Acórdão nº 674/99 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Dezembro de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Luís Nunes de Almeida
Data da Resolução15 de Dezembro de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 674/99

Proc. nº 24/97

  1. Secção

Relator: Cons.º Luís Nunes de Almeida

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - RELATÓRIO

A. O acórdão condenatório

1. F..., J..., JC... e outros foram acusados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e vieram posteriormente a ser julgados em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, no 2º Juízo Criminal de Lisboa.

Por acórdão de 17 de Janeiro de 1994, foram condenados:

o o réu F..., pela prática de um crime de burla agravada, de um crime de participação económica em negócio e de um crime de prevaricação, na pena única de sete anos de prisão, à qual foi perdoado um ano;

o os réus J... e JC..., pela prática, cada um, de um crime de burla agravada, nas penas, respectivamente, de quatro anos de prisão, à qual foi perdoado um ano, e de dois anos e seis meses de prisão, com suspensão da respectiva execução pelo período de três anos.

A propósito do crime de burla agravada, procedeu o acórdão condenatório à seguinte sintetização dos factos provados:

Em síntese cabe rememorar ter-se aqui dado como provado ter a então Sr.ª Ministra da Saúde incumbido a PA, Lda, na pessoa do arguido F..., de realizar as campanhas informativas sobre o Centro das Taipas, Centro das Taipas – serviço de urgência 115 e HSFX, com urgência.

Contando com esta urgência, com a confiança que a Sr.ª Ministra nele depositava e com a circunstância de saber que não vinha existindo, por parte do Estado, qualquer controle relativamente aos negócios em que intervinha como Director da PA, Lda decidiu-se o arguido a realizar as campanhas e a apoderar-se de avultada quantia em dinheiro.

Comunicou este propósito ao arguido J..., que o aceitou, e ambos decidiram executá-lo servindo-se de pessoas da confiança deste último, o qual para o efeito contactou os arguidos JC... e AC.... Estes vieram a aceitar os propósitos daqueles.

Na execução daqueles propósitos constituíram uma empresa em nome individual do arguido JC..., a Planimagem, que funcionou em termos formais como a entidade a quem a PA, Lda adjudicou os trabalhos.

As campanhas foram realizadas, mas não nos termos propostos pela PA, Lda ao Ministério da Saúde, pois nunca foi propósito dos arguidos a sua realização nesses termos.

Desse modo, nunca os arguidos solicitaram a produção nem marcaram a distribuição dos dois filmes institucionais, que incluíram nas propostas.

Por outro lado, os arguidos sabiam que nos termos das propostas apresentadas pela PA, Lda ao Ministério da Saúde, a remuneração desta pela realização dos seus serviços era uma percentagem de 15%, designada de comissão de agência, a incidir sobre o valor real dos trabalhos de produção e distribuição das campanhas.

Porém, os arguidos naquelas propostas não indicaram o valor real dos trabalhos de produção e distribuição das campanhas, antes indicaram valores muito superiores, o que fez aumentar também o valor da comissão de agência, de forma indevida.

Obtiveram os arguidos do Ministério da Saúde, através da PA, Lda, os pagamentos antecipados das campanhas publicitárias. Estes pagamentos foram autorizados pela Sr.ª Ministra, na convicção de que havia intenção séria de realizar todos os trabalhos e que os custos apresentados nas propostas para a produção e distribuição eram os custos reais.

Por este modo, indicação de custos superiores aos reais e apresentação de serviços que nunca foi seu propósito realizar, vieram os arguidos F..., J..., JC... e AC... a apoderar-se da quantia de 56 738 144$40, que repartiram entre si, em prejuízo do Estado.

B. Os recursos para o STJ

2. Inconformados, os arguidos interpuseram recurso dessa decisão para o Supremo Tribunal de Justiça.

Com estes recursos da decisão condenatória da primeira instância, subiram também outros cinco recursos, interpostos de diversos despachos interlocutórios, entre os quais um – em que era recorrente o arguido JC... – interposto dos despachos que ordenaram a junção aos autos de vários documentos vindos do DIAP, bem como dos que, posteriormente, determinaram a respectiva manutenção nos autos.

a. Recurso de F...

3. Na respectiva motivação de recurso, o recorrente F... entendeu, antes de mais, que o tipo legal do crime de burla não abrangia as situações de mero aproveitamento pelo agente de erro ou engano alheio, quando este não provocou esse mesmo erro ou engano; o tipo do crime antes «exige uma conduta activa – provocada – por parte do agente», o que não se teria verificado, no seu caso.

Por outro lado, e após analisar a factualidade dada como provada pela primeira instância, concluiu que «o Acórdão recorrido veio alterar os factos constantes da pronúncia, introduzindo factos novos». Indicou, então, diversas divergências entre a pronúncia e o acórdão, salientando-se como mais relevantes as seguintes:

2. 17 – Veio o Acórdão Recorrido a dar como provado:

a) "Como remuneração pela realização destes serviços foi estipulado nas propostas, subscritas pelo arguido F..., o pagamento de uma verba, a título de comissão de agência, calculada com base numa percentagem de 15% sobre o valor efectivo ou real que o Ministério da Saúde tinha que pagar pela produção e distribuição das campanhas para o "Centro das Taipas" e Centro Taipas "(Serviço de Urgência)"; – nº 173, a folhas 50 do Acórdão recorrido -.

  1. "Essa comissão foi fixada no montante de 10.304.069$00 e corresponde à totalidade das verbas que os arguidos F..., J... e AC... sabiam ter a PA, Ld.ª direito como remuneração pelas campanhas do "Centro das Taipas" e "Centro das Taipas" (Serviço de Urgência), no caso de serem reais os preços que eram apresentados para a produção e distribuição das campanhas" – nº 174, a folhas 50 do Acórdão recorrido -.

    No entanto, o Recorrente, quanto a esta matéria, foi pronunciado nos seguintes termos:

  2. "Como remuneração pela realização destes serviços, estipularam os arguidos o pagamento de uma verba, a título de comissão de agência, calculada com base numa percentagem de 15% sobre o valor efectivo que o Ministério da Saúde teria que pagar pela realização das campanhas para o Centro das Taipas e Serviço "115" – folhas 54 da Pronúncia -.

  3. "Essa comissão foi fixada no montante de 10.304.069$00, o qual corresponde à totalidade das verbas que os arguidos entendiam ter direito como remuneração pelas campanhas do Centro das Taipas em articulação com o Serviço "115"" – folhas 54 da Pronúncia -.

    O desfazamento, contradição e alteração de sentido entre os nºs 173 e 174 do Acórdão recorrido e a Pronúncia verifica-se nos seguintes pontos:

    - Enquanto na Pronúncia foram os arguidos a estipular a comissão de agência, no Acórdão é apenas o Recorrente que, ao subscrever as Propostas, a estipula;

    - Enquanto na Pronúncia a percentagem de 15% era calculada sobre o valor efectivo que o Ministério da Saúde teria de pagar pela realização das Campanhas para o Centro das Taipas e 115, no Acórdão essa percentagem já vem calculada sobre o valor real que o Ministério tinha de pagar pela produção e distribuição das Campanhas.

    - Enquanto na Pronúncia o montante de 10.304.069$00 corresponde à totalidade das verbas que os arguidos entendiam ter direito como remuneração pelas referidas Campanhas, no Acórdão esse montante já passa a corresponder à totalidade das verbas que eles sabiam que a PA, Ld.ª tinha direito, no caso de serem REAIS os preços que eram apresentados para produção e distribuição daquelas Campanhas.

    Estamos em presença não de uma mera mudança de redacção, mas antes de uma alteração de factos, dos factos descritos na Pronúncia.

    Na verdade, mudou-se:

  4. Os Agentes – já não são os arguidos mas apenas o Recorrente a praticar os factos -.

    b) Quem os arguidos sabiam que tinha direito à comissão – deixam de ser eles próprios e passa a ser a PA, Ld.ª -.

    c) A natureza da comissão de agência – deixa de ser a remuneração da Campanha e passa a ficar limitada ao caso de serem REAIS os preços apresentados para a produção e distribuição das referidas Campanhas -.

    Uma coisa é afirmar que os Arguidos – que não estavam a negociar com o Estado – sabiam que tinham direito a 10.304.069$00 como comissão de agência pela realização das Campanhas, como refere a Pronúncia, e outra coisa, completamente diferente, é dizer que os arguidos sabiam que quem negociava com o Estado – a PA, Ld.ª - tinha direito a esse montante e apenas no caso de os custos de produção e distribuição serem reais, como refere o Acórdão recorrido.

    A primeira afirmação, a da Pronúncia, é, além do mais, inóqua pois que se os arguidos pensavam que tinham direito a alguma coisa estavam completamente enganados porquanto nenhum deles era parte em qualquer contrato.

    O Tribunal não pôs em causa a titularidade dos contratos – deu-os como provados no nº 233 a folhas 59 do Acórdão recorrido – e estes processaram-se entre a PA, Ld.ª e o Estado e entre a Planimagem e a PA, Ld.ª.

    A segunda afirmação, ou seja a do Acórdão recorrido, não é inocente pois que, através dela se vem dar como provado que os arguidos sabiam aquilo a que a PA, Ld.ª tinha direito e os limites desse direito, ou seja, que a comissão de agência só existia se os custos de produção e distribuição fossem reais.

    No primeiro caso indicia-se inocência, mas no segundo pretende dar-se como provado o dolo.

    O Acórdão apresenta, assim, factos novos e, além do mais contraditórios com o facto, também dado como provado, que o Ministério da Saúde comprou a realização das três campanhas pelo preço fixo de 103.421.338$00 – nº 202 a folhas 119 do Acórdão recorrido -.

    [...]

    2.19 – De seguida dá o Acórdão recorrido como provado que o Recorrente subscreveu e apresentou a 16/07/87 a proposta de Campanha Publicitária para o Hospital de S. Francisco Xavier elaborada com base nos elementos fornecidos pelo J..., J. Correia e AC... e endereçou-a ao SUCH – nº 178 e 179 a folhas 51 -.

    Nesta proposta o Recorrente estipulava, também, uma verba como remuneração dos serviços prestados pela PA, Ldª, equivalente a 15% "do montante dos custos efectivos ou...

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