Acórdão nº 456/22 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Junho de 2022

Data21 Junho 2022
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 456/2022

Processo n.º 110/2022

1.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Benedita Urbano

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

1 . No processo criminal pendente no Juízo Central Criminal de Guimarães do Tribunal Judicial de Braga, em que é arguido, e aqui recorrente, A., foi proferido acórdão, datado de 30.10.2003 e transitado em julgado em 11.11.2003, em que o arguido foi condenado na pena única de dois anos e nove meses de prisão, tendo sido liquidada a execução dessa pena de prisão por despacho datado de 28.09.2021, com o seguinte teor, no que aqui interessa:

“[…]

Em execução de MDE, o condenado foi entregue, pelas autoridades britânicas à Polícia Judiciária, e conduzido ao E.P. de Lisboa, para cumprimento da mencionada pena, em 27.05.2021 (cf. certidão a fls. 935).

Cumpre, pois, proceder à liquidação da referida pena, com observância do disposto nos artigos 61.º, 62.º, 80.º, 81.º e 82.º do Código Penal e no artigo 479.º do CPP.

Neste processo, o arguido, na sequência da sua detenção em 1.06.2003 (cf. fls. 91-91 v.º e 104-104 v.9), foi submetido à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, determinada por despacho de 2.06.2003 (cf. auto de 1º interrogatório judicial de arguido detido a fis. 95-100). Esta medida de coação manteve-se ininterruptamente, desde o dia 2.06.2003 até ao dia 14.11.2003, data em que o acórdão condenatório proferido nos autos transitou em julgado.

O condenado também esteve privado da liberdade no Reino Unido, desde 16.06.2017 até 20.06.2017, data em que foi libertado sob fiança (cf. informação a fls. 928).

Desta feita, será descontado todo este período de privação da liberdade à pena única aplicada, que se computa em 5 (cinco) meses e 18 (dezoito) dias – cf. artigos 80.º, nº 1, e 82.º do Código Penal.

Dos autos não constam elementos dos quais resulte que o condenado sofreu qualquer outra medida ou pena de privação da liberdade a relevar neste processo, não sendo considerado medida desta natureza a medida processual «fiança com condições», que lhe foi aplicada, em 17.12.2018, pelo Westminster Magistrates' Court (cf. doc. a fls. 950-952 v.9).

[…]” – negrito da signatária.

2. O arguido veio interpor recurso dessa decisão para o Tribunal da Relação de Guimarães (TRG), formulando as seguintes conclusões:

“1. O arguido/recorrente A. foi condenado, nos presentes autos, na pena única de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão (efetiva), por acórdão proferido no dia 30 de outubro de 2003, transitado em julgado no dia 11 de Novembro de 2003.

2. Entretanto, no âmbito da execução de um Mandado de Detenção Europeu, o arguido/recorrente foi entregue, pelas autoridades britânicas à Polícia Judiciária Portuguesa, no dia 27 de maio de 2021, tendo o mesmo dado entrada, em tal data, no Estabelecimento Prisional de Lisboa, para cumprimento daquela pena.

3. Face à prisão do arguido/recorrente, o Ministério Público requereu a liquidação de tal pena, nos termos da sua douta promoção constante dos autos.

4. Por douto despacho, proferido no dia 28 de Setembro de 2021, a M.ª Juíza do Tribunal a quo, homologou a promoção do Ministério Público, relativa à liquidação daquela pena Única de 2 anos e 9 meses de prisão (efetiva), em que o arguido, aqui recorrente, foi condenado nos presentes autos, tendo concluído que, aquela, apenas deveria ser descontado os períodos temporais que se passam a descriminar:

(…)

Neste processo, o arguido, na sequência da sua detenção em 1.06.2003 (cf. fls. 9191 v. e 104-104 V.), foi submetido à medida de coação de obrigação de permanência na habitação, determinada por despacho de 2.06.2003 (cf. auto de 1º interrogatório judicial de arguido detido a fls. 95-100). Esta medida de coação manteve-se ininterruptamente, desde o dia 2.06.2003 até ao dia 14.11.2003, data em que o acórdão condenatório proferido nos autos transitou em julgado.

O condenado também esteve privado da liberdade no Reino Unido, desde 16.06.2017 até 20.06.2017, data em que foi libertado sob fiança (cf. informação a fls. 928).

Desta feita, será descontado todo este período de privação da liberdade à pena única aplicada, que se computa em 5 (cinco) meses e 18 (dezoito) dias – cf. artigos 80º n.º 1e 82º do Código Penal.

Dos autos não constam elementos dos quais resulte que o condenado sofreu qualquer outra medida ou pena de privação da liberdade a relevar neste processo, não sendo considerado medida desta natureza a medida processual «fiança com condições», que lhe foi aplicada, em 17.12.2018, pelo Westminster Magistrates Court (cf. doc. a fls. 950 a 952 vº),

Assim, homologa-se o cômputo da pena efetuado pelo Ministério Público em 24.09.2021 (ref.º Citius n.º 175148213), nos seguintes termos:

- Metade da pena: 24.04.2022 (1 ano, 4 meses e 15 dias, descontados 5 meses e 18 dias).

- Dois terços da pena: 9.10.2022 (1 ano e 10 meses, descontados 5 meses e 18 dias).

- Fim da pena: 9.09.2023 (2 anos e 9 meses, descontados 5 meses e 18 dias).

Para efeitos de adaptação à liberdade condicional, nos termos do artigo 62º do Código Penal, o período máximo de antecipação da liberdade condicional fixa-se em:

- 9.10.2021 – um ano antes de atingidos os dois terços da pena.

Notifique.

D.N. ao cumprimento do disposto no artigo 477º, do CPP, como promovido.

Guimarães, 28/09/2021” – (fim de citação – sublinhados e negritos da nossa autoria).

5. Salvo o devido respeito, que é muito, por tal douto despacho, o arguido/recorrente não se conforma com o seu teor, uma vez que, no seu entendimento, no mesmo não foi tido na sua devida conta o tempo em que esteve detido, no Reino Unido, in casu, não foi devidamente contabilizado, em tal douto despacho, a medida detentiva – “condição de recolher obrigatório” – a que esteve submetido, na sua residência, quatro horas por dia, durante o período temporal compreendido entre o dia 17 de Dezembro de 2018 e o dia 27 de Maio de 2021, o que corresponde a uma detenção de 901 dias.

6. Na verdade, o arguido/recorrente, no período compreendido entre os dias 17 de Dezembro de 2018 e 27 de Maio de 2021, esteve sujeito à condição de recolher obrigatório, entre as 00:00 e as 04:00 horas, sendo que tal período de privação da liberdade de 4 horas diárias não foi tido na sua devida conta, aquando da elaboração e correspetiva homologação da liquidação da pena em que foi condenado, nos presentes autos, omissão que teve como consequência que o mesmo esteja, desde há cerca de cinco meses, ilegalmente e indevidamente preso à ordem dos presentes autos.

7. Isto é: o arguido/recorrente esteve efetivamente detido (preso), durante o referido período temporal, compreendido entre o dia 16 e o dia 20 de Julho de 2017, à ordem do mandado de extradição requerido pela Justiça Portuguesa, conforme se constata pelo teor da informação de fls. 928, dos autos.

8. Por outro lado, no dia 17 de Dezembro de 2018, o Tribunal de "Westminster Magistrates Court”, concedeu ao arguido/recorrente, a referida medida coativa denominada “Fiança de Imigração” (cfr. doc. a fls. 950 a 952 - vs), ficando assim, o mesmo, sujeito às seguintes condições coativas e de vigilância:

(…)

§ Condições:

1. Deverá permanecer dentro de casa na sua morada de residência (ou em qualquer outra morada que o tribunal lhe tenha dito para residir) “todos os dias” entre a 00:00 (meia noite) e as 4:00 da manhã.

2. A sua condição de recolher obrigatório será monitorizada de forma eletrónica. O serviço de monitorização eletrónica irá zelar pelo cumprimento da condição de recolher obrigatório. Deverá usar sempre um dispositivo de identificação eletrónico pessoal durante a vigência da presente condição de fiança. Não deverá retirar nem de forma alguma adulterar o equipamento de monitorização. Deverá permitir o acesso à equipa de monitorização para que esta conclua o processo de admissão e seguir quaisquer instruções aceitáveis-que lhe sejam dadas.

3. Deverá entregar o seu cartão de identificação expirado ao Agente de Ligação da Acusação [PLO - Prosecution Liaison Officer] no Tribunal da Magistratura de Westminster (Feito); Viajar: não deverá sair nem tentar sair de Inglaterra e País de Gales.

4. Deverá manter o seu telemóvel com o número +44 (0) 771 348 6250 ligado, totalmente carregado e consigo 24 horas por dia.

5. Deverá residir e dormir todas as noites em 10 Owlwood Drive, Little Hulton M38 OER.

6. Deverá pagar a quantia de 1.000 £ até às 16:00 do dia 18/12/2018 no tribunal.

7. Não deverá requerer documentos de viagem internacionais nem estar na posse de quaisquer” – (Fim de citação – sublinhados e negritos da nossa autoria).

9. Ora, face a tais condições, dúvidas não restam de que o arguido/recorrente, durante o período compreendido entre as 00:00 e as 04:00, esteve sujeito a uma medida coativa restritiva da sua liberdade, a qual visou garantir que o mesmo se apresentasse perante o Tribunal de "Westminster Magistrates Court”, quando para o efeito fosse convocado e que não fugisse do Reino Unido, até à sua extradição para Portugal, ao abrigo do pedido de extradição solicitado no referido Mandado de Detenção Europeu,

10. pelo que, e assim sendo, tal medida coativa deverá ser entendida e comparada a uma verdadeira prisão domiciliária, com vigilância eletrónica, nomeadamente terá de ser equiparada ao estatuído no artigo 201º, do Código de Processo Penal.

11. Atendendo a que, o arguido/recorrente, durante as referidas 4 horas, esteve absolutamente impedido na sua liberdade de movimentos, de livre circulação e de livre determinação da sua vida, pois estava expressamente proibido de se ausentar da sua residência e de fugir do Reino Unido, fosse para que efeito fosse, sendo para o efeito vigiado através de pulseira eletrónica, situação paradigmática de um verdadeiro estado de detenção.

12. Sendo certo que, fora de tal horário, o...

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