Acórdão nº 259/02 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Junho de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução18 de Junho de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

Proc. n.º 101/02 Acórdão nº 259/02

  1. Secção

Relatora: Maria Helena Brito

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

I

  1. Por acórdão de 25 de Maio de 1999 (fls. 668 e seguintes), o Tribunal Colectivo do Círculo Judicial de Santarém absolveu os arguidos M..., F... e J..., quer da acusação da prática de crime de abuso de confiança agravado, contra eles deduzida pelo Ministério Público e acompanhada pelo assistente O ..., quer do pedido de indemnização por este formulado.

  2. Deste acórdão interpôs o assistente O ...recurso para o Tribunal da Relação de Évora (fls. 683), tendo apresentado alegações (fls. 684 e seguintes) em que descreveu a matéria de facto apurada (fls. 684 e seguintes) e o percurso dos autos (fls. 690 e seguintes) e se pronunciou sobre o enquadramento jurídico-penal dos factos (fls. 700 e seguintes) – tendo, quanto a este último aspecto, abordado a "questão do acordo para reparação e entrega do veículo" (fls. 701 e seguintes), a "questão da apropriação ilegítima" (fls. 705 e seguintes) e a "questão do valor do bem" (fls. 715 e seguintes) –, a indemnização (fls. 716 e seguintes) e a violação do artigo 377º do Código de Processo Penal pelo acórdão recorrido (fls. 722 e seguintes).

    Concluiu da seguinte forma:

    "[...]

    1 - Os autos contêm elementos probatórios suficientes, que evidenciam sem margem para dúvida razoável:

    1. que o recorrente celebrou com os arguidos F... e V... um acordo, nos termos do qual, em compensação do pagamento de honorários que lhe eram devidos pelo primeiro, os arguidos se comprometiam a colocar estofos novos e interiores em pele, a arranjar toda a estrutura de chapa e a pintar o veículo com a matricula..., propriedade dele, recorrente;

    2. que a fim de realizar-se tal conserto, o recorrente, em meados de Abril de 1992, em Lisboa, entregou o veículo aos arguidos V... e M...;

    3. que os arguidos F.. e V... se comprometeram a entregar a viatura ao recorrente no prazo de um mês;

    4. que, ultrapassado o referido prazo, os arguidos, apesar de intimados por muitas e diversas vezes, pessoal e telefonicamente, pelo recorrente para lhe entregarem o veículo, não o fizeram, sendo que o arguido V... era visto a conduzi-lo e a transportar-se nele;

    5. que nunca os arguidos F..., V... e J... comunicaram ao recorrente, às autoridades policiais ou de polícia criminal o local onde se encontrava o veículo;

    6. que só em 29 de Fevereiro de 1996 o arguido V..., após o segundo adiamento da audiência de julgamento, veio indicar aos autos o paradeiro da viatura, cuja valia, à data da entrega ao arguido, Esc. 2.500.000$00;

    7. que só naquele mês e ano o referido V... fez depositar o veículo na oficina de ..., onde veio a ser encontrado, pois que antes nem a GNR de Sintra, que se deslocou ao local, nem qualquer das outras corporações oficiadas para o efeito, aí a encontraram;

    8. que quando foi entregue ao recorrente, em 15 de Julho de 1997, a viatura apresentava mais 6.563 Km do que quando este a entregara ao arguido V...;

    9. que este arguido passou a dispor da viatura como se sua fora, com o propósito de a não restituir ao seu legítimo dono, agindo contra a vontade deste, não lhe dando o destino para que a tinha recebido, apropriando-se da sua substância e da sua função, e contando para o efeito com a cumplicidade do arguido J..., ocultando-a do recorrente, de tal modo que, oficiadas para tanto, nunca as autoridades policiais e de polícia criminal lograram encontrá-la;

    2 - neste quadro, cometeram os arguidos V..., como autor material, e J..., como cúmplice, um crime de abuso de confiança, na forma agravada, p.p. pelo artº 300°, nºs 1 e 2, do Código Penal de 1982, verificando-se, quanto ao segundo, o disposto no artº 27° do mesmo diploma legal;

    3 - dando por verificada a entrega do veículo ao arguido V..., por título não translativo de propriedade, mas não reconhecendo que este acordou com o recorrente o conserto do mesmo e se apropriou ilegitimamente da substância e da função da viatura, agindo com dolo e contra a vontade daquele, o acórdão recorrido errou notoriamente na apreciação da prova, violando, assim, o disposto no artº 374°, n° 2, do Código de Processo Penal;

    4 - assim, devem os arguidos F..., V... e J..., ser condenados, solidariamente, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 377° do CPP , 483°, 496°, 562°, 564° e 566° do Código Civil, a pagar ao recorrente uma indemnização, a título de ressarcimento dos prejuízos morais e patrimoniais que lhe causaram, no valor de Esc. 8.102.798$00, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, desde a data da sentença até integral pagamento;

    5 - mais devem os arguidos V... e J... ser condenados, solidariamente, nos termos das supracitadas disposições legais e atento o princípio da indemnização do dano de privação do uso, a pagar ao recorrente o montante de Esc. 8.108.100$00, acrescido de juros nos precisos termos acima referidos, a título de entrega do valor obtido pelo primeiro daqueles arguidos com a utilização ilícita do veículo;

    6 - mesmo seguindo pela via da irresponsabilidade criminal de todos os arguidos, como seguiu, deveria o tribunal a quo, nos termos do artº 377° do Código de Processo Penal, tê-los condenado ao pagamento das referidas indemnizações, tanto mais que dá por verificado que houve incumprimento de um contrato e danos daí resultantes.

    7 - não o tendo feito, violou o tribunal a quo o disposto no referido artº 377° do CPP;

    8 - parece, todavia, não se ter provado qualquer responsabilidade da arguida M...;

    9 - os autos contêm todos os elementos de prova necessários à boa decisão da causa, permitindo, assim, ao tribunal ad quem revogar a sentença recorrida e proferir acórdão que condene os arguidos nos termos desta conclusão.

    [...]."

    O Ministério Público respondeu (fls. 734 e seguintes), concluindo, entre o mais, que não se verificava qualquer erro notório na apreciação da prova, "sendo certo que o mesmo tem de resultar por si só do texto da decisão recorrida e ser perceptível ao homem médio, sem recurso a outros elementos eventualmente existentes no processo – art. 410º n.º 2 do C.P.P.", bem como que "não resultaram preenchidos perante a prova produzida todos os elementos típicos do crime em causa nestes autos, pelo que não poderia o tribunal colectivo deixar de absolver os arguidos, tal como fez".

    O representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Évora emitiu o parecer de fls. 756 e seguintes, no qual sustentou não existir erro notório na apreciação da prova e não terem resultado preenchidos os elementos típicos do crime em causa no que se reporta aos arguidos M... e V..., mas verificar-se, de qualquer modo, alteração não substancial dos factos descritos na acusação relativamente ao arguido J... e violação do disposto no n.º 1 do artigo 358º do Código de Processo Penal, determinantes de nulidade da sentença nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 379º do mesmo Código.

    O assistente e recorrente respondeu a este parecer (fls. 762 e seguintes), tendo, entre o mais, sustentado que os factos apurados em audiência de julgamento e referentes à conduta do arguido J... se subsumiam totalmente no quadro fáctico-jurídico traçado na acusação.

  3. Por acórdão de 5 de Junho de 2001 (fls. 800 e seguintes), o Tribunal da Relação de Évora negou provimento ao mencionado recurso interposto pelo assistente O..., mantendo integralmente o acórdão recorrido. Pode ler-se no texto do acórdão, para o que aqui releva, o seguinte:

    "[...]

    Ao longo da motivação do seu recurso, o recorrente mistura duas questões bem distintas, quais sejam o erro de julgamento na matéria de facto e o vício previsto no art. 410° nº 2 c) do Cod Proc Penal [...].

    Existe «erro de julgamento» quando o tribunal dá como «provado» certo facto relativamente ao qual não foi feita prova bastante e que, por isso, deveria ter sido considerado «não provado», ou, então, o contrário.

    E, para permitir que no recurso se impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, prevê o art. 363° a documentação das declarações prestadas oralmente na audiência.

    Diferentemente, os vícios previstos no art. 410° nº 2 têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo possível o recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações prestadas durante o inquérito, a instrução, ou até mesmo no julgamento.

    Não se trata aqui de demonstrar que o tribunal errou no julgamento da matéria de facto, para o que a lei prevê mecanismos próprios (citado art. 363°) e que é uma questão distinta da dos vícios do referido art. 410° nº 2.

    Na hipótese de pretender invocar algum destes vícios, o recorrente, sob pena de rejeição, terá de indicar nas conclusões a norma jurídica violada – art. 412° nº 2 a).

    No caso de pretender impugnar a matéria de facto, e também sob pena de rejeição, o recorrente deverá especificar, também nas conclusões, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida e as provas que devem ser renovadas – art. 412° nº 3 a) e b). E, nos termos do nº 4 do mesmo artigo, quando as provas tenham sido gravadas (como foi o caso), as especificações fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição.

    São as conclusões que definem e fixam o âmbito do recurso, nelas devendo ser enunciadas, embora de forma abreviada e concisa, todas as questões que o recorrente pretende submeter à apreciação e decisão do tribunal de recurso.

    Da análise das conclusões formuladas pelo recorrente [...] verifica-se que na 1ª conclusão o recorrente enumera os factos que deveriam ter sido considerados provados, alegando na 2ª conclusão que os arguidos V..., como autor material, e J..., como cúmplice, cometeram um crime de abuso de confiança agravado.

    O recorrente, portanto, e apesar de também dizer que houve erro notório na apreciação da prova quanto a um determinado facto provado e a um determinado facto não provado e que houve...

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