Acórdão nº 27/07 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução17 de Janeiro de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 27/2007

Processo n.º 784/05 2ª Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    AUTONUM 1.Em 18 de Setembro de 2003, A. foi submetida a julgamento no Tribunal Criminal da Comarca do Porto e condenada, por um crime de ofensas corporais simples, previsto e punido pelo artigo 142.º, n.º 1, do Código Penal de 1982, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 4€ (quatro euros), num total de 480€ (quatrocentos e oitenta euros), uma vez que o crime de ameaças pelo qual também fora acusada foi amnistiado pela Lei n.º 29/99, de 12 de Maio. Foi também condenada no pagamento à ofendida de €583,59 (quinhentos e oitenta e três euros e cinquenta e nove cêntimos) a título de danos patrimoniais, e de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais.

    A arguida recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, concluindo as alegações que apresentou aduzindo, entre o mais, o seguinte:

    “(…)

    1. A fundamentação da sentença produzida é insuficiente, porquanto esta deveria espelhar o teor e o sentido dos depoimentos que a arguida e as testemunhas de defesa fizeram em audiência, valorando-os, positiva ou negativamente, mas nunca deixando de os referir e de os examinar, ou de, pelo menos, afirmar que nenhuma relevância tiveram, sem o que a sentença recorrida não fez um exame crítico da prova produzida em audiência (art. 374.°, n.º 2, do Código de Processo Penal), o que a torna nula nos termos do disposto no art. 379.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal.

    2. Aliás, o entendimento que se possa retirar do vertido nos artigos supra citados no sentido de que o depoimento da arguida e das testemunhas não devem ser referidos na sentença nem dos mesmos ser feita uma análise crítica é violador do direito ao recurso e das garantias de defesa do arguido, violando tal entendimento o vertido no art. 32.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.”

    O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 16 de Março de 2005, confirmou a decisão recorrida, dizendo, para o que agora interessa, o seguinte:

    (…)

    No nosso caso a decisão foi pródiga na fundamentação, aprofundando as razões que determinaram a formação da convicção do tribunal acerca do acervo fáctico que acolheu como assente. A motivação não se limita a enunciar e elencar os meios de prova relevantes e decisivos, antes procedeu a uma análise crítica dessas provas, de modo que possibilita, agora, um olhar retrospectivo, que reconstitua o iter percorrido na decisão recorrida. Assim, estando em causa, no essencial, conforme refere a recorrente no pórtico do recurso da decisão final, a acção delituosa e o nexo de causalidade, temos que a decisão recorrida analisou e reputou relevantes os depoimentos da assistente e das múltiplas testemunhas interrogadas, pessoas das suas relações de amizade e vizinhas, o teor das 11 cassetes áudio juntas aos autos e que foram escutadas em audiência de julgamento, bem como o teor dos documentos de fls. 40 a 44, 87 a 106, 305 e 306, remetendo-se no mais para a pormenorizada motivação.

    Da motivação resulta, e por aí fica a recorrente a saber, quais os factos provados, as razões pelas quais o tribunal os deu como provados, permitindo à arguida todos os meios de defesa.

    O exame crítico basta-se com o fornecimento das informações suficientes a permitir perceber o processo lógico que subjaz à formulação da convicção do julgador, deixando ver a razão do apreço que cada um desses meios de prova mereceu. No caso, o Ex.mº juiz motivou a sua decisão ao longo de três páginas, retirando-se no essencial que determinante para o seu convencimento foi a audição das cassetes contendo as gravações das chamadas, o depoimento da ofendida, os depoimentos das testemunhas, sendo que estas disseram que a arguida foi a autora dos telefonemas, pois conhecem a sua voz e algumas até atenderam o telefone, que eram vizinhas e pessoas das relações da assistente e que a ofendida ficou nervosa e ansiosa, o seu estado de saúde piorou, em consequência da conduta da arguida.

    Este exame crítico é suficiente para se concluir que a decisão recorrida assentou na prova produzida e não é fruto de qualquer discricionariedade, arbitrariedade ou de uma leitura caprichosa da prova por parte do julgador. Se esse fosse o caso, o seu defensor, por certo, teria deitado mão de outro modo de impugnação.

    AUTONUM 2.A arguida apresentou então um requerimento dizendo que:

    (…) vem, nos termos dos artigos 69.º, 70.º, n.º 1, alínea b), n.ºs 2 e 3, 75.º, n.º 2, e 76.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, interpor recurso para o Tribunal Constitucional.

    Com efeito, mostrando-se esgotados os recursos ordinários – o recurso é admissível e tem a tramitação própria do recurso de apelação previsto pelo Código de Processo Civil, por força do art. 69º citado.

    Admitido o recurso no Tribunal a quo, foi proferido o despacho de aperfeiçoamento previsto no n.º 6 do artigo 75.º-A da Lei do Tribunal Constitucional. A recorrente respondeu nos seguintes termos:

    O recurso de constitucionalidade vem interposto da interpretação que se extraiu do disposto no art.° 374.°, n.° 2, e 379.°, n.° 1, al. a), do Código de Processo Penal no sentido de que não é necessária a menção na sentença do teor do depoimento da arguida e das testemunhas de defesa e, como tal, também não é necessário o exame crítico dessa mesma prova.

    Tal entendimento, no ver da recorrente, é inconstitucional por violação do direito ao recurso e das garantias de defesa (cfr. o art.° 32.°, n.° 1, da Constituição).

    A invocação da inconstitucionalidade da interpretação de tais normas consta das alegações de recurso da sentença e das conclusões 12.ª e 13.ª.

    No Tribunal Constitucional, foi determinada a produção de alegações,

    “ficando o objecto do recurso circunscrito à apreciação da constitucionalidade dos artigos 374.º, n.º 2, e 379º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de que não é necessária a menção na sentença do teor do depoimento da arguida e das testemunhas de defesa.”

    A recorrente produziu alegações, onde concluiu:

    1.ª O acórdão recorrido não faz alusão expressa ao art.º 32.°, n.º 1, da Constituição, que se acusa de violado pela interpretação que se fez do art.º 374.°, n.º 2, e 379.°, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, mas ainda que se considere que o tribunal recorrido não conheceu explicitamente da questão da constitucionalidade da interpretação de tais normas – o que não se concede –, o Tribunal Constitucional não está impedido de dela conhecer, porquanto “A aplicação da norma tanto pode ser expressa com implícita (Acs. 88/86, 47/90, 253/93)”, sendo certo que “o não conhecimento por parte de um Tribunal da inconstitucionalidade de uma norma, quando podia e devia fazê-lo, equivale a aplicação implícita da mesma (Ac. 318/90)” – cfr. Breviário de Direito Processual...

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