Acórdão nº 240/23 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução11 de Maio de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 240/2023

Processo n.º 175/2022

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, o recorrente A. interpôs recurso ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada «LTC»), da decisão proferida pela 1ª Secção Criminal daquele Tribunal, que decidiu pela manutenção da sentença que determinou “a recolha de amostras biológicas ao arguido, para inserção na base de perfis de ADN, nos termos dos artºs. 8.º, n.º 2 e 18.º, n.º 3 da Lei n.º 5/2018, de 12.02., na redação dada pela Lei n.º 90/2017, de 22.08, a qual será efetuada após trânsito em julgado.”

2. Na parte que releva para a apreciação do presente recurso, pode ler-se na fundamentação da decisão recorrida:

“2.2.3. Inconstitucionalidade dos arts 8°, 2 e 18°, 3 da Lei n°. 5/2008, de 12 de Fevereiro.

Alega o arguido que os artigos 8º, n.° 2 e 18°, n.° 3, da Lei 5/2008 são inconstitucionais, por violação do art. 18°, 2, da CRP - princípio da proporcionalidade. Com efeito, sustenta o arguido que a recolha de amostras de ADN, em condenados em pena de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que substituída, não respeita o princípio da proporcionalidade.

Relativamente a este ponto, apenas se dirá que - como refere o Ex° Procurador-geral Adjunto nesta Relação - a questão já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, no acórdão n° 333/2018, Processo n.° 195/2018 l.ª Secção, onde se decidiu "Não julgar inconstitucional a norma que determina que a recolha de amostras em condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída, com finalidades de investigação criminal e inserção na base de dados respetiva, é ordenada, mediante despacho do juiz de julgamento, após trânsito em julgado, quando a mesma não foi já realizada, interpretativamente retirada pela decisão do artigo 8.º, n.° 2, da Lei n.º 5/2008, de 12 de fevereiro, na redução dada pela Lei n.º 40/2013, de 25 de junho."

Para fundamentar esta conclusão, o Tribunal argumentou:

“(...)

23. A questão coloca-se, portanto, em saber se a regra da recolha de amostras de ADN a condenados em pena de prisão igual ou superior a 3 anos (ainda que substituída), respeita o princípio da proporcionalidade.

Partindo do interesse público prosseguido pela norma que consiste na criação de uma base de dados de perfis de ADN que sirva finalidades de investigação criminal (artigo 1. °, n.° 2, da LBDADN), importa começar por sublinhar que as finalidades específicas do processo penal, designadamente na realização da justiça e prossecução da verdade material, são interesses constitucionalmente protegidos. O artigo 202.°, n.° 2, da Constituição estabelece que compete aos tribunais «assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e reprimir a violação da legalidade democrática» e, por sua vez, o artigo 219.°, n.°2, da Lei Fundamental atribui competência ao Ministério Público para participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania e exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática. E neste contexto que se insere a análise de ADN e a sua inserção na Base de Dados de Perfis de ADN. O fim da recolha de ADN é, efetivamente, facilitar a investigação de crimes com autor desconhecido que tenham sido cometidos no passado ou que venham a ser cometidos ainda num futuro relativamente próximo (necessariamente dentro do prazo de manutenção da amostra na base de dados), podendo identificar-se neste ponto também alguns objetivos de prevenção penal, face à identificação das taxas de recidiva relacionadas com a prática de determinados crimes. Visa, portanto, a redução do número de investigações criminais não resolvidas, permitindo não só identificar os culpados, como afastar os inocentes da mira dos atos de investigação criminal, bem como proteger os direitos e liberdades fundamentais das vítimas. Acautela-se simultaneamente alguma persuasão dissuasiva da prática de futuros crimes por parte de agentes que sabem ter o seu perfil de ADN constante de uma base de dados acessível para efeitos de investigação criminal.

De resto, a base de dados nacional não pode ser vista como uma fonte isolada de informação policial, antes se integrando numa rede internacional de intercâmbio de informações para combate à criminalidade transfronteiriça e cooperação de âmbito penal.

Neste contexto, e meramente a título de exemplo, será útil indicar que desde a Decisão n.º 2011/472/UE, do Conselho da União Europeia, relativa ao lançamento do intercâmbio automatizado de dados de ADN em Portugal, que o País é considerado habilitado a receber e transmitir dados pessoais. Em janeiro de 2015 iniciaram-se os trabalhos para ligação internacional da Base de Dados portuguesa.

E à luz destes interesses públicos que terá lugar a aplicação dos três subprincípios em que se desdobra o princípio da proporcionalidade; idoneidade (ou adequação), necessidade (ou indispensabilidade) e justa medida (ou proporcionalidade em sentido estrito).

24. Na linha da jurisprudência anteriormente produzida pelo Tribunal Constitucional sobre esta matéria, em especial os Acórdãos n.°s 155/2007 e 227/2008, a que acima se aludiu, também no caso da norma ora em apreciação não é possível afirmar que as restrições aos direitos fundamentais nela implicadas violem qualquer dos subprincípios enunciados.

Com efeito, é manifesta a adequação da referida norma para a prossecução dos fins visados, servindo a recolha e conservação de dados de ADN numa base de dados as finalidades de investigação criminal. E inegável que a criação de uma base de dados de perfis de ADN amplia as possibilidades de identificação dos responsáveis pela prática de um crime, permitindo comparar os perfis constantes da base de dados (amostras-referência) com os perfis resultantes das amostras biológicas colhidas durante uma investigação criminal (amostras-problema).

De outro lado, não é possível ignorar que o grau de eficácia desta ferramenta que se baseia numa comparação de perfis, depende inevitável e diretamente do número de amostras recolhidas. Neste sentido, a recolha de ADN a todos os condenados em penas iguais ou superiores a 3 anos de prisão, constitui um meio relevante para sustentar a base de dados de ADN com aquisição de amostras-referência de forma a possibilitar a utilização desta ferramenta na resolução de investigações por crimes que pendem contra autores desconhecidos.

O legislador vê na condenação em pena igual ou superior a 3 anos um critério que permite identificar os visados pela ordem de recolha de ADN como pessoas que já demonstraram capacidade para cometer uma infração de gravidade suficiente para o justificar. E certo que o legislador poderia ter optado por impor a regra da recolha apenas a condenados em penas iguais a superiores a cinco ou oito anos de prisão, restringindo, desta forma, o âmbito da sua incidência. Uma tal restrição permitira, naturalmente, uma maior otimização dos interesses dos visados, mas, em contrapartida, diminuiria a otimização do interesse público. Todavia, tendo em vista os fins pretendidos, não é possível ignorar que a recolha de perfis de condenados constitui a principal fonte de inserção de perfis para comparação. A criminalidade com elevado risco de recidiva em que a prova por análise de ADN se apresenta como especialmente eficaz - os crimes contra a autodeterminação sexual - integra o espaço ocupado pelas condenações em penas de 3 anos de prisão. Assim, a opção por um critério que recorresse a uma maior medida da pena poderia comprometer o nível de concretização do interesse público visado pelo legislador.

Poderia igualmente o legislador ter optado por basear o critério da determinação da recolha da amostra de ADN a condenados por referência ao tipo de crimes cometidos, em vez de eleger a medida da pena da condenação como critério. Uma tal opção tornaria mais evidente a consideração do impacto social do crime cometido, a sua gravidade para a sociedade. Todavia, a medida da pena - que deve ser fixada necessariamente dentro da moldura penal abstrata prevista para punir o crime - não deixa de representar também uma tradução, pelo legislador, dos sentimentos da sociedade perante a afeção de um determinado bem jurídico. Por outro lado, não é evidente o carácter menos lesivo dos direitos fundamentais em causa dessa opção, uma vez que ambas as soluções levam a níveis semelhantes de lesão. Assim, deve considerar-se que se desconhecem medidas menos lesivas que possam produzir o efeito pretendido, pelo que o meio em causa no presente processo se apresenta mesmo como necessário.

Finalmente, não é possível afirmar que a norma em causa ao definir como regra a recolha de ADN em condenados em penas de prisão iguais ou superiores a três anos, traduz uma opção excessiva ou desproporcionada para atingir os fins visados. Na ponderação a empreender, será relevante considerar, desde logo, o grau de intensidade da ingerência nos direitos fundamentais afetados (a recolha de amostras é feita de um modo geral através de zaragatoa bucal) sendo correspondente a densidade das razões exigíveis para justificar a ingerência tendo em vista a prossecução eficaz do interesse público visado. Ora, apesar de a simples zaragatoa bucal para aquisição de amostra de saliva implicar uma ingerência na integridade pessoal do visado, trata-se, ainda assim de uma ingerência de intensidade não muito acentuada.

Além da natureza relativamente pouco acentuada da ingerência nos direitos fundamentais afetados, será de considerar ainda o período temporal limitado de conservação dos dados, após o qual os dados são eliminados. Como já se...

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