Acórdão nº 331/03 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Julho de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução07 de Julho de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 331/03

Procº nº 9/2003.

  1. Secção.

Relator:- BRAVO SERRA.

Em 15 de Maio de 2003 o relator exarou nos presentes autos despacho com o seguinte teor:

“1. Em autos de processo comum com intervenção de juiz singular e em que figura como arguido A., o Juiz do 2º Juízo Criminal de Lisboa exarou, em 25 de Outubro de 2002, o seguinte despacho:

‘Os factos tiveram lugar em 12.1.1991.

O arguido foi declarado contumaz a 20.4.1999.

O arguido está acusado da prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelos artigos 23.º e 24.º, n.º 2, al. c) do Decreto n.º 13.004, de 12.1.1927, na redacção do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23.9, e pelo artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28.12 e artigo 28.º, n.º 2, al. a) do CP. O prazo de prescrição do procedimento criminal é de dez anos e não se verificam quaisquer factos que interrompessem ou suspendessem aquele prazo de prescrição, nos termos dos arts. 119.º e 120.º do CP/1982.

Com efeito, atenta a data dos factos, são aplicáveis os artigos 119.º e 120.º do CP/1982. As causas de interrupção e de suspensão da prescrição do procedimento criminal previstas naqueles artigos reportavam-se ao CPP/1929 e não podem ser aplicadas nem integradas analogicamente pelo CPP/1987, como tem decidido o Tribunal Constitucional (vd. Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.º 205/99, de 7.4.99 e n.º 122/00, de 23.2.00, in respectivamente DR, II Série, de 5.11.1999 e de 6.6.2000).

Decorre, pois, desta jurisprudência constitucional a manifesta inconstitucionalidade, por violação do artigo 29.º, n.º 1 e 3 da CRP, da equiparação, já tentada nos tribunais, da causa de interrupção prevista no artigo 120.º, n.º 1, al. d) do CP/1982 com a declaração de contumácia (vd. CJ, volume I, p. 149), por a omissão da contumácia entre as causas de interrupção da prescrição constituir uma ‘lacuna insusceptível de ser preenchida’ (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Editorial Notícias, 1993, p. 710). Também não pode proceder a consideração da declaração de contumácia como uma causa de suspensão da prescrição, nos termos do assento n.º 10/2000, de 19.10.2000, que consubstancia uma aplicação analógica e retroactiva a factos anteriores a 1.10.1995 de uma causa de suspensão inexistente no CP/1982 (a declaração de contumácia).

O argumento usado na fundamentação do assento de que ‘a expressão usada «nos casos especialmente previstos na lei» não se quer referir a denominações, mas a situações, a certos conteúdos. É isto que interessa, e não o nome que se lhes aplica. Para efeitos iguais tem de haver situações idênticas»’ consubstancia uma clara interpretação analógica, especialmente visível na última frase citada!

Ora, as causas de interrupção e de suspensão do procedimento criminal devem ser interpretadas restritivamente e constituem um catálogo apertado que se refere apenas aos institutos processuais vigentes à data da criação da lei que regulamenta a lei da prescrição, como manda a boa doutrina ( cfr . Adolf Schönke e Horst Shröder, Strafgesetzbuch Kommentar, Munchen, editora Beck, 1991, p. 945, e Eduard Dreher e Herbert Tröndle, Strafgesetzbuch Kommentar, München, editora Beck, 1995, p. 606), seguida uniformemente pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça alemão, o Bundesgerichtshof (BGH-Entscheidungen, vol. 4, p. 135, vol. 18, p. 278, vol. 26, p. 83, e vol. 28, p. 281). Esta doutrina e esta jurisprudência são particularmente significativas, porque o Código Penal português de 1982 reproduz praticamente o sistema alemão previsto nos §§ 78, 78 a, 78 b, 78 c, 79, 79 a, e 79 b do Código Penal alemão, sendo ainda mais restrito do que este direito, por prever menos causas de suspensão e de interrupção. O intérprete português não pode, portanto, ignorar o elemento interpretativo sistemático e teleológico que inspirou o legislador português em 1982, sob pena de se estar a substituir ao legislador .

Coloca-se ainda o problema de saber qual das suas questões de inconstitucionalidade deve este Tribunal conhecer primeiro, o que não é irrelevante para efeitos da interposição do recurso desta decisão.

O conhecimento da inconstitucionalidade do artigo 120.º do CP/1982 é prévio ao conhecimento da inconstitucionalidade do artigo 119.º do CP/1982, uma vez que a interrupção é mais gravosa para o arguido do que a suspensão da prescrição. Deve, pois, este Tribunal conhecer primeiro da questão da inconstitucionalidade do regime das causas de interrupção da prescrição e depois da inconstitucionalidade do regime das causas de suspensão da prescrição, ficando deste modo salvaguardada a prioridade lógica do recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional da decisão de inconstitucionalidade da interpretação do artigo 120.º do CP/1982, que não se encontra decidida por qualquer acórdão de fixação de jurisprudência.

Aliás, mesmo em relação à questão da inconstitucionalidade da interpretação do artigo 119.º do CP/1982, nos termos em que foi decidida pelo assento n.º 10/2000, a prioridade do recurso para o STJ da decisão que negue a aplicação da interpretação fixada no assento com base na sua inconstitucionalidade poderia ter como consequência a manutenção pelo STJ da sua posição, revogando a decisão recorrida e não podendo Tribunal Constitucional conhecer da própria inconstitucionalidade suscitada em relação à interpretação firmada no assento. Este movimento circular, em que o STJ é o último juiz da inconstitucionalidade da interpretação fixada nos assentos que profere, conduziria em linha recta a uma interpretação das disposições do n.º 5 do artigo 70.º da Lei n. 28/82, na versão do artigo 1, da Lei n. 13-A/98, de 26.2, em violação do disposto no artigo 280.º, n.º 1, al. a) da Constituição da República e representaria uma fraude ao sistema constitucional de garantia da Constituição.

Pelo exposto:

1. não aplico, por os julgar inconstitucionais, os artigos 335.º e 337.º do CPP/1987, conjugados com o artigo 120.º, n.º 1, al. d) do CP/1982, na interpretação segundo a qual a declaração de contumácia pode ser equiparada à causa aí prevista, e

2. não aplico, por os julgar inconstitucionais, os artigos 335.º e 337.º do CPP/1987, com o artigo 119.º, n.º 1, do CP/1982, na interpretação dada pelo STJ no assento n.º 10/2000,

3. e, em consequência, declaro prescrito o procedimento criminal e cessada a contumácia e determino o oportuno arquivamento dos autos.

Notifique e, após trânsito, dê publicidade legal (artigo 337.º, n.º 6 do CPP)”.

Do transcrito despacho recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o Representante do Ministério Público junto daquele Juízo, por seu intermédio pretendendo, conforme requerimento apresentado na sequência de convite que foi formulado ex vi do nº 6 do artº 75º-A da mesma Lei, a apreciação, por um lado, da questão de constitucionalidade referente ao complexo normativo constituído pelos artigos 335º e 337º, estes do Código de Processo Penal de 1987, e 120º, nº 1, alínea d), este do Código Penal de 1982, na interpretação de harmonia com a qual a declaração de contumácia pode ser equiparada à causa de interrupção da prescrição aí prevista; e, por outro lado, a apreciação da questão de constitucionalidade respeitante ao nº 1 do artº 119º do Código Penal de 1982, na interpretação que veio a ser fixada pelo «Assento» nº 10/2000, de 19 de Outubro de 2000, do Supremo Tribunal de Justiça (que veio a ser publicado na 1ª Série-A do Diário da República, de 10 de Novembro de 2000, interpretação essa segundo a qual no ‘domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal’).

2. Em 5 de Fevereiro de 2003 o relator exarou despacho em que limitou o objecto do recurso ao complexo normativo constituído pelos artigos 335º e 337º, estes da versão originária do Código de Processo Penal aprovado pelo Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro, e 120º, nº 1, alínea d), este da versão originária do Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei nº 400/82, na interpretação de harmonia com a qual a declaração de contumácia pode ser equiparada à marcação do dia para o julgamento no processo de ausentes.

Para uma tal limitação, exarou-se naquele despacho:

‘..............................................................................................................................

...............................................................................Acontece, porém, que, no que tange à interpretação fixada pelo aludido «Assento» concernentemente ao nº 1 do artº 119º da versão originária do Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei nº 400/82 de 29 de Setembro, tendo em conta que a decisão recorrida veio a perfilhar um juízo que se posta como contrário a tal interpretação, está tal decisão sujeita a recurso obrigatório do Ministério Público, como se estabelece no artº 446º, nº 1, do vigente Código de Processo Penal.

Sendo assim, coloca-se a questão de saber se a presente situação, no que se reporta àquela norma (o nº 1 do artº 119º), pode enquadrar-se na estatuição constante do nº 5 do artº 70º da Lei nº 28/82.

Ora, este Tribunal, nos seus Acórdãos números 281/2001 e 282/2001, já tomou posição sobre problema idêntico ao ora deparado, tendo concluído que haveria de não tomar conhecimento do objecto do recurso, precisamente por não ter sido previamente interposto o recurso obrigatório comandado no falado nº 1 do artº 446º do Código de Processo Penal.

Neste contexto, não se conhecerá do vertente recurso no que se refere à norma constante do nº 1 do artº 119º da versão originária do Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei nº 400/82, na interpretação conferida pelo «Assento» nº 10/2000.

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