Acórdão nº 516/00 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Novembro de 2000

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução29 de Novembro de 2000
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão nº 516/00

Proc. nº 80/00

  1. Secção

Relatora: Maria Helena Brito

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

I

  1. No Tribunal da Comarca de Guimarães, o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos Dan. R., G. C., Dav. R. e P.,SA por existirem nos autos indícios da prática, em co-autoria, de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, previsto e punível pelo artigo 27º-B do Decreto-Lei nº 140/95, de 14 de Junho, com referência ao artigo 24º, nº 1, do Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção do Decreto-Lei nº 394/93, de 24 de Novembro, e artigo 30º, nº 2, do Código Penal, sendo a arguida P. responsável nos termos do artigo 9º, nº 2, do citado Decreto-Lei nº 394/93.

    Os arguidos Dan. R., G. C. e P.,SA requereram a abertura de instrução, invocando, entre o mais, a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 27º-B do Decreto-Lei nº 140/95, de 14 de Junho, por violação dos artigos 8º, nº 1, 27º, nºs 1 e 2, 18º e 63º da Constituição da República Portuguesa (requerimento de fls. 882 e seguintes).

    Na decisão instrutória (fls. 1058 e seguintes), os arguidos foram pronunciados pela prática, sob a forma continuada, do ilícito de que vinham acusados. Lê-se na decisão que:

    "Por determinação dos arguidos as verbas acima descritas que totalizam 78.778.673$00 (setenta e oito milhões setecentos e setenta e oito mil seiscentos e setenta e três escudos) foram deduzidas das remunerações pagas aos trabalhadores, bem sabendo aqueles administradores que essas quantias eram da Segurança Social, sendo eles apenas depositários das mesmas.

    Todavia e apesar do referido os arguidos não entregaram aquelas quantias à Segurança Social nem até ao dia 15 do mês seguinte ao da retenção, nem nos noventa dias subsequentes como estavam legalmente obrigados e, agindo no interesse e representação da «P.» apropriaram-se de todos esses montantes que integraram no património da sociedade, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agiam contra a vontade dos responsáveis pela Segurança Social e que incorriam em crime.

    Entretanto os arguidos pagaram à Segurança Social em 5/12/97 a quantia de 8.467.516$00 respeitante às contribuições dos meses de Fevereiro, Março e Abril de 1997.

    Os arguidos repetiam sempre os mesmos actos para se apropriarem das verbas descritas."

    Na mesma decisão, a Juíza considerou "não se vislumbr[ar] qualquer inconstitucionalidade".

  2. Inconformados com o despacho de pronúncia, "na parte em que indeferiu a inconstitucionalidade", vieram os arguidos Dan. R., G. C. e P.,SA interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, para apreciação da inconstitucionalidade do artigo 27º-B do Decreto-Lei nº 140/95, de 14 de Junho, por violação dos artigos 8º, 18º, 27º, nºs 1 e 2, e 63º da Constituição da República Portuguesa.

  3. Nas alegações apresentadas neste Tribunal, os recorrentes formularam as seguintes conclusões:

    "1. Existindo outros meios menos lesivos de controlo social formalizado, nomeadamente os meios cíveis e os próprios do direito de mera ordenação social, a intervenção do direito penal só se justifica, até por imposição constitucional – artº 18º, nº 2 da Const. da Rep. Port. –, se se puder identificar um bem ou bens jurídicos que confiram dignidade penal ao interesse subjacente a cada uma das incriminações e se existir, relativamente a cada um dos comportamentos seleccionados, carência de tutela penal.

  4. O bem jurídico tutelado pela incriminação da fraude fiscal tem, predominantemente, natureza patrimonial: na construção do tipo de crime p. e p. pelo artº 27º-B do DL nº 140/95, de 14/6, o legislador teve em vista a tutela dos interesses patrimoniais da Segurança Social, mais precisamente, o seu erário.

  5. A inconstitucionalidade da incriminação advém desde logo da circunstância de a tutela penal não ser imprescindível, por no caso, para alcançar o desiderato pretendido, poderem ser utilizados outros meios de natureza jurídica menos gravosos.

  6. Criou-se um esquema coercivo civilístico, destinado a forçar o pagamento, pelo devedor, das importâncias em causa.

  7. O comportamento típico do agente tem, in casu, uma estrutura omissiva e consistente na não entrega, em prazo expressamente previsto – 90 dias – das contribuições deduzidas no valor das remunerações pagas aos trabalhadores, sendo que, o próprio desconto dessas contribuições é um pressuposto da conduta típica e não um seu elemento.

  8. No crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, considera-se como susceptível de sujeição à lei penal, o desconto das contribuições deduzidas no valor das remunerações pagas aos trabalhadores e a sua não entrega com consequente prejuízo dos interesses patrimoniais daquela, designadamente, o erário da Segurança Social.

  9. A realidade a que no artº 27º-B do DL nº 140/95, de 14/6 se chama de «crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social» mais não é do que uma autêntica «prisão por dívidas», destinada a sancionar criminalmente a falta de cumprimento de uma obrigação pecuniária dentro de um prazo de moratória legal concedido ao devedor.

  10. Como prisão por dívida, corresponde a um instituto que, tradicionalmente e como o Tribunal Constitucional já frisou a propósito da antiga conversão em prisão...

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