Acórdão nº 228/07 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Fernanda Palma
Data da Resolução28 de Março de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 228/2007

Processo nº 980/2006

  1. Secção

Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I

Relatório

  1. Nos autos de inquérito NUIPC3401/00.OJAPRT, a correr termos no DIAP do Porto, o Ministério Público proferiu o seguinte despacho:

    Requerimentos de fls. 986 a 996, 999 a 1001, 1003 a 1012 e 1028 a 1034:

    Considerando que se mostram dirigidos ao Mmo. JIC junto do TIC deverão ser remetidos a tal Tribunal para apreciação e decisão.

    Reiteramos, contudo, nesta sede, as posições por nós tomadas sobre o assunto nos despachos de fls. 837 a 841, 862, 876/877, 896 e 918.

    *

    Refutamos, por conseguinte, a posição assumida pelos arguidos que – à falta de consentimento expresso – não é admissível a recolha de vestígios biológicos com vista à posterior realização de perícia de biologia forense de identificação de perfis genéticos (ADN).

    Como salientamos no despacho inicial em que nos debruçamos sobre a admissibilidade e legalidade da realização dos exames, o arguido é perspectivado como sujeito e objecto de prova. E o que resulta – à partida – do seu estatuto processual consagrado no Art° 61°, n° 3, al. d) do C.P.P., ou seja, no que ora interessa, o dever de sujeitar-se a diligências de prova como é o caso presente que consagração positivada no Art° 171°. n° 1 do mesmo diploma pelo que não faz sentido a asserção de que ao procedermos como se mostra documentado no processo se está perante um meio proibido de obtenção de prova.

    De resto, não deixa de ser curiosa a posição assumida pelo Sr. Prof. Costa Andrade para este processo depois de confrontada com a que assume no seu estudo e no qual (também) nos apoiámos no despacho de fis 838 e segs., mais propriamente, a fls. 839, “in fine”.

    *

    Não houve, a nosso ver, qualquer violação da lei nem de princípios fundamentais legitimadores do processo penal razão por que não deve ser atendido o requerido pelos arguidos.

    Na sequência de tal despacho, o Juiz de Instrução Criminal decidiu a arguida nulidade nos seguintes termos:

    Fls. 986 e segs., 999 e segs., 1003 e segs., 1028 e segs. e 1045 e segs.:

    Respeitam os presentes autos à investigação, entre outros, da prática de factos susceptíveis de integrar dois crimes de homicídio qualificado p. e p. pelos arts. 131° e 132° n°s 1 e 2 c), f) e i) do Cód. Penal.

    No local onde ocorreram os homicídios foram recolhidos vestígios biológicos, sendo eles ou alguns deles, pertencentes ao(s) autor(es) de tais crimes.

    No decurso da investigação, em face da falta de testemunhas presenciais daqueles homicídios, decidiu o M°P° ordenar a prova por meio de exames à pessoa dos suspeitos entretanto constituídos como arguidos, com vista à colheita de vestígios biológicos para determinação do seu perfil genético e subsequente comparação com os dos vestígios biológicos encontrados no local dos crimes.

    Verifica-se do exame dos autos que tais exames, já ordenados em Maio do corrente ano, não lograram efectuar-se nas datas sucessivamente fixadas para o efeito pelas mais diversas razões: ou porque os arguidos entenderam ser o despacho que o ordenou ilegível e apesar de posteriormente dactilografado o consideram ilegal e se recusaram submeter-se ao exame, ou porque a ele faltaram por motivo de doença, ou porque se encontravam ausentes e não era possível a sua notificação – cfr. fls. 638 a 640, 822, 838 a 948, 955 e 965 a 970.

    *

    Só em 20 de Setembro de 2005 se conseguiu efectuar o predito exame apenas ao arguido A., o qual no acto, declarou não ser sua vontade sujeitar-se a tal exame, pese embora a fls. 974 tivesse afirmado” estar inteiramente disposto a submeter-se à prova de ADN”.

    Em 19 de Setembro de 2005, o mesmo arguido apresentou o requerimento de fls. 986 e segs., afirmando não se disponibilizar para colaborar ou permitir a pretendida colheita e invocando a ilegalidade da sua concretização por via coactiva.

    Juntou ainda uma «opinião/consulta» subscrita pelo Exm° Sr. Prof. Manuel da Costa Andrade sobre a legalidade ou ilegalidade da imposição coactiva do arguido no processo penal à análise de ADN – cfr. fls. 992 a 996.

    Os arguidos B: e C. no mesmo dia 19/9/2005 reiteraram o alegado pelo arguido A. – cfr. fls. 992 a 1026.

    A fls. 1028 e segs. veio o arguido A. requerer a este tribunal o reconhecimento e declaração da violação da legalidade e consequente proibição absoluta de valoração da prova obtida através da sujeição coactiva do arguido à colheita da saliva através de zaragatoa realizada no I.M.L. do Porto efectuada no dia 20/9/2005.

    A fls. 1000 e 1001, 1005 a 1007, vieram os arguidos B. e C., respectivamente, requer a este tribunal o reconhecimento e declaração da violação da legalidade do despacho do M°P° que ordenou a sujeição coactiva dos arguidos à colheita de amostra biológica para tipificação de ADN.

    *

    Por último, a fls. 1045 e segs. veio o arguido A. reiterar o pedido efectuado a fls. 1028 e segs. requerendo ainda a este Tribunal que ordene a instauração de procedimento criminal contra todos os que ordenaram, efectuaram e colaboraram ou de qualquer forma participaram na colheita de saliva ao arguido, por entender ter sido praticado o crime p. e p. pelo art. 143° n° 1 do Cód. Penal.

    Cumpre decidir.

    Desde já começamos por adiantar que, pese embora o muito respeito que nos merece quem perfilha de opinião contrária, entendemos não assistir qualquer razão aos arguidos.

    É consabido que o nosso processo penal é um processo de estrutura basicamente acusatória integrada pelo princípio da investigação judicial.

    O art. 320 no 5 da C.R.P. consagra como princípio fundamental enformador do processo penal, o princípio do acusatório, estabelecendo que “o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de discussão e julgamento e os actos que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório”, ao qual, é inerente o princípio do contraditório.

    E no n° 1 do mesmo art. 320 da C.R.P. prescreve-se que “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa (...)”.

    0 sistema de estrutura acusatória caracteriza-se ( entre outros aspectos que para o caso dos autos não interessam chamar à colação) pela parificação do posicionamento jurídico entre a acusação e a defesa em todos os actos jurisdicionais, configurando-se o arguido como um sujeito processual que tem intervenção em todas as fases do processo, inclusive na fase do inquérito, embora nesta fase processual muito mais limitada do que na instrução e julgamento, porquanto o inquérito tem uma estrutura predominantemente inquisitória.

    Conforme ensina o Prof. Figueiredo Dias o “(...) Afirmar-se (...) que o arguido é sujeito e não objecto do processo significa (...) ter de assegurar àquele uma posição jurídica que lhe permita uma participação constitutiva na declaração do direito do caso concreto, através da concessão de autónomos direitos processuais, legalmente definidos, que hão-de ser respeitados por todos os intervenientes no processo penal”.

    Isto significa que, se ao arguido, é imputado um conjunto de factos que podem originar responsabilidade por uma infracção penal, certo é também que lhe é garantido o contraditório, ou seja, a possibilidade de o arguido questionar ou negar esses factos e seu enquadramento jurídico.

    Neste sentido decidiu o Ac. do Trib. Constitucional no Acórdão n° 172/92 de 6 de Maio dizendo: “O processo penal de um Estado de direito há-de cumprir dois objectivos fundamentais: assegurar ao Estado a possibilidade de realização do seu jus punendi e oferecer aos cidadãos as garantias necessárias para os proteger contra os abusos que possam cometer-se no exercício do poder punitivo (...).

    Um tal processo há-de, por conseguinte, ser um processo equitativo (a due process, a fair process), que tenha por preocupação dominante a busca da verdade material, mas sempre com inteiro respeito pela pessoa do arguido, o que, entre o mais, exige que se assegurem a este todas as garantias de defesa e que se não admitam provas que não passem pelo crivo do contraditório (...)“

    Assim, porque o direito processual penal é direito constitucional aplicado, no C.P.P. existem normas que garantem ao arguido esta paridade de posicionamento com o M°P°, para poder ilidir ou enfraquecer as provas recolhidas oficiosamente pela acusação e pelos órgãos de polícia criminal, não obstante estas entidades se orientarem apenas para a descoberta da verdade, instruindo a favor e contra o suspeito.

    Aliás, afirma o Prof. Manuel da Costa Andrade que “(...) o Ministério Público é entre nós pacificamente encarado como um órgão da administração da justiça cuja actuação deve subordinar-se a estritos critérios de legalidade e objectividade. E a que, nos termos do n° 1 do art. 53° do CPP, cabe «colaborar com o Tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito, obedecendo em todas as intervenções processuais a critérios de estrita objectividade “.

    E citando o Prof. Figueiredo Dias, transcreve um pequeno trecho do seu estudo “Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal”, in O Novo Código do Processo Penal, CEJ, pág. 25: “Dada a condicional intenção de verdade e justiça (...) que preside à intervenção do Ministério Público no processo penal, torna-se claro que a sua atitude não é a de interessado na acusação, antes obedece a critérios de estrita legalidade e objectividade”.

    Dispõe o art. 272° no 1 do C.P.P.:

    “Correndo inquérito contra pessoa determinada, é obrigatório interrogá-la como arguido. Cessa a obrigatoriedade quando não for possível a notificação”. E o art. 58° n° 1 a) do C.P.P. estabelece:

    “(...) é obrigatória a constituição de arguido logo que correndo inquérito contra pessoa determinada, esta prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal”.

    Por sua vez o art. 610 no 1 do C.P.P. enumera (embora não exaustivamente), um conjunto de direitos de que o arguido goza.

    Ao Impor, a lei, o interrogatório do suspeito como arguido, pretende o dar-se a este conhecimento imediato da existência...

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