Acórdão nº 52/18.7JDLSB.E3 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelCARLOS DE CAMPOS LOBO
Data da Resolução10 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção) I – Relatório 1.

No processo nº 52/18.7JDLSB da Comarca de Santarém – Juízo de Competência Genérica do Cartaxo, foi deduzida acusação contra o arguido, AA, solteiro, empregado de armazém, filho de BB e de CC, nascido a .../.../1987, em ..., a cumprir pena de prisão no Estabelecimento Prisional ..., imputando-lhe a prática de um crime de importunação sexual, previsto e punido pelo artigo 170.º, do Código Penal.

Na sequência do julgamento efetuado, foi proferida sentença, decidindo: a) alterar a qualificação jurídica dos factos constantes da acusação pública, imputando ao arguido a prática de um crime de coação sexual, previsto e punido pelo artigo 163.º, n.º 2, do Código Penal, na redacção dada pela Lei n.º 83/2015, de 5 de Agosto – artigo 358.º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Penal; b) condenar o arguido AA pela prática, a 6 de Fevereiro de 2018, de um crime de coação sexual, previsto e punido pelo artigo 163.º, n.º 2, do Código Penal, na redacção dada pela Lei n.º 83/2015, de 5 de Agosto – artigo 358.º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período; c) condenar o arguido a pagar à ofendida DD uma indemnização no valor de € 700 (setecentos euros).

  1. Inconformado com o decidido recorreu o arguido, quer do despacho interlocutório que entendeu improcedente nulidade por si invocada, quer da sentença prolatada, concluindo: (transcrição) i) Despacho interlocutório 1. A douta magistrada do Ministério Público requereu a alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação no final da fase de audiência de Julgamento e com a prova já produzida.

  2. O arguido deixou de estar acusado pelo crime de importunação sexual ao qual correspondia uma pena de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias , para passar a estar acusado de um crime de coação sexual p.p. pelo artº 163º nº2 do CPP ao qual corresponde uma pena de prisão até 5 anos.

  3. O douto tribunal procedeu à alteração da qualificação juridica dos factos e aplicou o disposto no artº 358º nº1 do CPP.

  4. O arguido requereu a nulidade de tal despacho por violar o disposto no artº 359º nº 1 e artº 32º nº5 da C.R.P.

  5. O arguido entende que houve uma alteração substancial dos factos e não uma alteração não substancial dos factos, como decorre do despacho do douto tribunal a quo, de que se recorre.

  6. O artº 1º f) do C.P.P. define “Alteração substancial dos factos” aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.

  7. Aliás, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu no acórdão de 2/12/2009 que “A alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação que tenha por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis constitui alteração substancial dos factos”.

  8. “Ora tendo em conta que no artº 1º alínea f) do CPP se refere que “Alteração substancial dos factos aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis” temos de concluir que o Tribunal Coletivo do Funchal comunicou aos arguidos uma alteração substancial dos factos e não uma alteração não substancial dos factos, devendo por isso ter dado cumprimento ao disposto no artº 359 do C.P.P:. Apesar de ter havido comunicação aos arguidos desta alteração não lhes foi comunicado expressamente que a mesma consistia num agravamento da pena inicialmente prevista, facto que está bem patente se verificarmos a pena concreta que foi aplicada ao arguido L.”7 9. “Sobre este assunto se pronunciou o Tribunal Constitucional referindo no processo nº 463/2004 ( Benjamim Rodrigues) de 23 junho 2004, o seguinte: “Julga inconstitucional , por violação dos artº 32º nº1 e 5 da Constituição da República Portuguesa, a norma do artº 359 do Código de Processo Penal quando interpretada no sentido de, em situações em que o tribuna de julgamento comunica ao arguido estar-se perante uma alteração não substancial de factos descritos na acusação, quando o silêncio do arguido ter havido como acordo com a continuação de julgamento.” 10. Como não se observou o formalismo exigido pelo artº 359º nº1 e nº3 do CPP, o despacho do douto tribunal a quo está ferido de nulidade , uma vez que o artº 359º do CPP constitui uma concretização do artº 32º nº 1 e 5 do C.R.P.

  9. Por isso, existe uma violação da garantia do exercício do direito ao contraditório e da defesa em geral. Tal violação constitui uma nulidade nos termos do artº 32º n 1 e 5 da C.R.P.

  10. O arguido gizou uma estratégia tendo em conta que considerava que os elementos de facto constantes na acusação não preenchiam o tipo do crime pelo qual vinha acusado e que era o crime de importunação sexual p.p. pelo artº 170 do C.P. e ao qual correspondia apenas uma pena de prisão até 1 ano ou multa.

  11. Em face de tal situação o arguido prescindiu de requerer a abertura de instrução e de produzir outras provas que não se coadunam com prazos curtos.

  12. Agora com a alteração da qualificação jurídica dos factos, o arguido vê-se acusado de um crime de coação sexual ao qual corresponde uma pena mais grave, isto é, uma pena de prisão até 5 anos.

  13. O arguido está agora impedido de requerer a abertura de instrução e por isso, ficou privado do exercício de um direito de defesa que usaria se estivesse acusado, desde o ínicio, por um crime de coação sexual.

  14. O arguido vê-se agora confrontado com uma situação surpresa e inesperada.

  15. A alteração da qualificação jurídica dos factos na fase final de julgamento implicou o sacrifício de um direito de defesa do arguido, nomeadamente o direito de exercer a abertura de instrução e de determinação de uma estratégia mais adequada ao crime mais grave ( crime de coação sexual).

  16. O arguido ficou impedido de requerer a abertura de instrução, ficando prejudicado o exercício do direito de defesa consagrado no artº 32º nº 1 e 5 da C.R.P.

  17. Além disso, o arguido ficou privado do direito a um processo justo e do acesso ao direito consagrado no artº 20º nº1 e 4º da C.R.P.

  18. Ao ficar impedido de requerer a abertura de instrução e de outras provas de uma forma mais atempada, o arguido ficou privado de beneficiar de um processo justo, pelo que foi violado o artº 6º nº 1 da C.E.D.H.

  19. Desta forma, o douto despacho do Tribunal a quo violou o disposto no artº 32º nº1 e 5 , 20º nº1 e 4 da C.R.P. e ainda o artº 6º da C.E.D.H.

  20. O arguido goza do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de custas e demais encargos, bem como a isenção de pagamento de honorários à advogada nomeada.

    Assim, nestes termos e nos melhores de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso , e por via dele, ser revogado o douto despacho de que se recorre, e em consequência decidir pela sua nulidade, uma vez que por via dele , procedeu à alteração substancial dos factos contidos na acusação, violando o artº 359º.

    ii) Sentença 1. A sentença do douto Tribunal a quo decidiu julgar a acusação procedente por provada e em consequência: Condenar AA, pela prática de um crime de coação sexual, previsto e punido pelo artigo 163.º nº 2 do C.P, na pena de 1 ano e meses de prisão suspensa a sua execução por igual período; 2. Conforme dispõe o artigo 374.º, n.º 2 do CPP, a fundamentação da sentença consiste na enumeração dos factos provados e não provados, bem como na exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

  21. Existe uma obrigatoriedade de indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e do seu exame crítico, de forma a garantir que na sentença se seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, e que a decisão sobre a matéria de facto não é arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência.

  22. O douto tribunal a quo não procedeu à indicação das provas a partir das quais formou a sua convição para condenar o recorrente, nem tão pouco operou um exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção.

  23. As provas não estão associadas ou referenciadas aos hipotéticos factos praticados pelo recorrente, surgem desgarradas na douta sentença, o que não permite conhecer o processo lógico racional prosseguido pelo douto tribunal a quo, nem tão pouco identificar as provas consideradas relevantes para formar a sua convicção na respetiva decisão.

  24. O recorrente desconhece quais foram as provas que o douto tribunal a quo se serviu para condenar o recorrente, e desconhece , porque tal não foi indicado, se fundamentou a sua decisão nalguma prova proibida, bem como não foi realizado qualquer indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, nem tão puco evidencia o respetivo processo lógico racional que conduziu à condenação do recorrente.

  25. Assim, o douto tribunal a quo não procedeu à fundamentação exigida no artº 374º nº2 do C.P.P, dado que a falta do exame critico não permitiu indicar o caminho das razões de ciência e de todos os outros elementos que foram relevantes na perspetiva do tribunal a quo, para se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal.

  26. Desta forma, o douto tribunal a quo violou o disposto no artº 374º nº 2 do C.P.P. e por isso a sentença é nula por força do artº 379º a) do C.P.P.

  27. O douto tribunal a quo interpreta o artº 374ºnº 2 do CPP no sentido de que não se encontra obrigado a enunciar as razões de ciência das provas que serviram para formar a sua convicção, nem realizar o seu exame crítico, o que impossibilita a reapreciação da sua decisão por um tribunal superior, pois impede o conhecimento do modo e o processo de formulação do juízo lógico nele contido e que determinou o sentido da decisão (os...

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