Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro de 1987
Decreto-Lei n.º 78/87 de 17 de Fevereiro Depois de diversos propósitos e tentativas, algumas com começo de execução, que se foram esboçando ao longo dos anos, ingressa, por fim, na vida jurídica portuguesa um novo Código de Processo Penal. Só as obras não significativas são incontroversas; o Código, que agora passa a ocupar o espaço do de 1929 e da legislação avulsa que, dispersa e, por vezes, incoerentemente, o complementou, surge, no entanto, em resultado de uma ponderada preparação e de um debate institucionalalargado.
Decorrerão da sua entrada em vigor modificações orgânicas e adaptações de vária índole; haverá mesmo que reconverter, até certo ponto, as mentalidades de alguns dos protagonistas do sistema. Daí a necessidade de diferir o início da sua aplicação, excluindo-se, para além disso, tal aplicação aos processos pendentes.
Uma excepção foi aberta; crê-se que com inteira justificação. Diz ela respeito à supressão da incaucionabilidade, por força da lei, quanto a certas categorias de crimes. Realmente, o princípio da caucionabilidade abstracta de todas as infracções é o que se adequa com o direito fundamental da liberdade pessoal. Pressupõe, aliás, uma reafirmação de confiança nos critérios dos juízes; trata-se de uma outorga de confiança que constituirá um elemento matricial de um Estado de direito.
Daí a entrada em vigor desde já da revogação do Decreto-Lei n.º 477/82, de 22 de Dezembro; este diploma teve, de resto, o condão de suscitar uma quase unanimidade nas opiniões discordantes.
Noutro plano esteve, naturalmente, presente a intencionalidade de assegurar uma proporcionada compatibilização do novo Código com a legislação extravagante conexionável com o Código de 1929 até que se venha a concretizar a modificação geral dessa legislação. Assume o problema particular melindre no que respeita ao processamento das transgressões e contravenções que em legislação avulsa se vêm mantendo, não obstante o declarado movimento no sentido da consolação desses ilícitos penais para o direito contra-ordenacional. A fórmula encontrada largamente preferível à da revivência do Código anterior naquilo em que ele continha uma forma especial para a tramitação de tais infracções - parece equilibrada e praticável; e nem será a eventualidade de reenvio para a forma comum que irá prejudicar a exequibilidade do sistema no que respeita ao julgamento de transgressões e contravenções puníveis com multa.
Assim: No uso da autorização conferida pela Lei n.º 43/86, de 26 de Setembro, o Governo decreta, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte: Artigo 1.º É aprovado o Código de Processo Penal publicado em anexo e que faz parte integrante do presente diploma.
Art. 2.º - 1 - É revogado o Código de Processo Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16489, de 15 de Fevereiro de 1929, com a redacção em vigor.
2 - São igualmente revogadas as disposições legais que contenham normas processuais penais em oposição com as previstas neste Código, nomeadamente asseguintes: a) Decreto-Lei n.º 35007, de 13 de Outubro de 1945; b) Decreto-Lei n.º 31843, de 8 de Janeiro de 1942; c) Artigos 26.º, 27.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 32171, de 29 de Julho de 1942, Decreto-Lei n.º 47749, de 6 de Junho de 1967, e artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 48587, de 27 de Agosto de 1968, todos na parte aplicável ao processo penal; d) Artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 37047, de 7 de Setembro de 1948; e) Artigo 67.º do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39673, de 20 de Maio de 1954, com a redacção em vigor; f) Decreto-Lei n.º 45108, de 3 de Julho de 1963; g) Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de Novembro, com a redacção que lhe conferiu o Decreto-Lei n.º 377/77, de 6 de Setembro; h) Lei n.º 38/77, de 17 de Junho; i) Decreto-Lei n.º 377/77, de 6 de Setembro; j) Decreto-Lei n.º 477/82, de 22 de Dezembro.
Art. 3.º - 1 - As transgressões e contravenções previstas em legislação avulsa serão processadas: a) Sob a forma de processo sumaríssimo, sempre que forem puníveis só com multa ou medida de segurança não detentiva ou ainda quando, não sendo puníveis com pena de prisão superior a seis meses, ainda que com multa, o Ministério Público entender que ao caso deverá ser concretamente aplicada só pena de multa ou medida de segurança não detentiva; b) Sob a forma de processo sumário, sempre que forem puníveis com pena de prisão ou medida de segurança detentiva cometidas em flagrante delito e não houver lugar a processo sumaríssimo; c) Sob a forma de processo comum, nos demais casos.
2 - No caso de transgressões ou contravenções que devam ser processadas em processo sumaríssimo, aplicam-se as disposições do Código anexo reguladoras do processo sumaríssimo, com as seguintes modificações: a) Do requerimento mencionado no artigo 394.º do Código de Processo Penal constarão apenas as indicações tendentes à identificação do arguido e à descrição dos factos imputados e a menção às disposições legais violadas, a prova existente e a indicação da sanção proposta; b) Com a notificação a que alude o n.º 1 do artigo 396.º do Código de Processo Penal é o arguido advertido de que pode aceitar, em audiência, a sanção proposta pelo Ministério Público, imposto de justiça e custas, as quais lhe serão especificadas, e de que, caso não aceite, será submetido a julgamento sob a forma sumária; c) Havendo lugar a julgamento, nos termos da alínea anterior, aplicam-se-lhe, com as necessárias modificações, as disposições dos artigos 385.º, 389.º, 390.º e 391.º 3 - Não à lugar à constituição de assistente nem à dedução de pedido cível no processopenal.
Art. 4.º Consideram-se efectuadas para as correspondentes disposições do presente Código de Processo Penal as remissões feitas em legislação avulsa para o Código anterior.
Art. 5.º - 1 - Os processos cuja instrução esteja legalmente cometida aos tribunais de instrução criminal prosseguirão aí os seus termos até à conclusão da instrução.
2 - O Conselho Superior da Magistratura e a Procuradoria-Geral da República adoptarão, de forma articulada, as medidas necessárias à célere conclusão dos processos referidos no número anterior.
Art. 6.º As somas em unidade de conta processual penal, tal como se encontram definidas na alínea h) do n.º 1 do artigo 1.º do Código, arrecadadas em processos nos quais seja decretada a condenação respectiva, terão o seguinte destino: a) 20% para os cofres do Ministério da Justiça; b) 20% para o Instituto de Reinserção Social; c) 60% para o organismo ao qual for cometida competência em matéria de acesso aodireito.
Art. 7.º - 1 - O Código de Processo Penal aprovado pelo presente diploma e as disposições antecedentes começarão a vigorar no dia 1 de Junho de 1987, mas só se aplicam aos processos instaurados a partir dessa data, independentemente do momento em que a infracção tiver sido cometida, continuando os processos pendentes àquela data a reger-se até ao trânsito em julgado da decisão que lhes ponha termo pela legislação ora revogada.
2 - Exceptua-se do disposto no número anterior o artigo 209.º do Código aprovado pelo presente diploma, bem como a revogação decretada pela alínea j) do n.º 2 do artigo 2.º deste decreto-lei, que produzem efeitos no dia imediato ao da publicação do presente diploma, sendo os processos em que tiver sido ordenada ou mantida prisão preventiva incaucionável ao abrigo daquele diploma, ora revogado, feitos conclusos ao juiz para que este, através de despacho fundamentado, se pronuncie no prazo de quinze dias quanto à subsistência da prisão ou quanto à concessão da liberdadeprovisória.
3 - Da decisão proferida ao abrigo do número anterior cabe recurso, nos termos gerais.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 4 de Dezembro de 1986. - Aníbal António Cavaco Silva - Mário Ferreira Bastos Raposo.
Promulgado em 22 de Janeiro de 1987.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 26 de Janeiro de 1987.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL I 1. A urgência de uma revisão sistemática e global do ordenamento processual penal constitui um dos tópicos mais consensuais da experiência jurídica contemporânea.
Reclamada pelos cultores da doutrina processual penal, ansiosamente aguardada pelos práticos do direito, a reforma do processo penal tem também persistido como um compromisso invariavelmente inscrito nos programas dos sucessivos governos constitucionais.
Igualmente pacífica é hoje a convicção de que só uma nova codificação do direito processual penal poderá representar o início de uma resposta consistente aos múltiplos e ingentes desafios que neste domínio se colocam à sociedade portuguesa. Na verdade, de uma qualquer tentativa de revisão parcial da codificação ainda vigente mais não poderia esperar-se que o aumento da complexidade e a multiplicação das aporias, tanto no plano teórico como no da aplicação da lei.
Iniciado em 1929, o ciclo de vigência do Código de Processo Penal anterior caracterizou-se por uma produção praticamente ininterrupta de novos diplomas legais em matéria de processo penal: umas vezes com o propósito de sancionar inovações a inscrever no próprio texto codificado, outras a engrossar o já incontrolável caudal das leis extravagantes. Tratou-se, além disso, de diplomas projectados em horizontes históricos vários, com diferente densidade ideológica e cultural, e, por isso mesmo, prestando homenagem a distintas concepções do mundo e da vida, do Estado e do cidadão, da comunidade e da pessoa, e portadores de programas político-criminais centrífugos e frequentemente antagónicos.
O quadro esboçado agravou-se ainda com as reformas ditadas e introduzidas pelas transformações iniciadas em 25 de Abril de 1974. De tudo resultou um ordenamento processual penal minado por contradições, desfasamentos e disfuncionalidades comprometedores; um ordenamento onde, às dificuldades de identificação, na multidão de regulamentações sobrepostas, do regime concretamente aplicável, se somavam as emergentes da...
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