Acórdão nº 31/13.0TASJM.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 30 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução30 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 31/13.0TASJM.P1 Comarca de Aveiro Aveiro – Instância Local – Secção Criminal – J3 (Processo nº 31/13.0TASJM) Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I. RELATÓRIO

  1. DECISÃO RECORRIDA No âmbito dos presentes autos de Processo Comum (Singular) em que é arguido B… (devidamente identificado nos autos), após realização da audiência de julgamento, no dia 18.02.2016 foi proferida sentença (constante de fls. 1064 a 1074vº) onde se decidiu nos seguintes termos (transcrição parcial na parte relevante para os recursos a apreciar): “Pelo exposto, decide-se condenar B…: a) pela prática em 10.07.2009, entre 15.04.2010 e 01.06.2010 e entre 12.07.2012 e 18.12.2012 de três crimes de usurpação de funções, previstos e punidos pelo artigo 358°, al. b), do Código Penal, nas penas, respectivamente, de 3 (três), 6 (seis) e 12 (doze) meses prisão; b) procedendo ao cúmulo jurídico das três penas referidas em I -a), nos termos do artigo 77° do Código Penal, na pena unitária de 16 (dezasseis) meses de prisão, que se suspende na sua execução por igual período, ao abrigo do disposto no artigo 50° do Código Penal; c) a pagar ao Conselho Distrital C… indemnização por danos patrimoniais no valor de €500,00 (quinhentos euros), acrescida tal quantia de juros legais civis a contar da data em que foi notificado para contestar o pedido, absolvendo-o do que mais vinha peticionado, e (…)” (Recorde-se que o arguido e recorrente vinha pronunciado pela prática de um crime continuado de usurpação de funções, p. e p. pelo artigo 358º, b), do Código Penal, tendo sido dado cumprimento ao disposto no artigo 358º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, depois de o Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância ter declarado não pretender fazer uso do artigo 16º, nº 3, do Código de Processo Penal) B) RECURSOS Não se conformando com a referida sentença, dela recorreram: 1 - O arguido B… (a fls. 1078 a 1091); e 2. – O assistente e demandante Conselho Distrital C1… (a fls. 1093 a 1110).

    B.1) O arguido finaliza a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): “1° O arguido vinha acusado de um crime de usurpação de funções na forma continuada por alegadamente ter praticado actos, na qualidade de C2…, quando não o podia fazer.

    1. Não obstante a oposição do arguido e do próprio Ministério Público, o tribunal decidiu prosseguir com a alteração da qualificação jurídica dos factos imputando ao arguido, não um mas sim três crimes de usurpação de funções.

    2. Diz-nos o Acórdão da Relação de Coimbra, datado de 21/11/2012 que: “O crime continuado constitui uma excepção ao concurso de crimes. Aqui, não obstante a existência de várias condutas criminosas que, repetidamente, preenchem o mesmo tipo de ilícito ou preenchem tipos de ilícito que protegem o mesmo bem jurídico, e que por isso deveriam constituir uma pluralidade de crimes, razões de justiça e de economia processual conduziram ao seu tratamento como se de um só crime se tratasse.

      O C.

      Penal, no seu art. 30º, n° 1, prevê a figura do crime continuado desenhando-a, no entanto, e no seguimento da doutrina do Prof. Eduardo Correia (cfr. ob. cit., págs. 208 e ss.), com contornos bem mais apertados, esbatendo o tratamento mais favorável que para o agente resultaria do afastamento das regras do concurso efectivo.

      Assim, são pressupostos do crime continuado: -A existência de uma pluralidade de condutas às quais presidiu uma pluralidade de resoluções, preenchedoras do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que, fundamentalmente, protejam o mesmo bem jurídico; - A homogeneidade de execução das condutas; - A existência de uma situação exterior ao agente que, facilitando a repetição da conduta, diminui consideravelmente a sua culpa (menor exigibilidade de comportamento conforme ao direito).

      Ainda que não resulte expressamente da lei, é também pressuposto da figura a unidade do dolo, o dolo continuado isto é, a nova resolução renova a anterior, de forma que todas elas seguem uma linha uma linha psicológica continuada (cfr. Prof. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 127.” 4º Assim, e subsumindo ao caso concreto, a aplicar-se qualquer tipo de condenação - o que desde já aqui se repele veementemente - a figura do crime continuado seria a figura a aplicar e nunca poderia existir uma alteração da qualificação jurídica dos factos que se traduziu na condenação em 3 crimes idênticos.

    3. Havendo desde já aqui, e de forma clamorosa um erro grave na qualificação jurídica dos factos.

    4. O tribunal “a quo” na sentença condenatória proferida dá como provado quase toda a matéria de facto constante na acusação.

      Não pode o aqui Recorrente concordar com tal entendimento dado que, 7° Do depoimento da Dra. D… e E…, ex-funcionárias do arguido, e da Dra. F… foi possível aferir que o arguido nunca deixou transitar nenhuma decisão da Ordem C… em julgado.

    5. Razões pelas quais esses períodos - entre a decisão e o seu trânsito em julgado - deveriam estar compreendidos nos editais como períodos em que o aqui Recorrente poderia exercer, o que não sucede.

    6. Deveria o tribunal de primeira instância, salvo o devido respeito, ter credibilizado e dado como provado o depoimento das ex-funcionárias do arguido quando estas depuseram sobre a preocupação do Recorrente em pedir que estas verificassem o seu estado de actividade no portal da Ordem C…, assim como noutros portais. Assim como deveria ter sido credibilizado e dado como provado o depoimento destas ex-funcionárias quando ambas referem que o Recorrente não tinha necessidade de praticar actos quando não os podia fazer por ser o seu próprio filho também C2…, assim como o facto muito importante de o Recorrente nunca ter deixado transitar nenhuma decisão em julgado.

    7. Não havendo assim qualquer motivo ou vantagem económica para uma possível prática do crime de forma consciente.

    8. Havendo assim, no entender do aqui Recorrente, erros clamorosos na apreciação da prova na sentença condenatória.

    9. Sem prescindir do acima exposto, o Recorrente quando pratica os factos de que vem condenado está convicto de que está no pleno exercício das suas funções: o Recorrente teve vários processos disciplinares na Ordem C…, sendo que todos eles abrangem inúmeros actos processuais praticados pelo seu mandatário.

    10. Quando a um recurso ou reclamação não lhe era atribuído efeito suspensivo, o mandatário do aqui Recorrente, recorria dessa decisão quanto ao efeito atribuído até ás últimas instâncias: algo que a Ordem C… não teve em conta nem se preocupou em verificar quando elaborava e afixava os editais, que tinham efeitos retroactivos não fazendo qualquer tipo de distinção entre esses períodos.

    11. Resulta claramente que, mesmo que se entenda que o arguido não estava apto a exercer, este não tinha consciência desse facto, estando convicto que podia exercer, não actuando com dolo nem com negligência.

    12. Diz-nos Paulo Pinto de Albuquerque em “ Comentário do Código Penal á luz da Constituição da República e da Convenção europeia dos Direitos do Homem”, 2a edição actualizada, em relação ao Crime de usurpação de funções, previsto e punido pelo artigo 358° do C.P., página 930, ponto 12, o seguinte: “ O tipo subjectivo admite o dolo directo e o dolo necessário não o dolo eventual.

      (...) Se o agente está convencido que tem a qualidade que se arroga, age em erro sobre um elemento normativo do tipo, que excluí o dolo (artigo 16°! 1)” 16° Nesse mesmo sentido vai o Acordão do Tribunal da Relação do Porto, 1ª Secção, datado de 29/02/2013, referente ao processo n° 283/10.8TAOAZ.P1, que em situação concreta idêntica absolveu o Recorrente por inexistência de dolo.

    13. Devendo ter sido dado como matéria provada, em substituição dos factos provados da sentença condenatória recorrida que o arguido podia exercer nos períodos referenciados — dado nunca ter deixado transitar qualquer decisão da Ordem C…, sendo única e exclusivamente negligência por parte deste órgão não ter inserido tais períodos nos editais que agora apresenta a juízo.

    14. Mais deveria ter sido dado como provado, que não obstante o acima exposto, e a ter praticado actos próprios de profissão quando não o podia fazer, o arguido não tinha consciência da ilicitude dos mesmos.

    15. Dado que, nunca a Ordem C… se preocupou ao elaborar e afixar os editais, em estudar quais os períodos em que houve interrupção da suspensão da actividade do Recorrente devido aos efeitos suspensivos, as datas presentes nos editais apenas dizem respeito ás datas de citação da Ordem C… das providências cautelares, existindo muitos mais actos com efeitos suspensivos que foram praticados e que a Ordem C… tem conhecimento mas nunca se deu ao trabalho de averiguar com exactidão, sendo mais simples retroagir enormes períodos temporais.

    16. Pelo exposto, existe uma negligência grosseira da Ordem C… devendo por isso ter sido o Pedido de Indemnização Cível julgado improcedente na sua totalidade.

    17. Por último, deveria o tribunal de primeira instância ter considerado como provado que não existe o tipo subjectivo do crime aqui em causa dado que, conforme foi supra exposto, não existiu dolo, tendo o Recorrente praticado os actos na consciência que o podia praticar, e assim não estando preenchido o elemento subjectivo deste tipo de crime.

    18. Devendo por isso o Recorrente ter sido absolvido da acusação pública contra si formulada, assim como do pedido de indemnização cível formulado pelo assistente.

      Termos em que, nos melhores de direito e com o suprimento de Vas Ex°s, deve ser concedido provimento ao seguinte recurso, revogando-se a sentença condenatória proferida e assim absolvendo-se o arguido do crime de que vem acusado e do Pedido de Indemnização Cível formulado pelo Assistente.” B.1.1.) O Ministério Público junto tribunal de 1ª instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo provimento parcial do recurso interposto pelo arguido; alegando que a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia (quanto à forma como foram publicitadas e...

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