Acórdão nº 290/07.8IDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelELSA PAIX
Data da Resolução29 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 290/07.8IDPRT.P1 Instância Local de Felgueiras – Secção Criminal – J1 – Comarca do Porto Este Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO Na Instância Local de Felgueiras – Secção Criminal – J1 – Comarca do Porto Este, no processo comum singular nº 290/07.8IDPRT, foram submetidos a julgamento, entre outros, os arguidos B… e C…, tendo sido proferida sentença com o seguinte dispositivo: Pelo exposto, julgo o despacho de pronúncia procedente e em consequência: 1) condeno o arguido C…, como autor material, e na forma consumada, pela prática de um crime de Fraude Fiscal Qualificada, p. e p. pelos arts. 103, nº1 als. a) e c), 104º, nº 1, al. a) e g), nº 2 e nº3 da Lei n.º 15/01, de 5 de Junho (R.G.I.T.), na pena de pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, a qual se decide suspender, nos termos do art. 14º do R.G.I.T, pelo período de 5 anos, na condição do arguido pagar em tal período a quantia de € 89.897,82 à Administração fiscal (Estado Português).

2) condeno o arguido D…, como autor material, e na forma consumada, pela prática de um crime de Fraude Fiscal Qualificada, p. e p. pelos arts. 103, nº1 als. a) e c), 104º, nº 1, al. a) e g), nº 2 e nº3 da Lei n.º 15/01, de 5 de Junho (R.G.I.T.), na pena de pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, a qual se decide suspender, nos termos do art. 14º do R.G.I.T, pelo período de 5 anos, na condição do arguido pagar em tal período a quantia de € 89.897,82 à Administração fiscal (Estado Português).

3) condeno o arguido B…, como autor material, e na forma consumada, pela prática de um crime de Fraude Fiscal Qualificada, p. e p. pelos arts. 103, nº1 als. a) e c), 104º, nº 1, al. a) e g), nº 2 e nº3 da Lei n.º 15/01, de 5 de Junho (R.G.I.T.), na pena de pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, a qual se decide suspender, nos termos do art. 14º do R.G.I.T, pelo período de 5 anos, na condição do arguido pagar em tal período a quantia de € 89.897,82 à Administração fiscal (Estado Português).

4) Julgo extinto o procedimento criminal relativamente à sociedade “E…, Lda.”.

5) condeno os arguidos nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC’s, nos termos do art. 8º do R.C.P..

Após trânsito, boletins à D.S.I.C..

Notifique e deposite (art. 373.º, n.º 2, do C.P.P.).

***Inconformados com a decisão, os arguidos B… e C… vieram interpor recurso (independentes).

O arguido B… terminou a motivação com as seguintes conclusões (transcrição): 1- A condição de suspensão da execução da pena de dois anos e seis meses de prisão imposta ao arguido de, no período de 5 anos, pagar a quantia de € 89.987,82 à Administração Fiscal (Estado Português), não pode manter-se porquanto o Tribunal omitiu um juízo de prognose relativamente à possibilidade ou não, por parte do mesmo, do cumprimento da indicada condição.

2- Escolhida pelo Tribunal a pena de prisão e optando-se depois pela substitutiva suspensão da execução de tal pena, há que ponderar ou não a razoabilidade da condição imposta, considerando-se a concreta e real situação de vida do arguido, maxime, a sua situação económica, em termos de ser de exigir o seu cumprimento.

3- Assim se decidiu no acórdão do STJ n.º 8/2012, D.R. n.º 206, Série I de 2012-10-24 que fixou jurisprudência no sentido de que «No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. 110 artigo 105.°, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.°, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.°, n.º 1, do RGTT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia».

4- Em idêntico sentido, refira-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 26/02,12014 (in dgsi), segundo o qual "O artigo 14.°, n.º 1, do RGIT deve ser interpretado conjugadamente com o artigo 51.°, n.º 2, do Código Penal, do que resulta que nos crimes tributários, tal como acontece com os restantes crimes, só pode ser imposto o dever de pagamento como condição de suspensão da pena de prisão quando do juízo de prognose realizado resultar que existem condições para que essa obrigação possa ser cumprida. " 5- Isto é, necessário se torna um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura.

6- Constituindo a falta de pronúncia expressa uma nulidade que é de conhecimento oficioso, nos termos do art.º 379º, n.ºs 1, al. c), e 2, do Cód. Proc, Penal.

7- No presente caso, quanto ao arguido B…, conforme resulta da matéria considerada provada no ponto 30, e supra transcrita, resulta que o arguido se encontra inserido, auferindo como rendimento a sua reforma no valor de 417,00€, tendo a seu cargo as despesas do quotidiano, com eletricidade, água, gás, alimentação e vestuário, que lhe diminuem esse rendimento disponível.

8- Resulta também, como se disse, que o arguido tem idade avançada - 72 anos (nascido a 07/10/1942) -, e a 4.a classe como escolaridade, não sendo portanto de prever que o seu rendimento possa no futuro aumentar ou a sua situação socioeconómica ver-se alterada ...

9- Na sentença recorrida, foi condição da suspensão o arguido pagar a quantia de 89.897,82€ no prazo de cinco anos, a que corresponde, por mera operação aritmética, o montante de 1.498,30€ mensais!...

10- Atendendo à situação económica do arguido - devidamente provada nos autos e também à situação económica atual que vivemos na nossa sociedade, forçoso será dizer que é uma condição praticamente impossível de cumprir! 11- E o Tribunal a quo bem sabe disso, mais sabendo que não será seriamente expectável que o arguido tenha no futuro condições económicas que lhe permitam amealhar a quantia de 89.897,82€ no prazo de cinco anos, atendendo até ao facto de estar reformado (e nessa medida afastado da vida ativa) e à sua idade ...

12- Pelo que, a imposição da indicada condição é manifestamente desproporcional face à dicotomia funções da pena/direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, violando assim o disposto nos arts. 13.°, 18.°, nº 2, 27.° da CRP e art.ºs 40.°, 50.°, n.° 1, 51.º, n.º 2, 70.º e 71.º, do Código Penal.

13- Ora, da formulação de um tal juízo de prognose pode resultar a conclusão de que o arguido não tem qualquer possibilidade de, no prazo estabelecido legalmente, cumprir o dever que lhe é imposto, por não ter, nem ter expectativas de vir a ter, meios financeiros que o permitam 14- Nessa situação, a imposição de um tal dever representaria para o condenado uma obrigação cujo cumprimento não seria razoavelmente de exigir, o que contrariaria o disposto no n.º 2 do artigo 51.º do Código Penal.

15- Pelo que, deve-se interpretar conjugadamente o mencionado artigo 14.º, n.° 1, do RGIT e o artigo 51.°, n.º 2, do Código Penal, do que resulta que nos crimes tributários, tal como acontece com os restantes crimes, só pode ser imposto o dever de pagamento quando do juízo de prognose realizado resulte existirem condições para que essa obrigação possa ser cumprida.

16- No caso em apreço, tendo em conta o montante da dívida e as circunstâncias e condições de vida do arguido, não se pode exigir que o recorrente pague no prazo para o efeito estabelecido a quantia de 89.897,82€, ou mesmo uma parte dela.

17- Neste caso, a suspensão da execução da pena não deve ficar condicionada ao pagamento dos montantes em dívida à Fazenda Nacional.

18- Acresce que, o arguido B… não é sujeito passivo, direto ou indireto, do tributo cujo pagamento de parte do valor lhe foi condicionada no âmbito da suspensão da execução pena de prisão.

19- A Lei Geral Tributária identifica taxativamente os responsáveis tributários, in casu, as pessoas que exercem funções de administração ou gerência, de facto ou de direito, durante o período temporal mencionado no art.° 24.°, n.º 1, als a) e b).

20- Ora, esta vinculação tributária dos sujeitos passivos indiretos (normas de incidência subjectiva) encontra assento constitucional no art.° 13.º e 103.º da CRP, enquanto corolários dos princípios da igualdade e legalidade tributária.

21- O nº. 2 do arto.103.º da CRP vem consagrar a proibição de criação de tributos que não pelo legislador ordinário, explicitando assim um princípio que decorre do vetor da proteção da confiança ínsito ao princípio do Estado de Direito.

22- No caso em análise, os sujeitos passivos (indiretos) do tributo seriam os sócios gerentes da empresa E…, Lda, C… e D…, por força da já mencionada responsabilidade tributária, e desde que cumpridos os requisitos legalmente impostos à sua demanda, mormente, a insuficiência de património do sujeito passivo direto (ou devedor principal) E…, 23- Nunca o arguido B… responderia tributariamente pelo tributo em dívida pela mencionada sociedade, sob pena de violação daqueles imperativos constitucionais.

24- Responsabilizar criminalmente o arguido - ainda que em termos de condição para a suspensão da execução da pena de prisão - ao pagamento do IRC da sociedade E…, não sendo o mesmo o sujeito passivo, direto ou indireto, desse tributo, implica a criação duma incidência subjetiva de imposto que a Lei fundamental quis proibir e que o legislador ordinário, em obediência à mesma, não contemplou ...

25- Dito de outro modo, está o Tribunal a criar, por via judicial, um imposto, proibido pelo art.° 103.º n.º 2 da CRP e art.º 8.º da LGT, assim violados na sentença recorrida, além dos art.°s 18.º, n.º 3 e 4, 23.º e 24 da Lei Geral Tributária.

26- Assim, em face do supra exposto, violou a sentença recorrida as disposições dos arts. 40.º, 50.°, n.º 1, 51.º, n.º 2, 70.º e 71.º, todos do Código Penal, art.° 374.º, n.º 2, 375.º...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT