel que identifica e as rés suas arrendatárias, que adquiriu esse imóvel já em mau estado de conservação constituindo um eminente perigo para a segurança de pessoas e bens, pelo que desencadeou um projecto de demolição e construção de um novo edifício e encetou negociações com as rés para a suspensão temporária ou revogação dos contratos de arrendamento.

As negociações não tiveram sucesso, as rés pretendem indemnizações irrazoáveis, sabem que o projecto de construção/arquitectura se encontra aprovado, a sua permanência nos locados inviabiliza o início das obras, o que lhe acarreta prejuízos.

O prédio ameaça ruir parcialmente, não é técnica nem financeiramente viável a sua recuperação, a autora já tem a indicação dos andares destinados às rés no novo edifício a construir, e de outros imóveis para o seu realojamento para o caso de não optarem por aqueles ou por indemnização.

Regularmente citadas, as rés contestaram impugnando os factos alegados pela autora, mas só a ré BB deduziu reconvenção pedindo que:

  1. Seja a autora condenada a abster-se de quaisquer actos que, directa ou indirectamente, perturbem ou ofendam a fruição e habitabilidade do 3.º Dto, arrendado à ré; b) seja a autora condenada a manter e a proceder a todas as obras necessárias para reposição e manutenção das condições de habitabilidade do prédio, sendo ainda condenada a proceder de imediato às obras de reparação da conduta geral do gás, para ser reposto de imediato o respectivo fornecimento; c) seja a autora condenada a não poder dar início a quaisquer obras de demolição do prédio e/ou transformação deste sem que estejam previamente salvaguardadas as relações locatícias, nomeadamente com a ré; d) seja a autora condenada a indemnizar a ré pela quantia de 25.000,00€, correspondente aos danos materiais sofridos e, bem assim, pelos danos morais e patrimoniais que se verificarem no futuro, a liquidar em execução de sentença.

    Mais requereu a condenação da autora em multa e indemnização por litigância de má-fé.

    A autora replicou.

    Seguiu-se um infindável número de vicissitudes processuais, que ora não importam, até que foi proferida decisão que, tendo em conta que a base jurídica da pretensão da autora assentava no disposto no art. 1.º, al. c), da Lei nº 2088 de 3/07/57, com a redacção dada pelo DL nº 329-B/2000 de 22/12, perante a revogação da decisão que aprovara o projecto de arquitectura e o desaparecimento do processo físico do licenciamento camarário da obra, julgou extinta a instância, por impossibilidade superveniente, no que concerne aos pedidos formulados pela autora e aos pedidos reconvencionais constantes das alíneas a), c) e d) (neste caso, quanto à indemnização por benfeitorias), mais considerando não se verificar litigância de má-fé por banda da autora.

    Na sequência do assim decidido, foi determinado o prosseguimento do processo para apreciação em exclusivo dos pedidos reconvencionais formulados nas alíneas b) e d) (neste caso com exclusão das benfeitorias), e procedeu-se à sua condensação.

    A autora agravou da decisão que julgou extinta a instância por impossibilidade superveniente. A Relação de Lisboa, conhecendo de 6 agravos interpostos pela ré CC e 1 da autora, por unanimidade, no Acórdão de 17/11/11, julgou-os improcedentes (fls. 1274 a 1294).

    Finalmente, decorridos cerca de 5 anos, realizou-se a audiência de discussão e julgamento. Após a prolação da decisão da matéria de facto, isenta de reclamações, foi proferida sentença que julgou a reconvenção parcialmente procedente, condenando a autora a: “I - proceder a todas as obras necessárias para reposição e manutenção das condições de habitabilidade da fracção arrendada e das partes comuns do prédio na medida em que a segurança e salubridade das mesmas se repercuta na fruição da fracção arrendada, o que implica nomeadamente a condenação da Autora/Reconvinda a:

  2. Limpar e manter limpo o quintal traseiro; b) Fechar as janelas dos andares vagos e das trapeiras e mantê-las fechadas; c) Substituir os vidros quebrados das janelas; d) Reparar a caixa de correio correspondente à fracção arrendada à Ré; e) Limpar e manter limpos os andares vagos de modo a evitar o aparecimento de insectos; f) Limpar e manter limpo o ralo de escoamento das águas pluviais do logradouro; g) Substituir os pisos feitos em madeira sob e sobre o andar arrendado à Ré por piso novo; h) Reparar o pavimento das varandas do andar arrendado à Ré e andares que estão por cima do mesmo e respectivas corrosões; i) Reparar as fissuras internas e externas do andar arrendado à Ré; j) Substituir as escadas de acesso ao andar arrendado à Ré e reparar as paredes dessas escadas; k) Corrigir os desníveis nas aduelas das portas do andar arrendado à Ré; 1) Proceder a reparação do telhado de modo a que o mesmo cumpra a sua função com total estanquicidade; m) Repor em funcionamento e em condições de segurança a coluna do gás de modo a fornecer a Ré; II - pagar à Ré as quantias de € 750 a titulo de danos patrimoniais e € 4.000 a título de danos não patrimoniais.” (fls. 1413 a 1420).

    Inconformada, apelou a autora. A Relação de Lisboa, por unanimidade, em novo acórdão de 14/10/14, não obstante alterar a decisão da matéria de facto no referente à resposta dada ao quesito 4.º que passou a “não provado”, decidiu julgar a apelação improcedente, mantendo a sentença recorrida (fls. 1624 a 1649).

    Mostrando-se irresignada, a autora pede revista. Das alegações que apresenta tira as seguintes conclusões (sic):

    1. Na presente data, a manutenção da obrigação que impede sobre a Recorrente de proceder às obras exigidas pela Autora e pelas quais foi condenada, é manifestamente inexequível e inexigível, face á aprovação do projecto de arquitectura …, por parte da Câmara Municipal de Lisboa em 13 de Fevereiro de 2014; B) Efectivamente, na sequência da aprovação do referido projecto de arquitectura, a ora Recorrente veio procedeu á assinatura de um acordo de revogação do contrato de arrendamento com a arrendatária EE, no âmbito da qual, a mesma irá proceder á entrega da fracção locada até ao próximo dia 30 de Novembro de 2014, mediante o pagamento da importância de € 50.000,00 a título de compensação pelas benfeitorias realizadas na fracção ao longo dos anos; C) No que concerne às restantes arrendatárias do imóvel, a ora Ré, BB e CC, a ora Recorrente por cartas registadas com a/r datadas de 23 de Outubro de 2014, procedeu á denúncia dos contratos de arrendamentos nos termos e ao abrigo do disposto na alínea b) do art 1101° e 1103° do CC, tendo as mesmas vindo a optar pelo realojamento em condições análogas às vigentes, recusando, contudo, a actualização dos valores das rendas actualmente vigente, em face das certidões comprovativos do RABC remetidas á senhoria; D) Sendo assim, tendo em consideração o teor dos documentos ora anexos ás presentes alegações, não restam dúvidas de que, as obras previstas na sentença e confirmadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa, são manifestamente inexigíveis e inexequíveis, devendo, inclusivamente a instância ser julgada extinta por inutilidade superveniente da lide; E) A junção dos presentes documentos supervenientes é requerida nos termos e ao abrigo do disposto no art. 680º do CPC, dado que, os mesmos foram aprovados e emitidos após a apresentação das alegações em sede de recurso - 13/12/12 - e após se ter iniciado na Relação a fase de julgamento - 12/12/2013 - encontrando-se, por conseguinte, tal junção justificada nos termos e ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 423º e 425º do CPC; F) Caso assim não se entenda, sempre estaríamos perante uma verdadeira situação de abuso de direito, na vertente do "exercício danoso inútil", cfr. se pode extrair pela fundamentação "a contrario" do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o qual veio mencionar que: "admitimos que, perspectivando a eventual e futura demolição do prédio, se pudesse conceber mais uma das formas que o abuso de direito pode revestir, a saber "o exercício danoso inútil" (Menezes Cordeiro, obra citada: 265)".

    2. Efectivamente, um dos possíveis casos de abuso de direito verifica-se quando ocorre um desequilíbrio no exercício jurídico, tendo este lugar nas situações de exercício danoso inútil, na exigência de algo que terá de ser restituído de...

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