Acórdão nº 298/99 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Maio de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução12 de Maio de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 298/99

Processo n.º 199/99

  1. Secção

Relator - Paulo Mota Pinto

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    1. L..., detido em Espanha em 13 de Maio de 1997 e presente ao Estabelecimento Prisional de Lisboa no dia 22 de Setembro de 1998, requereu no Tribunal Judicial de Aveiro a sua imediata restituição à liberdade, invocando encontrar-se privado de liberdade em regime de prisão preventiva "sem que tenha sido proferida decisão instrutória há mais de 20 (vinte meses)", significando "que se encontra preso ilegalmente desde o dia 18/12/98". No respectivo requerimento, o arguido preso defendeu ainda que "conforme dispõe o artigo 217º do diploma acima citado [Código de Processo Penal] ao arguido poderá ser imposta uma outra medida de coacção não privativa da liberdade", concluindo que "independentemente de o arguido estar em excesso de prisão preventiva e como tal dever ser restituído à liberdade, não se verificam os perigos mencionados no artigo 204º do CPP, aliás, tal circunstância não impõe, de per si, a fixação da medida de coacção máxima, uma vez que, a Lei tem outros mecanismos capazes de acautelar aqueles perigos."

      Pelo despacho proferido a fls. 11 e verso dos autos foi indeferido o requerimento, escrevendo-se, como fundamentação, entre o mais, que "atento o disposto no art.º 215º, n.º 1, b) e n.º 3 do CPP, estando o arguido preso preventivamente em Portugal apenas desde o dia 22/09/98, não se encontra ultrapassado o prazo máximo de prisão preventiva previsto na aludida disposição legal". Inconformado, interpôs L... recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, em cuja motivação suscitou a inconstitucionalidade da norma do artigo 215º, n.ºs 1, 2 e 3 do Código de Processo Penal, "interpretado com o sentido de que o tempo de prisão preventiva sofrida no estrangeiro e ao abrigo de um processo de extradição, não se contabiliza para os efeitos previstos nesse preceito" (pois "esta interpretação colide com o estatuído nos artigos 13º, 14º e 28º, n.º 4 e 32º da CRP"), por um lado, e das normas dos artigos e 229º do mesmo Código de Processo Penal, "quando se entenda não aplicar o regime previsto no artigo 215º, por violação das disposições constitucionais citadas no número anterior", por outro. Terminou pedindo que, revogando-se o despacho recorrido, se substitua o mesmo por outro que contabilize a prisão por si sofrida em Espanha, para efeitos de aplicação do artigo 215º do Código de Processo Penal.

      Por Acórdão de 17 de Fevereiro de 1999, o Tribunal da Relação de Coimbra negou provimento ao recurso, nele se podendo ler, no que tange à questão de constitucionalidade, que

      "[...]a interpretação dada às normas que se citaram e nomeadamente a interpretação dos artigos 3º, 215º e 229º, do CPP, com o sentido de que o tempo de detenção (e não o de prisão preventiva) sofrido no estrangeiro e ao abrigo de um processo de extradição não se contabiliza para os efeitos previstos no referido artigo 215º, não colide com o disposto nos artigos 13º, 14º, 28º, n.º 4 e 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que, como vimos, nos termos do artigo 22º, da Convenção Europeia da Extradição, ‘a lei da Parte requerida (neste caso a lei de Espanha) é a única aplicável ao processo de extradição, bem como à detenção provisória’".

    2. De novo inconformado, interpôs L... recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional, com vista à apreciação da constitucionalidade das normas dos artigos , 215º, n.ºs 1, 2 e 3 e 229º, todos do Código de Processo Penal, por, em seu entender, ser "mister que o tempo de prisão sofrida, pelo recorrente, num processo de extradição noutro país, se contabilize para efeitos de contagem de prisão preventiva no processo que solicitou a extradição do arguido."

      O recorrente apresentou alegações junto deste Tribunal, que concluiu do seguinte modo:

      "1. O recorrente foi preso preventivamente em Espanha no dia 13 de Maio de 1997 a pedido dos presentes autos, tendo sido entregue às autoridades portuguesas no dia 22 de Setembro de 1998.

    3. Nestes momento o recorrente está preso há mais de 20 meses sem que tenha havido decisão instrutória.

    4. Do artigo 82º do Cód. Penal não se pode retirar a conclusão de que a detenção sofrida no estrangeiro apenas se imputa à pena de prisão pela qual o extraditado vier a ser condenado.

    5. Com efeito, conforme resulta claro do Capítulo II do Cód. Penal, este, apenas se refere a ‘PENAS’, sendo certo que a regulamentação do regime da prisão preventiva vem prevista no Cód. Proc. Penal, não tendo aquele Código que se pronunciar sobre esta matéria.

    6. As normas reguladoras da extradição constituem um instrumento colocado ao dispor de um outro Estado para obrigar a presença de um arguido no Estado requerente e aqui vir a ser submetido a um julgamento ou ao cumprimento de uma pena.

    7. O artigo 215º do CPP, constitui uma garantia do cidadão no sentido de não poder estar preso mais que determinado período de tempo sem que tenha conhecimento formal da acusação que sobre si impende, da decisão de um juiz sobre a pertinência da acusação ou da decisão definitiva sobre o seu caso.

    8. O regime da extradição naturalmente também visa definir o estatuto pessoal do extraditando enquanto esta situação em concreto se resolve.

    9. Tal circunstancialismo em nada colide com o previsto no artigo 215º do CPP.

    10. O cidadão que aguarda a sua extradição para o nosso país tem, também ele, o direito, constitucionalmente garantido de, dentro de determinado prazo, os previstos no artigo 215º do CPP, ver deduzida a acusação, a decisão instrutória e a decisão definitiva.

    11. A não ser assim poder-se-ia cair na aberração jurídica de um cidadão estar indefinidamente preso preventivamente num país estrangeiro sem saber qual a acusação que impende contra si e porventura com mais tempo de prisão que a pena cominada para o crime de que é suspeito.

    12. De todo o modo seja qual for o entendimento o Cód. Proc. Penal aplicar-se-ia sempre subsidiariamente ao instituto da extradição, conforme artigos 3º e 229º.

    13. De facto não existe preceito no regime da extradição que regule essas situações.

    14. Acresce ainda que o artigo 29º do D.L. 437/75 de 16/8, referindo que a detenção do extraditando não estava sujeito aos limites da prisão preventiva previstos na Lei processual comum foi intencionalmente revogado pelo Legislador, o que é bem revelador da nossa tese.

    15. Por último o Meretissimo Juiz de 1ª Instância reapreciou a prisão preventiva do recorrente enquanto este estava preso em Espanha, sendo tal circunstância a demonstração de que também o juiz do processo entendia que o recorrente estava preso preventivamente à ordem dos presentes autos.

    16. 0 artigo 215º n.º 1, 2 e 3 do CPP, foi interpretado com o sentido de que o tempo de prisão preventiva sofrida no estrangeiro e ao abrigo de um processo de extradição, não se contabiliza para os efeitos previstos nesse preceito.

      Esta interpretação colide com o estatuído nos artigos 13º, 14º, 28º, n.º 4 e 32º, n.º 1 da CRP, sendo assim inconstitucional.

    17. Aliás, também é inconstitucional a interpretação dada aos artigos 3º e 229º do CPP, quando se entenda não aplicar o regime previsto no artigo 215º, por violação das disposições constitucionais citadas no número anterior."

      O Ministério Público, contra-alegando, pugnou pela improcedência do recurso, concluindo:

      "1º

      São processos perfeitamente diferenciados e autónomos o de extradição – regido pela lei da parte requerida, segundo o direito internacional convencional em vigor – e o processo penal, instaurado contra o arguido perante a jurisdição nacional e destinado a apurar da responsabilidade criminal pelo ilícito que lhe é imputado.

      1. Os prazos de duração máxima da prisão preventiva. estabelecidos no artigo 215º do Código de Processo Penal, são prazos ordenadores do processo penal que corre perante a jurisdição nacional, sendo regido pela lei portuguesa, não podendo os mesmos ser transpostos para o âmbito de um procedimento que, pelo direito internacional convencional, é regido pela lei estrangeira.

      2. A consequente e radical heterogeneidade entre as figuras da detenção para extradição e da prisão preventiva - decorrente da autonomia dos processos de extradição e do subsequente processo penal - impede que os períodos de uma e outra se possam adicionar de modo a completar os prazos de duração máxima das medidas de coacção, estabelecidos naquele artigo 215º.

      3. Termos em que - por esta solução não violar nenhum preceito ou principio da Lei Fundamental - deverá improceder o presente recurso.".

      Cumpre apreciar e decidir.

  2. Fundamentos

    1. O presente recurso vem interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70ºda Lei do Tribunal Constitucional e tem como objecto a apreciação da constitucionalidade dos artigos , 215º e 229º do Código de Processo Penal.

      É a...

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