Decisões Sumárias nº 488/07 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelCons. José Borges Soeiro
Data da Resolução21 de Setembro de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 488/07

Processo n.º 878/07

  1. Secção

Relator: Conselheiro José Borges Soeiro

Decisão Sumária nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro

I – Relatório

  1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Agosto de 2007 pelo qual foi negado provimento ao recurso anteriormente proposto pelo ora Recorrente do despacho do Mmo. Juiz do Tribunal de Família, Menores e Comarca de Vila Franca de Xira.

    O referido despacho apresenta o seguinte teor:

    “Na sequência de o arguido A. se ter recusado a permitir que fosse recolhida zaragatoa bucal na sua saliva, o Ministério Público promoveu que se proferisse decisão em que se determinasse que o mesmo fosse sujeito a tal recolha.

    Na esteira do já decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional citado na douta promoção que antecede, entende-se que cabe ao juiz de instrução a decisão que autorize a recolha de vestígios biológicos no corpo do arguido contra a vontade deste, procedendo-se assim a uma interpretação conforme à Constituição da República Portuguesa (cfr. n.º 4 do artigo 32º) do inciso contido na parte final do n.º 1 do artigo 172º do Código de Processo Penal no que toca à definição da autoridade judiciária competente para o efeito.

    Assim, cabe proferir a competente decisão.

    Como já se disse, o arguido A. recusou-se a permitir que fosse recolhida zaragatoa bucal na sua saliva, sem adiantar qualquer motivo (cfr. auto de interrogatório de fls. 271 e fls. 272).

    Há que ter em consideração que o direito à inviolabilidade da integridade física, tutelado pelo n.º 1 do artigo 25º da Constituição da República Portuguesa, é um direito basilar de cada pessoa e é inerente à própria dignidade humana.

    Por seu turno, a recolha de zaragatoa bucal tem como propósito a sua ulterior comparação com outros elementos de prova recolhidos nos autos e a sua posterior análise pericial, pelo que a recusa do arguido inviabilizará o recurso a tais meios de prova.

    Sabendo-se que a investigação se destina a descobrir a verdade material dos factos e não a incriminar os arguidos, mal se percebe que o arguido A. inviabilize, na prática, a possibilidade de comparar esse vestígio biológico com outros meios de prova (designadamente vestígios hemáticos colhidos no local), já que tal poderá levar à conclusão de que o mesmo não é responsável pelos factos em apreço nestes autos.

    Por outro lado, como é sabido, o corpo do arguido é, em si mesmo, um meio de prova (cfr. o dever imposto pela alínea d) do n.º 3 do artigo 61º do Código de Processo Penal), pelo que, sobre aquele, impende a obrigação de se sujeitar às diligências de prova previstas na lei.

    Acresce que, como decorre da experiência comum (pense-se no corte de um cabelo), a intromissão na integridade física do arguido decorrente da recolha de vestígios biológicos no corpo do arguido em um cariz pouco relevante, dir-se-ia mesmo insignificante.

    Recorde-se, por fim, que estão em causa factos que serão subsumíveis a um crime de roubo agravado, p.p. pelo n.º 3 do artigo 210º do Código Penal e que, até ao momento, não foram inquiridas quaisquer testemunhas que tivessem presenciado os factos, antevendo-se, por isso, que o recurso a indicado meio de prova se revelará de extrema importância para efeitos de confirmação das declarações prestadas pelo co-arguido B. em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido.

    Tendo em conta o valor em causa (o direito à inviolabilidade da integridade física) – e, concomitantemente, o carácter excepcional do recurso a este meio de prova – e confrontando-o com a reduzida expressão que o acto de recolha de zaragatoa bucal assume na pessoa do arguido e com o interesse que a diligência em causa possui no contexto dos autos para efeitos de prova, conclui-se que a recusa do arguido a que vimos aludindo não é legítima, tanto mais que carece de qualquer justificação de índole moral ou outra.

    Ademais, a mesma não é sustentada em qualquer norma legal (antes pelo contrário, já que se trata de um dever que sobre si recai), sendo que a restrição na integridade física do arguido que a recolha dos referidos vestígios biológicos é, na estrita medida do necessário, exigida para a defesa de outros interesses e valores (cfr. n.º 2 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa), designadamente a descoberta da verdade material e o interesse estadual na administração da Justiça, que, como se sabe, são pilares do Estado de Direito Democrático.

    Resta assim, nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 172º do Código de Processo Penal autorizar que os inspectores da Polícia Judiciária encarregues da investigação procedam à recolha de zaragatoa bucal na saliva do arguido A..

    Pelo exposto, autorizo que os inspectores, da Polícia Judiciária encarregues da investigação em curso procedam à recolha de zaragatoa bucal na saliva do arguido A..”

    Nas alegações do recurso interposto para a Relação de Lisboa, concluiu o ora Recorrente nos seguintes termos:

    “1-O arg.º nos autos supra indicados, não se conformando com o douto despacho recebido a 04-06-2007 de fls... dos autos que autoriza os inspectores da Policia Judiciária encarregues da investigação em curso procedam à recolha de zaragatoa bucal na saliva do arguido A..

    Isto, porque no direito português vigente só o consentimento livre e esclarecido do arg.º pode legitimar a sua submissão a uma colheita de vestígios biológicos para análise de ADN.

    2-Aqui o ora recorrente manifestou a sua expressa recusa em “colaborar” ou permitir tal colheita, por razões que não declarou, não obstante o facto de não lhe terem sido questionadas as mesmas.

    3-Pelo que, é manifestamente ilegal e até criminalmente ilícita a sua realização coactiva, conforme despacho aqui recorrido.

    4-Uma vez que vai contra a inexistência de suporte Legal.

    5-Lacuna essa, que não pode pelo intérprete e aplicador ser colmatada, com um simples despacho, ora aqui recorrido.

    6-Se não, estaríamos quiçá no âmbito de usurpação de poderes/funções?

    7-Logo, é proibida a valoração das provas assim obtidas, ademais sem o consentimento do arg.º.

    8-Porque, vai contra a integridade pessoal do ora recorrente.

    9-E, porque assim é, não poderá ser esta obtida por meios coactivos, ou melhor, se assim for, esta prova realizada, não poderá a mesma ser utilizada nos autos como prova, por ser ilícita.

    10-Neste sentido, já se pronunciou o Professor Manuel da Costa Andrade, dizendo que “…no direito positivo vigente em Portugal não é juridicamente admissível impor a recolha coactiva de substâncias biológicas nem a sua ulterior e não consentida análise genética com vista à determinação do perfil genético para fins de processo criminal»

    11-Porque, não existe, no nosso ordenamento jurídico «uma lei específica que as autorize e prescreva o respectivo regime».

    12-Pelo exposto, o Mmº. Juiz de Instrução Criminal, ao proferir despacho de fls. ... dos autos, violou, entre outras, as normas contidas nos art.º 25, 26, n.º 1, e 32º, n.º 8, todos do CRP, no art.º 8º. da CEDH, no art.º 12.º da DUDH, no art.º 17º. do PIDCP e no art.º 126º., n.ºs 1 , 2, als. a) e c), e 3, bem como art.º 172, n.º1 e 2, ambos do CPP.

    O que se requer seja superiormente declarado.

    Requere-se sejam juntas certidões:

    1. Todo o processado destes autos, afim de melhor superiormente ser observado -e decidido o presente Recurso.

    - Documentos estes que devem subir com os autos de Recurso imediatamente com efeito suspensivo sob pena de se perder o seu efeito útil.”

    Na sua resposta, o Ministério Público pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso. De igual modo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto do Tribunal da Relação de Lisboa se pronunciou, no seu parecer, no mesmo sentido concluindo que

    “Sobre a questão se pronunciaram, designadamente os ACS. do TC nºs 155/2007 e 228/2007, ambos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt, concluindo pela exigência constitucional ou prévia autorização pelo juiz para a recolha coactiva dos vestígios biológicos.”

  2. O Acórdão recorrido, no que ora importa, dispõe que:

    “[…] 6. O objecto do recurso, tal como...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT