Acórdão nº 17/06 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Janeiro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução06 de Janeiro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 17/06

Processo n.º 383/04

  1. Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

Por sentença de 9 de Dezembro de 2002 do Tribunal Judicial da Comarca de Avis foi o arguido A. condenado, pela prática de dois crimes de exploração ilícita de jogo, previstos e puníveis pelo artigo 108.º, n.ºs 1 e 2, com referência aos artigos 1.º e 3.º, n.º 1, todos do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, na pena única de 11 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, e de 280 dias de multa à taxa diária de € 4,00.

Em 11 de Dezembro de 2002, o mandatário do arguido requereu, “ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 101.º do Código de Processo Penal”, que fosse ordenada “a transcrição da acta da audiência e concretamente do depoimento das testemunhas por ser fundamental para a motivação do recurso que de seguida intentarᔠ(requerimento de fls. 283).

Por despacho judicial de 18 de Dezembro de 2002, foi determinado que se solicitasse “a empresa especializada a transcrição da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento” (fls. 286).

Por cartas expedidas em 26 de Março de 2003, foi o mandatário do referido arguido notificado de que fora “recebida neste Tribunal a transcrição dos depoimentos gravados em audiência, a fim de V. Ex.a motivar o recurso, podendo consultá-la nesta secretaria” (fls. 289), tendo os mandatários dos restantes arguidos sido notificados de que fora “recebida neste Tribunal a transcrição dos depoimentos gravados em audiência, podendo V. Ex.a consultá-la nesta secretaria” (fls. 288 e 290).

Em 8 de Abril de 2003, o aludido arguido apresentou requerimento de interposição de recurso da sentença de 9 de Dezembro de 2002 para o Tribunal da Relação de Évora, acompanhado da correspondente motivação (fls. 296 a 326).

Tal recurso foi admitido por despacho judicial de 11 de Abril de 2003, “por versar sobre decisão recorrível, ter sido tempestivamente interposto e por quem para tal tem legitimidade” (fls. 364).

O representante do Ministério Público na comarca de Avis apresentou resposta ao recurso do arguido, propugnando o seu improvimento, não suscitando qualquer questão prévia, designadamente quanto à sua tempestividade (fls. 381 a 402).

No Tribunal da Relação de Évora, o representante do Ministério Público, no visto inicial (fls. 454 a 458), suscitou a questão prévia da rejeição do recurso, por extemporaneidade, por entender que a formulação de pedido de entrega das transcrições das gravações dos depoimentos prestados em audiência não suspende o prazo de interposição e motivação do recurso, podendo o arguido solicitar uma cópia da gravação magnetofónica.

Notificado, o recorrente apresentou resposta (fls. 460 a 466), sustentando que o prazo de interposição se conta a partir da comunicação da disponibilização da transcrição das gravações, e logo aduzindo que interpretação e aplicação diversas das normas dos artigos 4.º, 411.º, n.º 1, e 412.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal (CPP) e do artigo 698.º, n.º 6, do Código de Processo Civil (CPC) redundaria em violação das garantias constitucionais do recorrente contempladas no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Por acórdão de 3 de Fevereiro de 2004, o Tribunal da Relação de Évora decidiu não conhecer do recurso, por o mesmo ser intempestivo, desenvolvendo, para tanto, a seguinte fundamentação:

“5 – A questão prévia suscitada e a decidir consiste em saber quando é que se inicia a contagem do prazo para os sujeitos processuais poderem recorrer de sentença, nos casos de haver que proceder à transcrição dos depoimentos produzidos oralmente em audiência, sendo que o Ministério Público nesta instância, assim como o relator, entendem que tal prazo se inicia a partir do depósito da sentença na secretaria, enquanto que o recorrente considera que tal prazo só se inicia a partir da notificação de que aquela transcrição se mostra efectuada.

Os factos constantes dos autos e a ter em conta para dilucidar tal questão são os seguintes:

a) Estando presentes todas as pessoas convocadas, à excepção do ilustre advogado do arguido, a douta sentença recorrida foi lida em 9 de Dezembro de 2002 (cf. fls. 279);

b) Por carta registada de 10 de Dezembro de 2002 foi a mesma notificada ao ilustre advogado do arguido (cf. fls. 282);

c) Em 11 de Dezembro de 2002, o arguido, invocando o disposto no artigo 101.º, n.º 2, do CPP, requereu a transcrição da acta da audiência e concretamente do depoimento das testemunhas (cf. fls. 283);

d) Em 13 de Dezembro de 2002, procedeu-se ao registo da sentença, consignando-se que a mesma transitava em 7 de Janeiro de 2003 (cf. fls. 285);

e) Em 18 de Dezembro de 2002, a Sr.ª Juiz ordenou se procedesse à transcrição da prova produzida oralmente em sede de audiência de discussão e julgamento (cf. fls. 286);

f) Em 25 de Março de 2003, é remetida carta registada ao mandatário do arguido, notificando-o do recebimento da transcrição dos depoimentos, podendo consultá-los na secretaria do tribunal (cf. fls. 289);

g) Em 8 de Abril de 2003, o arguido interpôs recurso daquela sentença (cf. fls. 291), tendo então requerido a emissão de guias, nos termos do artigo 145.º, n.º 5, do CPC (cf. fls. 292), e também solicitou o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de preparos e custas, benefício este que lhe veio a ser indeferido (cf. fls. 439 e 440);

h) O recurso foi admitido na 1.ª instância, por douto despacho de 11 de Abril de 2003 (cf. fls. 364).

Perante estes factos e salvo o devido respeito por aquele entendimento do recorrente, adiante-se, desde já, que não o podemos sufragar.

Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 411.º, n.º 1, do CPP, o prazo para a interposição do recurso é de quinze dias e conta-se a partir da notificação da decisão ou, tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria.

Assim, como o presente recurso é relativo a uma sentença, o prazo para dela recorrer iniciou-se a partir do seu depósito na secretaria, início esse que também se aplica nos casos em que venha a ser necessário proceder à transcrição da prova produzida oralmente em audiência.

O facto de a Sr.ª Juiz ter ordenado se procedesse à transcrição não dispensou o arguido de apresentar o recurso no prazo legal.

Com efeito, como se dispõe no invocado artigo 101.º, n.º 2, do CPP, «quando forem utilizados meios estenográficos, estenotípicos ou outros diferentes da escrita comum, o funcionário que deles se tiver socorrido, ou, na sua impossibilidade ou falta, pessoa idónea, faz a transcrição no prazo mais curto possível. Antes da assinatura, a entidade que presidiu ao acto certifica-se da conformidade da transcrição».

E, por seu lado, preceitua-se no artigo 412.º do CPP:

«1. A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

2. Versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição:

a) As normas jurídicas violadas;

b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e

c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.

3. Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.

4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição.»

Analisando as disposições legais acabadas de transcrever, verifica-se que, ao contrário do que parece entender o recorrente, aquele artigo 101.º, n.º 2, do CPP não impõe, quer numa interpretação literal, quer numa interpretação teleológica, que a transcrição, nos casos de gravação magnetofónica, deva ser feita antes da efectiva interposição de recurso relativo à matéria de facto.

Com efeito, quanto à interpretação literal, desse preceito não resulta que, nos casos de gravação magnetofónica, se deva proceder à transcrição no prazo mais curto possível, pois o mesmo apenas prevê os casos de utilização de «meios estenográficos, estenotípicos ou outros diferentes da escrita comum».

E a «gravação em cassetes», utilizada para o registo da prova, não é um meio de «escrita», mas sim um meio de gravação magnetofónica. E, quanto aos outros meios, até se compreende essa urgência nas transcrições, pois, enquanto que naquela as declarações ficam gravadas e, assim, conservadas e em condições de posteriormente virem a ser utilizadas por qualquer pessoa, quando são utilizados meios estenográficos, estenotípicos ou outros diferentes da escrita comum, porque são sistemas convencionais de escrita (designadamente por meio de sinais e abreviaturas que permitem escrever com a mesma rapidez com que se fala) que, para não se perder essa escrita abreviada e assim melhor compreensível por quem a utilizou, necessitam, como é evidente, de ser convertidos, no prazo mais curto possível, em escrita comum.

E, quanto à interpretação teleológica, convém ter presente que a transcrição das gravações magnetofónicas, ao contrário do que também entende o recorrente, não se destina à preparação da sua defesa (o que, como resulta daquele...

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