Acórdão nº 462/04 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Junho de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução23 de Junho de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 462/2004

Processo n.º 446/03

  1. Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres (Conselheira Maria Fernanda Palma)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

A., arguido em processo de instrução criminal pendente na Polícia Judiciária Militar, preso preventivamente, requereu ao Juiz de Instrução Criminal Militar a sua libertação, tendo invocado como um dos fundamentos o excesso do prazo de prisão preventiva, atribuindo relevância, para tanto, ao período em que esteve detido, na Polónia, entre 24 de Março de 2002 e 13 de Fevereiro de 2003, para efeitos de extradição pedida pelas autoridades portuguesas no âmbito do presente processo.

Tal pretensão foi indeferida por despacho de 14 de Abril de 2003 do Juiz de Instrução Criminal Militar, do seguinte teor:

“Não se questiona que, atenta a fase processual dos autos, os crimes em causa e a sua excepcional complexidade, já reiterada com relação a outros arguidos e que aqui se renova, o prazo de duração máxima da prisão preventiva é – ex vi artigo 368.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea a), do Código de Justiça Militar – de cento e oitenta dias.

Pensamos que no caso do arguido sub judice é também este o prazo aplicável, já que nada na lei inculca posição diversa.

Como é consabido, o Código de Processo Penal distingue entre detenção e prisão preventiva, além do mais, no sentido de que deverá levar-se em conta aquela, nos termos do artigo 80.º do Código Penal, à semelhança da obrigação de permanência na habitação e da prisão preventiva, e bem assim nos termos do artigo 82.º do Código Penal.

O arguido vem (...) referir que a detenção equivale, para todos os efeitos legais, à prisão preventiva – ex vi artigo 371.º do Código de Justiça Militar.

Sucede que o arguido foi detido no estrangeiro em 24 de Março de 2002.

Só foi entregue às autoridades portuguesas em 14 de Fevereiro de 2003 (fls. 8892).

A instrução é alheia ao tempo que mediou entre a detenção, em Varsóvia, e a dita entrega.

Se o prazo for contado a partir daquela detenção, ou mesmo da sua validação pelo magistrado judicial polaco, então o prazo expirou quando o arguido ainda estava em terras da República da Polónia.

Nesta matéria, há ainda que ter presente o disposto no artigo 13.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, o qual estatui, no seu n.º 1, que a detenção decretada no estrangeiro ou a prisão preventiva aí decretada, em consequência da extradição (cf. artigo 1.º, n.º 1, alínea a), da citada Lei), são levadas em conta no âmbito do processo português ou imputadas na pena, nos termos do Código Penal, como se a privação da liberdade tivesse ocorrido em Portugal.

Pensamos que o sentido útil de tal norma (a do artigo 371.º do CJM) não pode ser o que dela pretende extrair o arguido A..

Embora com uma diferente inserção sistemática do que é habitual, o Código de Justiça Militar apenas quis fazer equivaler a detenção à prisão preventiva, no sentido de ser aquela também atendida nos cômputos da pena, se a ela houver lugar.

Recorde-se que a captura a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 368.º do CJM (diploma de 1977, recorde-se!) ocorria por detenção.

Entendemos, pois, que o tempo de detenção, sofrido na República da Polónia, não conta para os efeitos do disposto no artigo 368.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea a), do CJM.

E que o referido prazo de 180 dias se iniciou em 14 de Fevereiro de 2003.

Assim sendo, não se considera excedido o prazo máximo de prisão preventiva nestes autos decretada ao arguido A., indeferindo-se o requerido.”

O arguido interpôs recurso deste despacho para o Supremo Tribunal Militar, terminando a respectiva motivação com a formulação das seguintes conclusões:

“1. A alegada, mas não existente, distinção levada a efeito pelo Código de Processo Penal entre a detenção e a prisão preventiva em nada releva para os presentes autos, em virtude de o Código de Justiça Militar constituir lei especial em relação ao Código de Processo Penal, pelo que aquele prevalece sobre este – artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil.

2. O artigo 371.º do Código de Justiça Militar é absolutamente inequívoco ao estabelecer uma equiparação para todos os efeitos legais entre a detenção e a prisão preventiva.

3. Tal conclusão resulta, desde logo, da interpretação do referido preceito legal conforme ao artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa.

4. O tempo decorrido com a detenção deve ser somado ao tempo da prisão preventiva, para efeitos da contagem dos limites máximos previstos no artigo 368.º do Código de Justiça Militar.

5. A detenção do arguido, aqui recorrente, ocorreu precisamente no seguimento de um pedido de extradição formulado pela autoridade judiciária portuguesa e tendo em atenção os presentes autos.

6. Sem tal pedido a detenção sofrida pelo arguido, aqui recorrente, em Varsóvia e para efeitos de extradição para Portugal não teria ocorrido.

7. Não pode o arguido sofrer as consequências do «atraso» da sua entrega às autoridades portuguesas, tanto mais que nunca se opôs à extradição, sob pena de violação dos artigos 1.º e 27.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

8. A desconsideração do tempo de detenção no estrangeiro implica uma violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado, uma vez que um arguido que fosse detido em território português veria tal tempo ser considerado para efeitos do limite máximo da prisão preventiva (ex vi artigo 371.º do Código de Justiça Militar).

9. O princípio da igualdade sanciona, desde logo, distinções arbitrárias, não materialmente fundadas, irrazoáveis ou desproporcionais, como aqui ocorreria.

10. Independentemente do «atraso» verificado no processo de extradição, facto é que tal não implicou a obstrução ou paragem das diligências de investigação e/ou instrução no âmbito dos presentes autos.

11. Nos termos do artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, para além do desconto na pena caso a mesma venha a ser posteriormente aplicável, a detenção sofrida no estrangeiro por virtude de processo de extradição deve ser relevante para efeitos das demais disposições do processo português, no caso sub judice, para efeitos de duração máxima da prisão preventiva.

12. O artigo 371.º do Código de Justiça Militar não restringe a equivalência da detenção à prisão preventiva exclusivamente para efeitos de desconto da pena posteriormente aplicável, uma vez que o desconto do tempo de detenção no cumprimento de pena encontra-se expressamente previsto no artigo 47.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.

13. É inadmissível a interpretação restritiva do artigo 371.º do Código de Justiça Militar, por violação do artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa.

14. Sendo inadmissível a interpretação extensiva de normas processuais penais de conteúdo desfavorável aos arguidos, será também inadmissível, por maioria de razão, a interpretação restritiva de normas processuais penais de conteúdo favorável aos arguidos, como é o caso do artigo 371.º do Código de Justiça Militar.

15. Ocorreu manifesto lapso do Meritíssimo Juiz a quo na determinação da norma aplicável e qualificação jurídica dos factos, em virtude de para efeitos de contagem do prazo de duração máxima de prisão preventiva, o qual, nos termos do artigo 368.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea a), do Código de Justiça Militar é de cento e oitenta (180) dias, ser de aplicar o disposto no artigo 371.º do Código de Justiça Militar e em consequência ser atendido o período de tempo de detenção ocorrido na República da Polónia.

16. O despacho recorrido violou o disposto nos artigos 363.º, n.º 1, 368.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea a), e 371.º do Código de Justiça Militar, artigos 73.º, n.º 3, e 9.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil, artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, artigo 1.º, n.º 3, do Código Penal e artigos 1.º, 13.º, 27.º, n.ºs 1, 2 e 3, 28.º, n.º 4, 29.º, n.ºs 1 e 3, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos,

Deverá ser concedido provimento ao presente recurso e em consequência reformado, ou, caso assim não se entenda, ser revogado o despacho recorrido e, em consequência, ser julgada extinta a prisão preventiva, devendo, em consequência e nos termos do artigo 217.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 363.º, n° 1, do Código de Justiça Militar, o arguido/recorrente ser posto em liberdade.”

A esse recurso foi negado provimento pelo acórdão de 15 de Maio de 2003 do Supremo Tribunal Militar, que, para tanto, desenvolveu a seguinte fundamentação:

“O objecto do presente recurso resume-se, fundamentalmente, à questão de direito de saber se a «detenção» que o réu recorrente terá sofrido no estrangeiro, no âmbito do processo da sua extradição da Polónia para Portugal, deve ou não ser tida em consideração no cômputo do tempo da prisão preventiva, com as correspondentes consequências.

Em defesa da afirmativa, o recorrente estriba-se na disposição do artigo 371.° do Código de Justiça Militar, nos termos da qual a «detenção equivale, para todos os efeitos legais, à prisão preventiva». O Senhor Juiz de Instrução Criminal Militar faz uma interpretação deste preceito contrária à do recorrente. A razão está do lado do recorrente na medida em que defende que, por força deste citado preceito, a detenção, sendo equiparada, para todos os efeitos, à prisão preventiva, deve entrar na contagem dos prazos máximos da prisão preventiva. Na verdade, quer pela sua letra quer pela sua colocação sistemática e pelo seu espírito, não pode deixar de se considerar que, por força daquele preceito, a detenção, equivalendo para todos os efeitos legais à prisão preventiva, não pode deixar de ser levada em consideração para o «efeito legal» do cômputo daqueles prazos. Tal resulta indubitavelmente confirmado pelo artigo 368.°, n.° 1, alínea a), do mesmo diploma, ao prever, como termo inicial do prazo a que se refere, a «captura». E, como salienta o recorrente, o preceito em análise...

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