Acórdão nº 290/05.2GBPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Junho de 2007

Data27 Junho 2007
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra.

  1. – Relatório.

    Em desavença com o despacho proferido no processo supra referido, em que foi decidido não admitir a abertura da fase processual de instrução, por haver considerado “juridicamente inexistente o requerimento para abertura de instrução do assistente A...

    ”, recorre o assistente, A..., tendo despedido a motivação com o sequente epítome conclusivo: «1- O Mº Pº proferiu despacho de arquivamento do inquérito sustentando que o local onde ocorreu o acidente “faz presumir” que a vítima é que entrou na hemi-faixa de rodagem do arguido e causou o acidente.

    2- Não ouviu nenhuma das testemunhas arroladas pelo assistente, que presenciaram os factos.

    3- Provavelmente por lapso, uma vez que tendo proferido despacho a ordenar a inquirição através da GNR, proferiu de seguida despacho de arquivamento onde não faz qualquer referência a esta diligência: nem a dá sem efeito nem manda insistir pelo seu cumprimento.

    4- O assistente requer então abertura de instrução onde argúi nulidade por insuficiência de inquérito (art. 120º/2-d) do Código de Processo Penal) e além dos actos de instrução, requer que sejam inquiridas as suas testemunhas, dado sem efeito despacho de arquivamento e pronunciado o arguido B...

    .

    5- O Juiz de Instrução Criminal indefere a arguição de nulidade por entender não existir, defendendo que o que porventura poderia existir era “uma deficiência na investigação” que seria sindicável por abertura de instrução.

    6- Contudo acaba por rejeitar também este procedimento, alegando que o requerimento: a)- “não identifica o arguido (mesmo que por remissão)”; b)- “não contém uma descrição da conduta do arguido”.

    7 – Ora, tal não corresponde à verdade, pois, no requerimento de abertura de instrução consta: a)- o nº 290105.2GBPBL, do inquérito, em caixa, no canto superior esquerdo no qual o único arguido é B...; b)- a referência expressa ao arguido nos art.s 1º, 7º, 8º, 13º, 15º, 16º, 17º, 29º, 30º, 40º, 41º, 42º; c)- o pedido do assistente para que seja “Proferido despacho que pronuncie o arguido B... pela prática dum crime de homicídio por negligência, na pessoa da C...

    , previsto e punido pelo art. 137º/1 do C. Penal”, na parte final, penúltima folha e ponto nº 3; d)- o requerimento de “audição do arguido B...”, na última folha, também ponto nº 3.

    8- Por isso, dúvida sobre quem era o arguido, também não teve: - o Tribunal “a quo” que o notificou do requerimento em causa; - o próprio arguido que em 03/11/2006 juntou aos autos resposta a essa notificação e não aponta nenhuma das alegadas falhas com que o Juiz de Instrução Criminal pretende fundamentar a recusa de abertura de instrução.

    9- Também quanto aos factos, apesar de alguns trechos conclusivos ou acessórios, algumas remissões para documentos ou outros, não parece oferecer dúvidas, até porque pressupõe dados já adquiridos no inquérito: o local e data do acidente a identificação dos intervenientes etc..

    10- Por outro lado, o requerimento de abertura de instrução “não está sujeito a formalidades especiais” – cfr. art. 287º/2 Código de Processo Penal – e no que toca às exigências da 2ª parte daquele número, elas não podem deixar de se considerar cumpridas.

    11- E, segundo o nº 3 do art. 287º do Código de Processo Penal o “Requerimento só pode ser rejeitado” em 3 situações: - “por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.” 12- E, no entender do assistente, nenhuma destas situações se verifica no caso em apreço.

    13- Rejeitando o pedido de abertura de instrução para esclarecer as dúvidas que pairam sobre os factos, seria deixar que o formalismo processual se sobrepusesse à procura, efectiva, da verdade material, como se impõe, pedindo que: - Declare a nulidade arguida pelo assistente, por insuficiência de inquérito, por omissão da inquirição das testemunhas (art. 120º/2-d) do Código de Processo Penal); - Declare aberta a fase processual de instrução e ordene a inquirição das testemunhas e os demais actos de instrução por ele requeridos».

    O arguido, em enxuta resposta, conclui que: «1. Não padece o inquérito de qualquer nulidade.

    1. Quando muito, no caso, poderíamos estar perante uma insuficiência de inquérito, sindicável por via da abertura da fase de instrução.

    2. Só que o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo Assistente/Recorrente não obedeceu ao preceituado nos n.º 2 do artigo 287º e n.º 3 do artigo 283º, ambos do C.P.P.

    3. Deste modo, violado que foi o princípio estrutura acusatória daquele requerimento, julgou bem o Tribunal a quo ao rejeitar a abertura de instrução».

    O Digno Magistrado na comarca, defende o julgado, tendo alentado resposta, em que conclui: 1ª O artigo 120º do Código de Processo Penal contém a disciplina jurídica das chamadas nulidades dependentes de arguição.

    2” Entre elas, temos a insuficiência do inquérito ou da instrução e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.

    1. Partindo daquilo que se considera ser a correcta ponderação da estrutura acusatória do processo penal, art. 32º, nº5, da Constituição, dos princípios do contraditório e da oficialidade, só se verifica esta nulidade quando ocorra ausência absoluta ou total de inquérito e/ou se omita acto que a lei prescreve como obrigatório.

    2. A falta de inquirição de três testemunhas indicadas pelo assistente, em sede de inquérito, e a prolação pelo Magistrado do Ministério Público de despacho de arquivamento, sem que as mesmas chegassem a serem ouvidas, não constitui, tal omissão, qualquer nulidade.

    3. O requerimento a requerer a abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à não acusação, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no artigo 283º, n.º 3, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal.

    4. O requerimento do assistente não logrou dar cumprimento ao disposto nos artigos 283º, n.º 3, alínea b), e 287º, n.º 1, do Código de Processo Penal, pelo que está o mesmo ferido de nulidade.

    5. A narração dos factos na acusação ou, no caso de instrução requerida pelo assistente, no requerimento para abertura da instrução, assume particular relevo, na medida em que é por tais factos que a pronúncia tem necessariamente de se pautar, pois a decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento para abertura da instrução.

    6. Não elaborou, o assistente, um requerimento claro, do qual se destaquem os factos concretos e concretamente imputados, a um concreto arguido.

    7. Em tal requerimento, o assistente mistura a sua análise critica com considerações de natureza teórica e conclusiva.

    8. Na verdade, o requerimento do assistente não configura a acusação que a legislação processual penal prevê que elabore.

    9. Mostrando-se o requerimento para abertura de instrução contrário às prescrições legais que regem a formalização deste tipo de prática processual, deve ser taxado de ilegal e, consequentemente, inadmitido por ilegalidade.

    10. Tal ilegalidade, neste caso, não é uma ilegalidade expressamente prevista e elencada, mas sim uma imanência inserta DO próprio acto, em si mesmo contrário ao arrimo sistémico do ordenamento.

    11. Pelo que, na nossa opinião, bem decidiu o M.mo Juiz de Instrução, ao rejeitar o requerimento de abertura de instrução».

    Já nesta instância, em munificente parecer, o preclaro Procurador-geral Adjunto, é de parecer que: «Conforme decorre das regras e princípios do processo penal, a instrução, como fase facultativa e sequencial do inquérito, quando requerida pelo assistente, como é o caso, só pode ser despoletada e admitida em resultado da decisão de arquivamento do Ministério Público proferida no final do inquérito e, naturalmente, como manifestação de discordância em relação aos fundamentos dessa decisão, sendo, por isso, esta também seu pressuposto necessário, desde que devidamente objectivada por forma a tornar suficientemente caracterizável a matéria sujeita aos subsequentes actos instrutórios (cfr artigos 277º, nºs 1, 2 e 3, 286º, nºs 1 e 2, e 287º, nºs 1, alínea b), 2 e 3 do Código de Processo Penal). Isto porque é na discussão do carácter controvertido da matéria apreciada no despacho de arquivamento que reside a disputa a travar no âmbito da instrução, o que implica naturalmente a necessidade de uma concretização o mais precisa possível dessa matéria, já que também é só a partir dela e com base nela que se pode e deve centrar a posição dialecticamente discordante a formular no requerimento para a abertura da instrução e assim definir o seu contraponto indiciado ou a indiciar, face às exigências formais a que esse requerimento deve obedecer.

    Com efeito, o nº 2 do artigo 287º do Código de Processo Penal, embora abdicando de formalidades especiais, impõe que o requerimento observe os critérios estabelecidos no artigo 283º 1 nº 3, alíneas b) e c) do mesmo Diploma, fazendo-o assim equiparar, em contraponto com o despacho de que diverge, a uma acusação” strito senso” e obrigando, por isso, o assistente a delimitar esse campo, em nome dos princípios enformadores do processo penal e da salvaguarda dos direitos de defesa, fazendo constar do mesmo os elementos essenciais não só para a concretização da temática sobre a qual deverá incidir ou dentro da qual se deverá movimentar o juiz de instrução, na sua tarefa de investigação e delimitação do objecto da pronúncia, se a ela houver lugar, mas também para que a defesa do arguido possa, do mesmo passo, ser cabalmente exercida. Ou seja, tal requerimento deve constituir assim, substancialmente, uma acusação alternativa que, dada a posição assumida pelo Ministério Público, vai ser sujeita a comprovação judicial. E para aparentar a estrutura de uma acusação nos Seus elementos essenciais, deverá portanto conter um...

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