Acórdão nº 72/20.1JAPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução07 de Novembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO a. No …º Juízo Central Criminal de … procedeu-se a julgamento em processo comum perante tribunal coletivo de AA, nascido a …/…/1996, com os demais sinais constantes dos autos, aos quais foi imputada a autoria de: - um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto nos artigos 131.º e 132.º, § 1.º e 2.º, als. c) e e), com referência aos artigos 22.º e 23.º do Código Penal e artigo 86.º, § 3.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro (lei das armas e munições); - dois crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, previstos nos artigos 131.º e 132.º, § 1.º e 2.º, al. e), com referência aos artigos 22.º e 23.º do Código Penal e artigo 86.º, § 3.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro - e um crime de detenção de arma proibida, previsto no artigo 86.º, § 1.º, als. c) e e), com referência ao artigo 2.º, § 1.º als. p), s), ae) e ar), § 3.º, als. e) e p), e artigo 3.º, § 5.º, al. c), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro

Os assistentes deduziram pedido cível contra o arguido a título de danos não patrimoniais sofridos, dos quais vieram a desistir, estando estas desistências já homologadas

O arguido apresentou contestação escrita e arrolou testemunhas

Procedeu-se a julgamento e a final o tribunal coletivo proferiu acórdão condenatório, o qual sendo recorrido, no recurso respetivo veio a decidir-se que padecia de nulidade (artigo 379.º, § 1.º, al. a) ex vi artigo 374.º, § 2.º CPP), ordenando a baixa dos autos, reabertura de audiência e prolação de novo acórdão

No Juízo de 1.º instância veio a proferir-se novo acórdão condenatório do arguido AA, nele se decidindo: «a) operar a desqualificação do crime de homicídio qualificado para ofensa à integridade negligente, homologando-se a desistências e declarando-se extinto o procedimento criminal deduzido pelos ofendidos BB e CC contra o arguido AA (cfr. arts. 48.º, 49.º, n.º 1, 51.º, n.º 2, do CPP, e arts 116.º, n.º 2, e 148.º do Código Penal); b) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio agravado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º, 131.º, do Código Penal e art. 86.º, n.º 3 da Lei n.º 5/2006 de 23 de Fevereiro, na pena de 5 anos e 8 meses de prisão; c) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, na forma consumada, p e p pelo art. 86.º, n.º 1.º, al. e), com referência aos artigos 2.º, n.º 3, als. e) e p), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 4 meses de prisão; d) em Cúmulo jurídico, condenar o arguido AA na pena única de 5 anos e 9 meses de prisão.» b. Inconformado o arguido interpôs novo recurso para este Tribunal da Relação, rematando a respetiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «1. Perante o quadro fáctico, e resultando mais provável a negligência do que o não presumido dolo, e perante a manifestada desistência, impunha-se a absolvição do Arguido, ora Recorrente, o que se espera em sede de Recurso, que temos por merecedor de integral provimento

  1. Considerando-se que a utilização de arma constitui agravante, o que impede punição pelo mesmo tipo, não deverá haver lugar a punição pela detenção das munições da arma, a que não cabe punir

  2. Dispondo, o Arguido, de prazo para, voluntariamente, proceder à entrega da arma, ou das munições, e tendo-o feito, conforme resulta provado, nunca poderia ser condenado por detenção de arma proibida, voluntariamente apresentada

  3. Mostrando-se, o Arguido, inserido social, familiar e laboralmente, tendo confessado e contribuído para a descoberta da verdade, a não haver lugar a absolvição, tudo justificaria a atenuação da culpa, e da pena, que, não devendo ser superior ao mínimo legal, deveria ser suspensa na sua execução, como se espera em sede de Recurso, que temos por merecedor de integral provimento

  4. Todo o comportamento do Arguido, posterior aos factos, e, posteriormente, feito constar dos autos, revela desnecessário o cumprimento de pena em meio prisional, comprometedor de qualquer reabilitação, pelo que, a não se absolver, nunca qualquer pena deverá deixar de ser suspensa na sua execução, por reunidos os legais pressupostos para o efeito

  5. É contraditório considerar provada a inserção social, familiar e laboral, por um lado, e aplicar-se uma desnecessária reclusão efetiva, quando tudo impõe, se não a absolvição, a ameaça de pena, por ultrapassados e seriamente esbatidos quaisquer receios

  6. É contraditório, e contra as regras de experiência, concluir-se que, quem pretende matar, dispondo de arma com 8 munições, só realiza um único disparo, de chumbo fino, a cerca de 25 metros de distância, pelo que, sendo presumida a inocência, e restando a negligência, se impunha a absolvição

  7. Tendo, o douto Tribunal “a quo” entendido diferentemente, ultrapassou os limites da livre apreciação da prova, decidindo contra as regras de experiência, e contra a Constitucional presunção de inocência de que gozam os Arguidos, pelo que, impondo-se a absolvição, o presente Recurso merece provimento

  8. Entendendo-se diferentemente, visando a aplicação de penas a ressocialização do infrator, o Arguido nunca poderá ser condenado em pena que não seja próxima do limite mínimo, e necessariamente suspensa na sua execução, por verificados reunidos os legais pressupostos

  9. Em todo o caso, a contribuição do Arguido, para a descoberta da verdade, a sua confissão, a sua entrega voluntária da arma, e munições, a sua inserção, a inexistência de animosidades na comunidade, deverão produzir efeitos na redução da censura, cuja pena concreta, atenuada, sempre terá que ser suspensa na sua execução

  10. A aplicação de pena efetiva, no caso presente, contraria as regras de aplicação de pena, comprometendo qualquer ressocialização, possível e desejável em meio livre

    O circunstancialismos anteriormente admitido é diverso do que, presentemente, se constata, pelo que tudo justifica que, qualquer que seja a pena a aplicar, na eventualidade de se não optar pela absolvição, deverá ser suspensa na sua execução

  11. Não tendo resultado provado, ou improvado, que o Arguido fosse hábil no manuseamento de armas, resultando provado o seu desconhecimento sobre a eventual abertura do leque de chumbos, e, Constitucionalmente, se presumindo inocente, não pode considerar-se provada a intenção de matar, mas sim de, somente, assustar, com um único disparo, com chumbo fino, a cerca de 25 metros de distância, sem condições letais, como se verificou, negligente e efetivamente

  12. Releva, para além do mais, a circunstância de o Arguido, dispondo de mais munições, não as ter utilizado, e, não sendo, o dolo, presumido, restará admitir a intenção de assustar, se bem que com “gritante negligência”, pelo que justa será a absolvição

  13. Restando a dúvida, esta só pode beneficiar o Arguido, que, concretamente, perante os factos, nunca deverá cumprir qualquer reclusão, tudo impondo, a não se decidir absolver, a suspensão da execução de qualquer pena, sendo o presente Recurso merecedor de provimento

  14. Restando a negligência e a manifestada desistência de Procedimento, e tendo havido lugar à voluntária entrega da arma, e munições, dentro do prazo (até junho pf), impunha-se a absolvição, e nunca a manifestamente excessiva pena, que nunca poderia ser efetiva

  15. Importante, é que resulta dos autos, que são pacíficas as relações entre as famílias intervenientes, mostrando-se sanadas todas as divergências, e afastados quaisquer receios, designadamente por via da Declaração de Fls 1368 dos autos, apresentada em 13.MAI.2022, pelo que, se anteriormente se impunha acautelar algumas prevenções, diferente é o circunstancialismo hoje verificado, e reconhecido no douto Despacho de 08.ABR.2022, que alterou a medida de coacção, e que considera esbatidos qualquer dos perigos cautelares, tudo justificando que a pena única a aplicar deva ser substancialmente reduzida, e suspensa na sua execução, na eventualidade de o presente Recurso merecer parcial provimento

  16. Acresce que, decorridos que se mostram dois anos de privação da liberdade, teve, o Arguido, a oportunidade de interiorizar o desvalor da sua conduta, mostrando-se reabilitado para a vida em liberdade, sob a ameaça de uma pena, suspensa na sua execução, o que tem perfeito suporte na circunstância de se mostrarem esbatidos quaisquer perigos cautelares, de nunca ter incumprido a medida de obrigação de permanência na habitação, de não haver notícia de qualquer contacto, ou incidente, não havendo perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, o que confere provimento ao presente Recurso

  17. Não necessita, pois, o reabilitado ora Recorrente, hoje, mais do que anteriormente, de cumprir reclusão, comprometedora da sua ressocialização, para que a sua futura conduta corresponda ao socialmente adequado, o que será confirmado pelos Serviços de Sociais competentes que o acompanharão, assim se justificando a suspensão da execução da pena a reduzir e a aplicar, em sede do presente Recurso, que temos por merecedor de provimento

  18. Devia, pois, o douto Tribunal “a quo” ter absolvido o Arguido, inexperiente no uso de armas, porquanto não resulta inequivocamente provado que, com a realização de um único disparo de chumbo fino, a cerca de 25 metros de distância, pretendesse mais do que, negligentemente, assustar o DD, para quem não resultaram sequelas relevantes, absolvendo-o, ainda, pela detenção das arma e munições, por as ter, voluntariamente, entregue, no prazo para que legalmente dispunha, e a entender-se diferentemente, condenado o Arguido, ora Recorrente, em pena única não superior a 3 anos de prisão, suspensa na sua execução, por verificados o legais pressupostos, e não o tendo feito, punindo-se em excesso, comprometendo a reintegração do agente na sociedade, violou, o douto Tribunal “a quo”, o disposto nos artigos 40º, nºs 2 e 2, 70º, 71º nºs 1 e 2, 50º, do Código Penal, e 127º e 410º nº 2, al.s a), b) e c) do Código de Processo Penal, e Constitucional presunção de inocência – in dubio pro...

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