Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2012, de 18 de Abril de 2012

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2012 Processo n.º 147/06.0GASJP.P1 -A.S1 — 3.ª Secção Fixação de jurisprudência José Francisco do Nascimento e Flávio Joaquim Teixeira do Nascimento, nos termos dos artigos 437.º e seguin- tes do Código de Processo Penal, interpuseram recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, do acór- dão do Tribunal da Relação do Porto, de 2 de Dezem- bro de 2010, proferido no Recurso Penal registado sob o n.º 147/06.0GASJP.P1, da 4.ª Secção, emergente do processo comum com intervenção de tribunal singular n.º 147/06.0GASJP, do Tribunal da Comarca de São João da Pesqueira, em que por sentença de 17 de Junho de 2009, foram condenados, para além de um outro arguido, e na ausência deste, pela prática de um crime de injúria, p. p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal.

Invocam oposição entre a solução deste acórdão, que rejeitou o recurso por si interposto, por considerar não se tratar de verdadeira impugnação de matéria de facto, e a preconizada pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 21 de Outubro de 2009, no Recurso Penal n.º 1233/06.1TASTS.P1, da 1.ª Secção, proferido no âmbito do processo comum singular n.º 1233/06.1TASTS, do 1.º Juízo Criminal da Comarca de Santo Tirso, sobre situação alegadamente similar.

Por acórdão de 7 de Setembro de 2011, foi decidido verificarem -se os pressupostos de admissibilidade do re- curso, nomeadamente, a oposição de julgados sobre a mesma questão de direito, e ordenado o seu prossegui- mento.

Alegaram, nos termos do artigo 442.º, n.º 1, do CPP, os recorrentes e o Ministério Público.

Os recorrentes concluíram assim as alegações (em trans- crição integral): «1 — A falta de indicação dos minutos e segundos das expressões em causa não é de per si motivo bastante para por em crise o recurso apresentado, muito menos se considerarmos, como faz a Veneranda Relação, que tal deve ser feito ‘facilitando a indagação a levar a cabo pelo tribunal de recurso [...]’. 2 — A vontade do legislador foi a de impedir as re- mições (sic) genéricas para a prova gravada susceptíveis de colocar o Tribunal de recurso diante da necessidade de fazer um novo julgamento em matéria de facto. 3 — Os recorrentes concordam inteiramente com a posição plasmada no acórdão fundamento. 4 — Entendem os recorrentes que a jurisprudência deve ser uniformizada no sentido de que o ónus de ‘indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação’ referido no n.º 4 do artigo 412.º do CPP vai no sentido de que tal segmento normativo se reporta ao consignado em acta quanto ao início e termo da grava- ção, ficando tal ónus cumprido caso o recorrente junte com a motivação de recurso ou efectue nesta as trans- crições dos depoimentos que sustentam a impugnação da matéria de facto, indicando o respectivo depoente, porquanto a partir daquelas transcrições são perceptíveis as passagens da gravação, constantes da documentação da prova, em que se funda a sua impugnação. 5 — Pese embora actual redacção do n.º 4 do ar- tigo 412.º do CPP não imponha já o ónus da transcrição, cremos, muito modestamente, que o recorrente que procede à transcrição dos trechos dos depoimentos em que funda a impugnação cumpre o dever de especifica- ção das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida. 6 — Por outro lado o dever de indicação das pas- sagens concretas em que se funda impugnação a que alude aquele normativo não especifica de que forma devem essas concretas passagens ser indicadas — se por indicação do minuto e segundo das mesmas ou por transcrição. 7 — Por nós entendemos que em ambas as hipóteses se cumpre o ónus de especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, permitindo ao Tribunal de recurso a sua análise com desnecessidade da análise de toda a prova testemunhal produzida. 8 — A nosso ver o que a lei impõe é que se indiquem as concretas provas que conduzem a uma decisão di- versa da recorrida, devendo o recorrente, em caso de prova gravada, indicar as concretas passagens em que se funda a impugnação, seja indicando os segundos, seja transcrevendo essas passagens. 9 — Em todo o caso a rejeição do recurso, ou a perda do benefício do prazo a que alude o n.º 4 do artigo 411.º do CPP, parece -nos uma solução desajustada e despro- porcional. 10 — Se efectivamente for entendido que sobre o recorrente assenta o ónus de indicação dos minutos das passagens então, tendo o recorrente procedido à trans- crição, deverá ser notificado para indicar os concretos segundos, já que tal indicação não consubstancia uma modificação do âmbito do recurso. 11 — As garantias de defesa do arguido assim o im- põem. 12 — E, reiteramos, a interpretação dada pelo acórdão que se deixa em crise à norma do n.º 4 do artigo 412.º do CPP, é inconstitucional por violação das garantias de defesa dos arguidos, nomeadamente o seu direito ao recurso previsto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e do direito de acesso à justiça e aos tribunais constante do n.º 1 do artigo 20.º do mesmo diploma legal. 13 — Impedir nestas circunstâncias o direito de re- curso dos arguidos é solução manifestamente gravosa, desproporcional e mesmo inconstitucional — por viola- ção das garantias de defesa dos arguidos, nomeadamente o seu direito ao recurso previsto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e do direito de acesso à justiça e aos tribunais positivado no artigo 20.º, n.º 1, do mesmo diploma legal — e contrário ao Estado de Direito Democrático e ao próprio artigo 2.º do Pro- tocolo 7.º da CEDH. 14 — Assim a norma do n.º 4 do artigo 412.º do CPC deve ser interpretada no sentido de as especificações constantes das alínea

b) e

c) do n.º 3 se mostrarem cum- pridas caso o recorrente transcreva as concretas passagens em que funda a sua impugnação da matéria de facto.

Pedem a uniformização de jurisprudência nesse sen- tido.» Por seu turno, o Ex. mo Procurador -Geral Adjunto con- cluiu (incluídos os realces): «7.1 — No que diz respeito ao paradigma do re- curso sobre a matéria de facto e respectivo regime, a reforma do Código de Processo Penal introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, procedeu, entre as mais relevantes, às seguintes alterações:

  1. As declarações prestadas oralmente em audiên- cia passaram a ser obrigatoriamente documentadas, sob pena de nulidade (artigo 363.º, n.º 3);

    b) Havendo gravação magnetofónica ou audiovi- sual, deve ficar consignado na acta o início e o fim de cada declaração (artigo 364.º, n.º 2);

    c) Exige -se que a especificação seja feita em re- lação: (i) aos concretos pontos de facto e (ii) às con- cretas provas que impõem decisão diversa da recor- rida.

    E quando as provas tiverem sido gravadas, as especificações das provas concretas fazem -se por referência ao consignado na acta, devendo o recor- rente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação (artigo 412.º, n.º 3, alíneas

    a) e

    b), e n.º 4).

    d) Eliminou -se a transcrição, que por razões de fidedignidade era antes um encargo do tribunal;

    e) Elevou -se para 30 dias o prazo de interposição do recurso se este tiver por objecto a reapreciação da prova gravada (artigo 411.º, n.º 4). 7.2 — Visando impugnar a matéria de facto resultante da prova gravada, há que interpretar, por isso, o comando normativo contido no n.º 4 do artigo 412.º no sentido de que o que se pretendeu foi impor ao recorrente o ónus de indicar, na respectiva gravação, o momento, o instante onde se encontra o excerto das declarações que pretenda impugnar.

    A exigência prevista no 1.º segmento do preceito implica que, quanto às especificações das alíneas

    b) e

    c) do n.º 3, o recorrente tenha de indicar o momento, o instante, o sinal do suporte magnetofónico onde está o respectivo início e termo.

    E a do 2.º seg- mento diz respeito à localização das passagens concretas indicadas naquelas mesmas especificações.

    Vale por dizer que, estando consignado na acta de julgamento o início e o termo das declarações, o preceito impõe ao recorrente, naquela 1.ª parte o dever de fazer referência a tais indicações (passagens) por referência à acta, e na 2.ª parte o dever de circunstanciar, particularizar, por- menorizar os momentos, os instantes, na gravação, em que se encontram os excertos das declarações.

    Deveres estes que o recorrente não pode substituir pela mera transcrição de tais excertos. 7.3 — De resto, se é certo que a interpretação da lei não deve cingir -se à sua letra, não é menos certo que a letra da lei é um importante ponto de partida.

    E, na verdade, note -se que, em termos gramaticais, o vocábulo ‘passagens’ significa transições, mutações, mudanças.

    Ou seja, ao vocábulo está associada a ideia de actividade ou movimentação.

    Ora, fácil é de ver que não é gramaticalmente adequada a utilização da pala- vra ‘passagens’ para significar a referência a excertos, partes ou fragmentos de depoimentos/declarações.

    Con- sequentemente, se o legislador não quisesse referir -se concretamente à localização do instante, do momento, na gravação, mas, pelo contrário, tivesse admitido tam- bém, designadamente em alternativa, a possibilidade de transcrição do conteúdo do excerto ou fragmento das declarações, tê -lo -ia dito claramente, utilizando para tanto um termo apropriado como, por exemplo, que o recorrente deveria e ou poderia ‘transcrever ou reproduzir o concreto excerto ou segmento ou parte das declarações em que funda a impugnação’. 7.4 — Ora, tendo em conta que o legislador aboliu a transcrição por razões de celeridade e fidedignidade, e ponderando, também a esta luz, que, como postu- lam elementares regras de interpretação, a lei não deve conter expressões inúteis, inócuas ou desnecessárias, redundaria em inadmissível contradição valorativa a dimensão interpretativa que apontasse no sentido de se permitir ao recorrente satisfazer aquele ónus apenas com recurso às, ‘eliminadas’, transcrições, com todas as implicações, em sede daquela...

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