Acórdão nº 376/03 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Julho de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução15 de Julho de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

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Acórdão n.º 376/03 Processo n.º 3/2003 2.ª Secção

Relator: Cons. Mário Torres (Cons.ª Maria Fernanda Palma)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

  1. Relatório

    1. foi condenado, por sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Marco de Canaveses, de 30 de Novembro de 2001, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punível nos termos do artigo 24.º, n.ºs 1, 2, 5 e 6, do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro (doravante designado por RJIFNA), na pena de 17 meses de prisão, tendo sido suspensa a respectiva execução, nos termos do artigo 50.º do Código Penal, pelo período de 30 meses, com a condição de o arguido pagar à Administração Fiscal, no prazo de cinco anos, a quantia de 31 746 309$00.

    O arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, sustentando a inconstitucionalidade da norma do artigo 11.º, n.º 7, do RJIFNA, com fundamento em que ?a imposição legal da suspensão da execução da pena ser condicionada ao pagamento do imposto e legais acréscimos?, nos termos dessa norma, ?é materialmente inconstitucional, por atentar contra os princípios da proporcionalidade, da igualdade e da exigibilidade, consagrados nos artigos 18.° e 13.° da Constituição da República Portuguesa (CRP)?, pois ?o arguido nunca teve nem tem possibilidades económico-financeiras para satisfazer as prestações tributárias em causa; os serviços fiscais nunca foram capazes de cobrar o que quer que fosse, sendo lícito concluir que os débitos fiscais não se integraram no seu património; a condição imposta por lei, de pagamento da prestação tributária ou dos impostos, é manifestamente desajustada, desproporcionada e violenta, ofendendo os princípios do direito penal e o nosso sistema jurídico e a filosofia que o informa; tal condição viola o artigo 50.° do Código Penal?.

    O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 3 de Julho de 2002, negou provimento ao recurso, tendo, a propósito da questão de constitucionalidade suscitada, expendido o seguinte:

    ?B ? Dispõe o artigo 11.°, n.ºs 6 e 7, do RJIFNA (Decreto-Lei n.° 20-A/90, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 394/93, de 24 de Novembro) que:

    6 ? É admissível nos termos do Código Penal a suspensão da pena, com as particularidades constantes do n.º 7.

    7 ? A suspensão é sempre condicionada ao pagamento ao Estado, em prazo a fixar pelo juiz, nos termos do n.º 8 [autorização de pagamento da multa em prestações], do imposto e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa, sendo aplicável, em caso de falta de cumprimento do prazo, apenas o disposto nas alíneas b), c) e d) do artigo 50.° do Código Penal.

    Como já se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional, de 4 de Novembro de 1987, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 371, págs. 182 a 184:

    A suspensão da execução da pena (?condenação condicional?) foi primeiramente regulada, entre nós, pela Lei de 6 de Julho de 1983, nos seus artigos 8.° e seguintes.

    (...) A matéria foi posteriormente objecto de regulamentação no artigo 633.° do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto n.º 16 489, de 15 de Fevereiro de 1929, no Decreto-Lei n.° 29 636, de 27 de Maio de 1939 (artigos 9.° e 10.°), no artigo 88.° do Código Penal de 1886 (na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 39 688, de 5 de Junho de 1954) e, finalmente, nos artigos 48.° a 52.° do Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.° 400/82.

    Actualmente a matéria vem regulada nos artigos 50.° a 57.° do Código Penal.

    Ora, o artigo 10.° do referido Decreto-Lei n.° 29 636 veio estabelecer que ?a pena pode ser suspensa nas mesmas condições em que pode ser concedida a liberdade condicional? e, sendo uma dessas condições ? nos termos do artigo 396.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.º 26 643, de 28 de Maio de 1936 (Reforma Prisional) ? ?que (o recluso) repare o dano causado às vítimas do delito?, nunca se suscitou sequer a dúvida sobre se a respectiva norma atentaria contra o princípio da proibição da chamada ?prisão por dívidas?.

    É certo que por aplicação do artigo 398.° do citado Decreto-Lei n.º 26 643, a suspensão da execução da pena podia ser revogada se o réu não cumprisse alguma da obrigações que lhe tivessem sido impostas e, portanto, se deixasse de ?reparar o dano causado?.

    É que, nos termos do artigo 50.°, alínea d), do Código Penal de 1982 (no actual Código Penal será revogada a suspensão, além do mais, por infracção grosseira de deveres impostos), o tribunal pode revogar a suspensão da pena ?se, durante o período da suspensão, o condenado deixar de cumprir, com culpa, qualquer dos deveres impostos na sentença?, v. g., o de ?pagar, dentro de certo prazo, a indemnização devida ao lesado? (artigo 49.°, n.º 1, alínea a), 1.ª parte, do Código Penal de 1982 ? artigo 51.º, n.º 1, alínea a), 1.ª parte, do Código Penal actual).

    Nunca, porém, se poderá falar numa prisão em resultado do não pagamento de uma dívida: a causa primeira da prisão é a prática de um facto punível, sendo certo que o que é vedado é a privação da liberdade pela única razão do não cumprimento de uma obrigação contratual, o que é coisa diferente.

    Aliás, no mesmo sentido, vão os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.°s 663/98, 312/00 e 516/00, aliás também citados, a propósito, na douta resposta do Ministério Público.

    Assim sendo, a norma constante do artigo 11.°, n.° 7, do RJIFNA não viola o preceituado no artigo 13.°, da CRP, nem o disposto no seu artigo 18.°, pois não se vislumbra que a solução legal [contenha] qualquer medida discriminatória, desnecessária ou excessiva, susceptível de construir violação do artigo 18.°, n.º 2, da CRP.?

    O recorrente interpôs, deste acórdão, recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (doravante designada por LTC), visando a apreciação da inconstitucionalidade da norma do artigo 11.º, n.º 7, do RJIFNA por pretensa violação dos artigos 13.º e 18.º da Constituição.

    Neste Tribunal, o recorrente apresentou alegações, que culminam com a formulação das seguintes conclusões:

    ?? A actividade do recorrente decorre no sector agrícola e silvícola em que é prática corrente um vazio de cumprimento fiscal que a Administração Fiscal vai, por certo, tolerando, já por inoperância do seu funcionamento, já pelo agravamento que acarretaria para maior afundamento dessas mesmas actividades, já tão depauperadas;

    ? E a inoperância da máquina fiscal permite criar em certos contribuintes uma «falsa confiança» de que nada será exigido, tal o prazo que demora a agir para cobrar o que entende ser devido;

    ? No caso concreto, apesar do reconhecimento de que o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, não foi apurado o resultado concreto pessoal que daí resultou, já que a matéria de facto provada permite concluir pela sua pobreza, o que seria essencial para um melhor apuramento do dolo com que eventualmente agiu;

    ? O Estado tende a actuar repressivamente por ser incapaz de agir preventivamente e de forma atempada na cobrança dos impostos e, por isso, viola os princípios constitucionais consagrados para defesa dos cidadãos;

    ? O disposto no artigo 11.º, n.ºs 6 e 7, do RJIFNA é materialmente inconstitucional por ofensa dos princípios constitucionais da justiça, da igualdade, da proporcionalidade e da capacidade contributiva, por não permitir ao julgador decidir de acordo com o caso concreto e, consequentemente, conforme a culpa e capacidade económica do arguido;

    ? Por outro lado, os valores da liberdade e da dignidade humana sobrepõem-se, no caso em apreço, ao fim repressivo da pena, tanto mais que o Estado não é suficientemente capaz para em tempo útil prevenir e evitar situações como as dos autos; e seria tão simples instituir um regime de responsabilidade solidária entre o que recebe e o que paga o IVA;

    Violaram, pois, as aliás doutíssimas decisões, como doutíssimos são também o parecer dos Ex.mos Magistrados do Ministério Público, o disposto nos artigos 2.º, 13.º, 18.º, n.º 2, 107.º e 266.º, n.º 2, da Constituição.

    Neste termos, declarando-se materialmente inconstitucional o disposto no artigo 11.º, n.ºs 6 e 7, do RJIFNA, na sua actual redacção, e condenando-se o arguido sem a obrigação de pagamento imposta, farão, como sempre, inteira justiça.?

    O representante do Ministério Público contra-alegou, concluindo:

    ?1 ? As normas dos n.ºs 6 e 7 do artigo 11.º do RJIFNA, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 20-A/90 (na redacção do Decreto-Lei n.° 394/93, de 24 de Novembro), ao exigirem, como factor determinativo condicionador para a suspensão da execução da pena, o pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, inviabilizando uma adequada ponderação da culpa concreta do agente e da sua real situação económica e financeira, com reflexos na transformação da ameaça de prisão no seu cumprimento efectivo, colidem com os princípios constitucionais da culpa, adequação e proporcionalidade.

    2 ? Termos em que deverá proceder o presente recurso.?

    Colhidos os vistos e não tendo logrado vencimento o projecto de acórdão apresentado pela originária Relatora, procedeu-se a mudança de relator.

  2. Fundamentação

    2.1. O artigo 11.º, n.ºs 6, 7 e 8, do RJIFNA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção do Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro, tem a seguinte redacção:

    Artigo 11.º (Pena de prisão ou multa. Suspensão)

    (...)

  3. É admissível nos termos do Código Penal a suspensão da pena, com as particularidades constantes do n.º 7.

  4. A suspensão é sempre condicionada ao pagamento ao Estado, em...

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