Acórdão nº 489/02 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Novembro de 2002

Data26 Novembro 2002
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 489/02

Processo n.º 113/02

  1. Secção

Relator - Cons. Paulo Mota Pinto

(Cons. Guilherme da Fonseca)

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    O Ministério Público veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, "ao abrigo do disposto nos artigos 280º, n.º 1, al. a), da CRP e 70º, n.º 1 e 72º, n.ºs 1, al. a) e 3, da Lei n.º 28/82 de 15/11, com a redacção dada pela Lei n.º 85/89, de 7/9", da sentença do Mm.º Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa (3º Juízo – 2ª Secção) de 20 de Novembro de 2001. Nesta sentença julgou-se "inconstitucional a norma do art. 55º, n.º 1, al. g) do CIRS (vigente em 1997), na parte em que exige como condição de abatimento dos encargos com pensões de alimento a filhos que tal obrigação resulte de sentença judicial ou acordo judicialmente homologado, por violação do art.º 104º da Constituição e dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade", consequentemente tendo sido declarado "nulo (...) o acto de liquidação impugnado na parte em que resulta da não consideração do abatimento ao rendimento liquido dos encargos decorrentes do pagamento da pensão de alimentos".

    A sentença recorrida assentou fundamentalmente nestas considerações:

    "A exigência de que a pensão de alimentos provenha de uma obrigação judicialmente reconhecida, não podendo, como se afirmou, fundar-se no seu carácter constitutivo, só pode ter como fundamento uma maior comprovação da existência da obrigação, no sentido de evitar fraudes à lei pela criação artificiosa de obrigações de alimentos.

    Mas tal exigência não tem a virtualidade de alcançar esse objectivo. Com efeito, basta apelar à experiência comum de vida para se constatar que a intervenção judicial na homologação dos acordos de alimentos não se mostra como meio adequado a detectar situações de simulação na fixação de prestação de alimentos; antes pelo contrário, situações dessas (em que o montante dos alimentos será artificiosamente empolado) serão mais susceptíveis de homologação por se apresentarem como mais conformes com os interesses dos filhos.

    O controlo da efectiva prestação de alimentos, com a decorrente diminuição do rendimento de quem os presta, coloca-se, na realidade, no outro requisito legal (que no caso dos autos não foi minimamente posto em causa) da comprovação da sua efectiva prestação.

    Pelo exposto, o requisito do reconhecimento judicial da obrigação de alimentos afigura-se como inadequado para efectuar qualquer controlo de reconhecimento desse encargo e, portanto, sem fundamento material bastante para legitimar uma discriminação entre as pensões de alimentos judicialmente reconhecidas ou não.

    Mas se, ainda assim, subsistissem algumas hesitações na formulação de um juízo de desconformidade constitucional dessa exigência, a consideração da globalidade do sistema do imposto sobre o rendimento leva-nos a constatar que a discriminação em causa conduz a resultados manifestamente inaceitáveis face aos princípios constitucionais.

    Com efeito, o ano 11, n° 1, al. a), CIRS considera rendimentos as pensões de alimentos, independentemente do seu reconhecimento judicial ou não. Assim, da conjugação dessa norma com a do art° 55, quem aufere a pensão está sujeito a IRS sobre ela em qualquer circunstância enquanto que quem a paga só a pode deduzir se a mesma tiver sido judicialmente reconhecida; ou seja, o montante das pensões de alimentos não judicialmente reconhecidas (como é o caso dos autos) vai ser duplamente tributado, enquanto rendimento do prestador de alimentos e enquanto rendimento do alimentado. Situação essa que, manifestamente, afronta os limites constitucionais do imposto sobre o rendimento e os princípios da proporcionalidade e igualdade.

    Em conclusão, afigura-se-me que o art° 55, n° 1, al. g), CIRS (vigente em 1997) ao permitir apenas o abatimento ao rendimento líquido dos encargos com pensões de alimentos devidas a filhos reconhecidas por sentença ou homologação judicial viola o ano 104º da Constituição e os princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade, pelo que deve ver recusada a sua aplicação (art° 204 da Constituição).

    Nas suas alegações no Tribunal Constitucional, o Ministério Público defendeu a concessão de provimento ao recurso, tendo concluído assim:

    "1 – O legislador fiscal goza de uma ampla margem de discricionariedade legislativa no estabelecimento dos pressupostos que – no plano estritamente tributário – condicionam a invocabilidade de causas de abatimento ou dedução de encargos à matéria tributária, podendo legitimamente optar pela previsão de um sistema de "prova tarifada", só considerando fiscalmente relevantes as pretensões que sejam demonstradas por certa forma, considerada suficiente para garantir a seriedade e plausibilidade dos encargos patrimoniais invocados.

    2 – Tal sistema transcende o plano – puramente civilístico – da validade e eficácia dos actos ou negócios que estão na base da existência do invocado encargo do contribuinte, destinando-se as exigências de prova a prevenir as possíveis situações de fraude e evasão fiscal.

    3 – Não constitui exigência desproporcionada a que se traduz – por força da norma a que se reporta o presente recurso – em não considerar fiscalmente relevantes, como fonte de encargo dedutível em sede de IRS, os acordos informalizados sobre a prestação de alimentos a filhos maiores, impondo – como garantia de seriedade do acordo e da efectiva exigibilidade e liquidação dos montantes acordados – a homologação judicial do mesmo.

    4 – Termos em que deverá proceder o presente recurso."

    Também apresentou alegações o recorrido, A, defendendo a confirmação da sentença recorrida, com as seguintes conclusões:

    "A) – Foi judicialmente homologado o Acordo de Regulação do Exercício do Poder Paternal, no que à pensão de alimentos respeitava, entre o impugnante e a sua ex-mulher, mãe das filhas B e C, enquanto estas foram menores, ou seja, no período compreendido entre Maio e Setembro de 1996 – docs. n.°s 1 e 2;

    1. – Atingida a maioridade, o pai, porque as filhas prosseguiam a sua formação académica e careciam de alimentos, continuou a sustentá-las em função das necessidades escolares e do desenvolvimento natural delas;

    2. – Nem precisava de homologar os Acordos estabelecidos com as filhas, enquanto maiores, porque prevalecia e subsistia a situação de estudantes enquanto menores...

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