Acórdão nº 247/16 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Carlos Fernandes Cadilha
Data da Resolução04 de Maio de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 247/2016

Processo n.º 572/2015

  1. Secção

Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Por decisão de 15 de maio de 2015, proferida no processo n.º 744/2014-T, o Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), dando razão ao requerente A., recusou aplicar a norma constante das verbas 28. e 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição. Em consequência, julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pelo mesmo requerente, anulando os atos de liquidação que, tendo por base tal norma, haviam sido impugnados, com restituição das quantias pagas a esse título, acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios.

    A Administração Tributária e Aduaneira, inconformada, recorreu daquela decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional (ter-se-á devido a mero lapso de escrita a referência ao artigo 70.º, n.º 1, alínea b), desta lei, contante do requerimento de interposição do recurso), a fim de ver apreciada a inconstitucionalidade da norma a que o Tribunal a quo, a seu ver infundadamente, recusou aplicação.

    O recurso, que foi admitido pelo Tribunal recorrido, prosseguiu os seus termos, com a apresentação de alegações pela recorrente, que concluiu o seguinte:

    (A) Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Douto Tribunal Arbitral a quo, a qual considerou «não aplicar a norma da verba n.º 28 da TGIS, por infringir o princípio da igualdade consagrado na Constituição da República Portuguesa e em obediência ao disposto no seu artigo 204.º e julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação dos atos de liquidação impugnados;

    (B) Estando em pleno desacordo com o conteúdo da Decisão Recorrida, vem pelo presente a Recorrente apresentar as suas alegações, com o objetivo de que seja ordenada a reforma da Decisão Recorrida com fundamento na constitucionalidade da verba 28.1 da TGIS e que seja determinado, em consequência, a manutenção na ordem jurídica dos atos de liquidação de IS válidos, porque emitidos ao abrigo de norma legal manifestamente constitucional.

    (C) A norma cuja inconstitucionalidade foi arguida nestes autos e não aplicada pelo Tribunal a quo consta da verba 28. 1 da TGIS que foi introduzida pelo art. 4.° da Lei n.º55-A/2012, de 29.10.

    (D) Efetivamente, de acordo com a norma de incidência da verba 28.1 da TGIS, dois critérios distintivos básicos têm que se verificar para ocorrer a sujeição tributária: a qualificação do prédio em atenção à sua afetação habitacional e o seu valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00.

    (E) Segundo o Tribunal a quo esta solução normativa é desconforme com a Constituição, por violação do princípio da igualdade.

    (F) É pois esta a normativa em causa no presente Recurso e que a Recorrente reputa como constitucional por não violar qualquer parâmetro constitucional designadamente o Principio da igualdade e da capacidade contributiva, previstos nos art. 13.° e 104.° n.º 3 da CRP, bem como o princípio da proibição da dupla tributação jurídica;

    (G) O princípio da igualdade enunciado nos artigos 13.° e 104.° n.º 3 da CRP, deve operar em termos unitários.

    (H) A expressa referência à necessidade de contribuir para a igualdade entre cidadãos que consta do citado n.º3 do art. 104.° da CRP não parece envolver um particular e autónomo conteúdo jurídico do princípio da igualdade no âmbito da tributação sobre o património.

    (I) Ao princípio da igualdade associam-se três dimensões de proteção (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4 ed., Vol., 2007, p. 339): proibição do arbítrio; Proibição de discriminação; obrigação de diferenciação.

    (J) Para o caso aqui em apreço, em atenção ao teor da verba 28. 1 da TGIS, releva aqui a primeira dimensão, pela qual se postula com o princípio constitucional da igualdade que se atribua tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento diferente, na medida da diferença, para as situações de facto diferentes, o que porém, não implica a proibição de quaisquer diferenciações, mas unicamente veda aquelas que se afigurem destituídas de fundamento razoável — e daí se jogar assim a proibição do arbítrio.

    (K) Como se pode ler no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 1 97/2013 de 9.4 (o] princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária. Isto porque se o princípio da igualdade tributária pressupõe o tratamento igual de situações iguais e o tratamento desigual de situações desiguais, a capacidade contributiva é o tertium comparationis — leia-se, o critério — que há-de servir de base á comparação. Neste sentido, o princípio da capacidade contributiva opera tanto como condição ou pressuposto quanto como critério ou parâmetro da tributação (...). Opera como pressuposto ou condição visto que impede que a tributação atinja uma riqueza ou um rendimento que não existe; vale como critério ou parâmetro porque determina que a exação do património dos contribuintes se faça de acordo com a sua capacidade de gastar (ability to pay). Ou seja, contribuintes com a mesma capacidade de gastar devem pagar os mesmos impostos (igualdade horizontal), e contribuintes com diferente capacidade de gastar devem pagar impostos diferentes (igualdade vertical).»

    (L) Importa igualmente ter presente o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 187/2013, de 5.4., n.º 33 e 35 que destaca: «(s]ó podem ser censurados, com fundamento em lesão do principio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que dela resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, percetíveis ou inteligíveis, tendo os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem (...) este princípio, na sua dimensão de proibição do arbítrio, constitui um critério essencialmente negativo (...) que, não eliminando a “liberdade de conformação legislativa” — entendida como a liberdade que ao legislador pertence de “definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referencia a tratar igual ou desigualmente, compete aos tribunais não a faculdade de se substituírem ao legislador”, “ponderando a situação como se estivessem no lugar dele e impondo a sua própria ideia do que seria, no caso, a solução razoável, justa e oportuna (do que seria a solução ideal! do caso)”, mas sim a de “afastar aquelas soluções legais de todo o ponto insuscetíveis de se credenciarem racionalmente”»

    (M) Pelo que, na ponderação da aplicação in casu do princípio constitucional da igualdade, está fora de causa ao Tribunal desenvolver qualquer apreciação sobre a bondade da medida legislativa e do seu alcance, pois isso significaria apenas uma ilegítima substituição ao legislador sem qualquer outra base que não as ideias e pré-compreensões próprias e subjetivas do aplicador.

    (N) o que cumpria ao Tribunal era, numa análise de caráter negativo, «tão-somente verificar se a solução legislativa se apresenta em absoluto intolerável ou inadmissível, de uma perspetiva jurídico-constitucional, por para ela se não encontrar qualquer fundamento inteligível», controlando se se estabeleceram «distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objetiva e racional». (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 528/201 2, de 7. 1 1).

    (O) Nestes termos, segue-se pois averiguar a existência de um fundamento material para a opção normativa diferenciadora subjacente à verba 28. 1 da TGIS, portanto, da presença de um critério ponderativo racionalmente credenciável», para se poder aferir da existência ou não de uma ofensa à regra da uniformidade dos impostos, que impõe que a subordinação ao tributo tenha na base a mesma espécie de critério.

    (P) A Lei n.º55-A12012, de 20.10, teve na sua base a Proposta de Lei n.º 96/XII/2ª (vide Diário da Assembleia da República, 11 Série - A, n.º3/XII/2. De 21.9.2012, PP. 44-52). Na respetiva Exposição de Motivos, depois de referir que: A prossecução do interesse público, em face da situação económico-financeira do País, exige um esforço de consolidação que requererá, além de um permanente ativismo na redução da despesa pública, a ¡introdução de medidas fiscais isentas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental. Estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho». Declarou-se: «é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afetação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros».

    (Q) Em face destas considerações e justificações, deve-se observar que o legislador, para além evidentemente, de conceber a verba 28.1 da TGIS como medida de obtenção de receita fiscal necessária para o esforço de consolidação orçamentai previsto no Programa de Ajustamento Econômico e Financeiro (PAEF) acordado entre o Governo Português e o FMI, a Comissão Europeia e o BCE, viu nela, precisamente uma medida de igualdade, que se destinava a reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantido uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento», sendo que a igualdade na repartição dos sacrifícios visada com a verba 28.1 da TGIS pelo «esforço fiscal exigido» aos proprietários de «prédios urbanos...

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