Acórdão nº 0743295 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Outubro de 2007
Data | 24 Outubro 2007 |
Órgão | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:*No processo sumaríssimo nº ..../06.5TAMTS, do .º Juízo Criminal de Matosinhos, o Ministério Público acusou o arguido B.......... da prática, em autoria material, de 1 crime de burla para obtenção de serviços, previsto no Art. 220º, nº 1, alínea c), do Código Penal, requerendo o seu julgamento em Tribunal singular.
Pelo Senhor Juiz, foi a folhas 26 proferido despacho de recebimento da acusação e de concordância com a sanção proposta.
Entretanto, a folhas 35 e seguintes, o mesmo Senhor Juiz proferiu despacho no qual, resumidamente, entende estar antes perante um ilícito contra-ordenacional e não criminal, pelo que a respectiva conduta é juridicamente irrelevante e como tal deve ficar impune; no final, declara extinto o respectivo procedimento criminal.
* *Deste despacho recorre agora o Ministério Público, apresentando as seguintes conclusões (que balizam e limitam o âmbito e o objecto do processo):*1 - A lei nº 28/2006 de 4 de Julho veio aprovar o «regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de transportes colectivos de passageiros», sendo que nos termos do art. 15.° do citado diploma, foi expressamente revogado o Decreto-Lei n.° 108/78 de 24 de Maio, anteriormente regulador das transgressões e contravenções naquele domínio; 2 - Com a sua entrada em vigor não foi revogado o disposto no art. 220.°, nº 1, al. c) do Código Penal que, antes como agora, prevê no tipo legal de ilícito elementos que não estão elencados no tipo objectivo da transgressão (actualmente contra-ordenação), como seja a circunstância de o agente se recusar a solver a dívida; 3 - Já antes da entrada em vigor da nova lei se colocava a questão de saber se o crime e a transgressão coexistiam ou se apenas se verificava a segunda, tendo-se concluído que ambos os ilícitos podiam coexistir já que o crime do art. 220.°, n.° 1 al. c) do Código Penal exigia um mais relativamente à transgressão, designadamente a negação em solver a dívida; 4 - A Lei n.° 28/2006 dispõe no art. 14.° sobre o regime transitório sendo que apenas foi acautelado em tal preceito aquele regime no que diz respeito às contravenções e transgressões anteriormente previstas nada tendo o legislador dito a propósito das questões de natureza criminal, designadamente, quanto à hipótese de verificação do tipo de ilícito previsto no citado art. 220.°, n.° 1 al. c) do Código Penal; 5 - Pelo que se conclui que a citada Lei ri. 28/2006 apenas veio transformar em contra-ordenação a utilização de transporte colectivo de passageiros sem título válido para o efeito, sendo que (para o que aqui interessa) os elementos objectivos do ilícito contra-ordenacional não sofreram qualquer alteração relativamente ao antigo regime das transgressões e contravenções; 6 - Nessa medida, continua a ter plena aplicação o disposto no art. 220°, n.° 1, al. c) do Código Penal quando o agente utilize transporte colectivo de passageiros e se verifiquem os restantes elementos objectivos do tipo de ilícito, designadamente, a recusa em solver a dívida já que esta recusa não faz parte do tipo legal do ilícito contra-ordenacional; 7 - Ora, considerando a factualidade constante do texto da acusação dos autos, conclui-se sem margem para dúvida que a mesma é susceptível de se enquadrar no âmbito do preceituado no art. 220.°, n.° 1, al. c) do Código Penal, sendo irrelevante para o caso a entrada em vigor da citada Lei n.° 28/2006; 8 - Pelo que, o despacho recorrido violou o preceituado nos art.s 9.° do Código Civil, 2.°, n.° 2 e 220.°, n.° 1, al. c) do Código Penal e 7 14.° e 15.° da Lei n.º 28/2006 de 4 de Julho; 9 - Devendo o mesmo ser revogado e substituído por outro que ordene a prossecução dos autos para conhecimento do paradeiro do arguido ou caso o mesmo não venho a ser encontrado, para remessa dos mesmos para a forma comum tendo em vista a realização de julgamento.
*Recebido o recurso, não houve resposta.
Já neste Tribunal, o Senhor Procurador-geral Adjunto fez juntar o seu parecer, no qual entende que o recurso deve merecer provimento, devendo ser revogado o despacho e proferido outro ajustado à tramitação processual a observar no momento em que aquele foi elaborado.
*É este o teor do despacho sob censura:*Vem o arguido(a) acusado/a da prática de um crime de burla para obtenção de serviços, previsto e punido pelo artigo 220°, n.° 1, al. c), do Cód. Penal.
Nos termos desta disposição legal, na parte que nos interessa, "Quem, com intenção de não pagar, utilizar meio de transporte (...) sabendo que tal supõe o pagamento de um preço e se negar a solver a dívida contraída é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias. ".
Entretanto, entrou em vigor no passado dia 4 de Novembro a lei 28/2006, de 4.07 E, de acordo com o art° 1° desta Lei n.° 28/2006 que "A presente lei estabelece as condições de utilização do título de transporte válido nos transportes colectivos, as regras de fiscalização do seu cumprimento e as sanções aplicáveis aos utilizadores em -caso de infracção." (sublinhado nosso). Da análise desta disposição legal é desde logo possível intuir-se uma pretensão de regulamentação globalizante desta temática, tendo-se como se disse, através do respectivo artigo 15° revogado na íntegra o Decreto-Lei n.° 108/78 e ainda o n.° 1 do artigo 43° do Regulamento para a Exploração e Polícia dos Caminhos de Ferro, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 39780/1954, de 21 de Agosto, cujo conteúdo era semelhante, mas aplicável no âmbito dos caminhos-de-ferro, com regulamentação expressamente diferenciada do pretérito Decreto-Lei n.° 1008/78.
No mais, estatui-se da mesma forma que é obrigatória a detenção de título de transporte válido (cfr. artigo 2°, n.° 1), sendo a violação desta norma agora sancionada, em termos gerais, nos termos do artigo 7°, n.° 1, nos moldes seguintes: "A falta de título de transporte válido, a exibição de título de transporte inválido ou a recusa da sua exibição na utilização do sistema de transporte colectivo de passageiros, em comboios, autocarros, troleicarros, carros eléctricos, transportes fluviais, ferroviários, metropolitano e metro ligeiro, é punida com coima de valor mínimo correspondente a 100 vezes o montante em vigor para o bilhete de menor valor e de valor máximo correspondente a 150 vezes o referido montante, com o respeito pelos limites máximos previstos no artigo 170 do regime geral do ilícito de mera ordenação social e respectivo processo, constante do Decreto-Lei n. 433/1982, de 27 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.° 356/1989, de 17 de Outubro, Decreto-Lei n.° 244/1995, de 14 de Setembro, e Decreto-Lei n.° 323/2001, de 17 de Dezembro, e pela Lei n.° 109/2001, de 24 de Dezembro, e sem prejuízo do disposto no n.° 3 do presente artigo." (sublinhados nossos).
Dos termos desta disposição legal é desde logo de realçar o sancionamento com coima (e já não com multa), a declaração marcada que a infracção "é punida" como tal, e a referência expressa ao regime do ilícito de mera ordenação social previsto no Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro, que, aliás, é inclusivamente estabelecido como regime legal subsidiário, nos termos do subsequente artigo 12°. Do que se vem dizendo até agora fica assim definitivamente afastado, pelo menos, o sancionamento a título de contravenção.
Prosseguindo na nossa análise, temos que se mantém a possibilidade de pagamento voluntário da coima, quer logo perante o agente de fiscalização, quer num posterior prazo de cinco dias úteis (cfr. artigo 9°, n.° 1). No entanto, caso o agente não use desta faculdade, verifica-se aqui uma diferença de monta face ao anterior regime constante do Decreto-Lei n.° 108/78: estabelece agora o subsequente n.° 2 que, nestes casos, "a empresa exploradora do serviço de transporte em questão envia o auto de notícia à entidade competente, que instaura, no âmbito da competência prevista na presente lei o correspondente processo de contra-ordenação e notifica o arguido, juntando à notificação duplicado do auto de notícia.". Diferentemente, nos termos do pretérito Decreto-Lei n.° 108/78 (artigo 5°, n.° 5), "Findo o prazo a que se refere o n.° 1 (prazo de pagamento voluntário) e sem que o pagamento tenha sido efectuado, será o original do auto enviado ao Tribunal da Comarca do lugar da infracção".
A diferença é relevante na medida em que, agora de forma totalmente invalidada, se escreveu no Acórdão da Relação de Lisboa de 18 de Novembro de 2004, relatado por Francisco Caramelo, e no Acórdão da Relação do Porto de 22 de Janeiro de 2004, relatado por Almeida Cabral, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, que a remessa do auto para o tribunal nos termos do artigo 5°, n.° 5, do Decreto-Lei n.° 108/78 só se entenderia como sendo-o para efeitos de procedimento criminal, também como forma de não resultar esvaziada a norma do artigo 220°, n.° 1, al. c) do Cód. Penal.
Assim, como se viu, em caso algum há na actualidade remessa do auto para o tribunal nesta fase, mas sim para a entidade competente para o subsequente processo contra-ordenacional, que é, nos termos do artigo 10° da Lei n.° 28/2006, e conforme os casos, a Direcção-Geral dos Transportes Terrestres e Fluviais ou o Instituto Nacional do Transporte Ferroviário.
Prosseguindo, estabelece a nova lei em sujeito, no respectivo...
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