Acórdão nº 949/14.3IDLSB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelCALHEIROS DA GAMA
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1.

No âmbito do processo comum n.º 949/14.3IDLSB, da Comarca de Lisboa – Instância Local – Secção Criminal – J3, foram submetidos a julgamento, com intervenção de Tribunal Singular, os arguidos AA, filho de xxx e de xxx, natural de xxx, nascido em xx de Junho de 1939, casado e residente xxx, e “BB, Ldª”, com o número xxx e com sede na Avenida xxx, Lisboa, pelos factos constantes da acusação de fls. 156 a 159, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido.

Realizado o julgamento, por sentença proferida e depositada em 12 de Junho de 2015, veio o arguido AA a ser condenado pela prática em autoria e sob a forma consumada, de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelos artigos 105.º, n.ºs 1, 2, 4, 5 e 7, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (Regime Geral das Infrações Tributárias, doravante RGIT) e 30.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 (quatro) anos, nos termos dos artigos 50.º, n.º 1, 2 e 4 do Código Penal e 14.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2001, sob condição do mesmo proceder, no referido prazo da suspensão, ao pagamento ao Estado do montante devido de € 164.272,83 (cento e sessenta e quatro mil, duzentos e setenta e dois euros e oitenta e três cêntimos), acrescido de juros legais vencidos e vincendos.

Por seu turno, a sociedade “BB, Ldª” foi condenada como responsável pela prática em autoria e sob a forma consumada de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelos artigos 7.º, n.º 1, 105.º, n.º 1, 2, 4, 5 e 7, da Lei n.º 15/2002, de 5 de Junho, e 30.º, n.º 1 e 2, do Código Penal na pena de 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), o que perfaz a quantia de 4.000,00 (quatro mil euros).

  1. O Ministério Público, inconformado com a mencionada decisão, interpôs recurso extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: "1.

    Na douta sentença ora em crise foi decidido, nomeadamente, condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria e sob a forma consumada, de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelo artigo 105.º, n.º1, 2, 4, 5 e 7, da Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho e pelo artigo 30.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão e, nos termos dos artigos 50.º, 1, 2 e 4 do Código Penal e 14.º, n.º1, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, suspender a execução de tal pena pelo período de 4 (quatro) anos, sob condição de o mesmo proceder, no referido prazo, ao pagamento ao Estado do montante devido de €164 272,83 (cento e sessenta e quatro mil duzentos e setenta e dois euros e oitenta e três cêntimos) acrescido de juros legais vencidos e vincendos.

  2. As divergências que explicam o presente recurso prendem-se, fundamentalmente, com o prazo de suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido AA.

    3.

    Desde logo, no que concerne ao prazo de suspensão da pena de prisão aplicada no âmbito de crimes tributários e ao período do pagamento da condição, a jurisprudência não é unânime, existindo pelo menos três posições.

    4.

    A primeira posição considera que o referido prazo de suspensão pode ser superior à duração pena de prisão aplicada e que o cumprimento da condição de pagamento deverá ser realizado em prazo igual ou inferior ao da suspensão; a segunda posição defende que o referido prazo de suspensão terá que ser igual à duração da pena de prisão, sem prejuízo de o cumprimento da condição poder ser feito em prazo superior; e a terceira posição considera que o referido prazo de suspensão tem que ser igual à duração da pena de prisão aplicada e que o cumprimento da condição de pagamento deverá ser realizado em prazo igual ou inferior ao da suspensão, como ocorre no direito penal comum.

    5.

    Ora, propugnamos esta última posição, pelo que, salvo o devido respeito por opinião contrária, o qual é muito, consideramos que, no presente caso, por um lado, o prazo de suspensão teria que ser igual à duração da pena de prisão aplicada e, por outro lado, o cumprimento da condição de pagamento deveria ser realizado em prazo igual ao da suspensão. 6.

    Neste sentido, veja-se, entre outros, o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/02/2014, proferido no âmbito do processo n.º 1467/11.7 IDLSB, disponível em www.dgsi.pt, no qual se refere que: «(…)Temos para nós que, também nos crimes tributários, a suspensão da pena de prisão tem necessariamente uma duração igual à da pena privativa de liberdade determinada na sentença. Esta conclusão deriva da seguinte ordem de razões: - O RGIT não contém qualquer norma que estabeleça o prazo de suspensão da pena de prisão, limitando-se a prever, no seu artigo 14.º, um prazo de pagamento da prestação tributária e dos acréscimos legais devidos; - O Código Penal aplica-se subsidiariamente aos crimes tributários – artigo 3.º, alínea a), do RGIT; - A partir da entrada em vigor da redacção dada ao Código Penal pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, o período de suspensão tem uma duração igual à da pena de prisão determinada na sentença – artigo 50.º, n.º 5, do Código Penal –, tendo deixado de vigorar qualquer norma geral que preveja que a suspensão pode ser fixada sem que o prazo concreto esteja directamente dependente da medida da pena imposta; - Não existe qualquer conflito entre o prazo de pagamento da prestação tributária e dos acréscimos legais – até 5 anos – e o prazo previsto no Código Penal para a suspensão da pena – entre 1 e 5 anos –, podendo aquele ser fixado até ao termo da suspensão da pena.(…)».

    7.

    Assim sendo, salvo melhor opinião, consideramos que a douta sentença em crise violou o disposto nos artigos 3.º, alínea a) e 14.º, n.º1, ambos do R.G.I.T., aprovado pela Lei n.º15/2001, de 5 de Junho e no artigo 50.º do Código Penal, na redacção dada pela Lei n.º59/2007, de 4 de Setembro.

    8.

    No mais, e sempre salvo melhor opinião, consideramos que não foi efectuada na douta sentença em crise qualquer referência expressa ao juízo de prognose a que alude o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2012, publicado no D.R., 1º Série, n.º206, de 24/10/2012, situação que será susceptível de implicar a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, prevista no artigo 379.º, n.º1, alínea c), do Código de Processo Penal. No entanto, a ser dado provimento ao presente recurso, sempre teria que ser efectuado novo juízo de prognose, desta feita por referência ao prazo de suspensão e pagamento de dois anos, considerando-se que, ainda assim, atento o teor dos factos dados como provados, não se pode, salvo melhor opinião, afastar a hipótese razoável de o arguido poder vir a pagar a quantia em dívida em tal prazo.

    Nestes termos e nos demais de direito aplicável, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser declarado totalmente procedente e o arguido AA condenado, pela prática, em co-autoria e sob a forma consumada, de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelo artigo 105.º, n.º1, 2, 4, 5 e 7, da Lei n.º15/2001, de 5 de Junho, e pelo artigo 30.º, n.º1 e 2, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução, nos termos dos artigos 50.º, 1, 2 e 4 do Código Penal e 14.º, n.º1, da Lei n.º15/2001, de 5 de Junho, pelo período de 2 (dois) anos, sob condição de o mesmo proceder, no referido prazo ao pagamento ao Estado do montante devido de €164 272,83 (cento e sessenta e quatro mil duzentos e setenta e dois euros e oitenta e três cêntimos) acrescido de juros legais vencidos e vincendos, mantendo-se no mais a douta sentença em crise.

    Contudo, V. Exas decidindo farão, uma vez mais, a já costumada JUSTIÇA!" (fim de transcrição).

  3. Também o arguido AA, inconformado com a mencionada decisão, interpôs recurso extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: "I- Não se conformando com a determinação da medida concreta da pena, com a condição imposta à suspensão da execução da pena de prisão, o recorrente pretende recorrer da matéria de direito do acórdão proferido.

    II- Os artigos 51.° n.º2, 71.° n.º2 do código Penal, assim como o artigo 18.° da Constituição da República Portuguesa não foram correctamente interpretados e valorados, em sede de aplicação da medida concreta da pena, na medida em que não foram tidos em conta os princípios da proporcionalidade, exigibilidade e razoabilidade na imposição de deveres para a suspensão da execução da pena de prisão.

    III- O Tribunal a quo não realizou o juízo de prognose que se lhe impunha para fundamentar, adequadamente, a exequibilidade do dever imposto como condição de suspensão.

    IV- Está provado apenas nos autos que: "O arguido encontra-se reformado, a sua reforma ascende a cerca de 2100 EUROS, sendo que actualmente apenas recebe cerca de 1 400 Euros na sequência de penhora que sobre a mesma incidem, ê casado e reside em casa arrendada pela qual paga mensalmente cerca de 400 Euros." V- A suspensão da execução da pena sujeita à condição de pagamento do montante de € 164 272,83 redundará num rotundo fracasso por constituir uma condição absolutamente irrealista, diga-se impossível.

    VI- O tribunal a quo incorre num manifesto erro de raciocínio, que desboca numa verdadeira aberração do sistema! VII- Uma vez que, por simples cálculo aritmético, ainda considerando que os rendimentos líquidos do arguido se destinassem exclusivamente ao pagamento da aludida quantia imediatamente perceberíamos que € 1000,00 (remanescente da reforma) vezes 48 meses (tempo do cumprimento da suspensão) perfazem um quantum manifestamente insuficiente (€ 48 000,00) para lograr a satisfação da condição imposta.

    Para além de que é a idade do arguido critério-condição bastante para aferir da irrazoabilidade na satisfação da condição de pagamento já que, findo aquele prazo de quatro anos, o arguido contava já com oitenta anos para reunir € 164272,83.

    IX- O Tribunal não formulou qualquer juizo...

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