Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro de 1995

Decreto-Lei n.° 244/95 de 14 de Setembro Consagrado a partir de 1979, o ilícito de mera ordenação social tem vindo a assumir uma importância antes dificilmente imaginável.

Com efeito, a par do programa de descriminalização desde então gizado, com a inerente transformação em contra-ordenações de muitas infracções anteriormente qualificadas como contravenções ou como crimes, regista-se um crescente movimento de neopunição, com o alargamento notável das áreas de actividade que agora são objecto de ilícito de mera ordenação social e, do mesmo passo, com a fixação de coimas de montantes muito elevados e a cominação de sanções acessórias especialmente severas. Compreensivelmente, não pode o direito de mera ordenação social continuar a ser olhado como um direito de bagatelas penais.

É nesta perspectiva que deve entender-se a presente reforma do regime geral das contra-ordenações, especialmente orientada para o efectivo reforço das garantias dos arguidos perante o crescente poder sancionatório da Administração. Por outro lado, cumpre acentuar a eficácia do sistema punitivo das contra-ordenações, tão mais necessário quanto mais extenso o domínio de intervenção e a relevância daquele sistema na ordenação da vida comunitária.

Por último, afigura-se adequado, no momento presente, proceder ao aperfeiçoamento da coerência interna do regime geral de mera ordenação social, bem como da coordenação deste com o disposto na legislação penal e processual penal.

Em rápida síntese, cabe agora descrever as principais alterações consagradas no presente diploma.

Em ordem ao reforço dos direitos e garantias dos arguidos, destacam-se a fixação de regras sobre a atenuação especial da coima e a previsão de tal atenuação nos casos de tentativa e cumplicidade, bem como a revisão do regime das sanções acessórias, estabelecendo com rigor os respectivos pressupostos e, em especial, fazendo depender a sua aplicação de uma ligação relevante com a prática da contra-ordenação.

Mais ainda, reduzem-se os prazos de prescrição da coima, elimina-se a previsão da possibilidade de detenção para identificação do agente de uma contra-ordenação e procede-se a uma explicitação mais rigorosa dos direitos fundamentais de audiência e defesa do arguido.

Deve, a este propósito, ser também referida a revisão do disposto sobre apoio judiciário, o reforço do dever de fundamentação de decisão administrativa, assim como da decisão judicial, o alargamento significativo do prazo para impugnação da decisão administrativa - esclarecendo regras sobre o modo como deve contar-se - e do prazo de recurso da decisão judicial, o estabelecimento da proibição da reformatio in pejus e, por último, a previsão da obrigação de restituir os montantes pagos a título de coima em caso de caducidade da decisão administrativa, devida a decisão judicial incompatível com aquela.

No sentido de garantir uma maior eficácia do sistema, são de sublinhar a alteração dos limites mínimos e máximos das coimas, tendo em conta a evolução do índice de preços ao consumidor desde a actualização de 1989, a inclusão da referência ao benefício económico retirado da infracção entre os critérios gerais de medida da coima, a par da previsão como circunstância qualificativa do benefício económico, nos casos em que este excede o limite máximo da coima , e ainda a fixação de um cúmulo jurídico das coimas, em caso de concurso de contra-ordenação, com equiparação entre concurso ideal e concurso real.

Em particular, procede-se à revisão do regime do pagamento voluntário da coima, esclarecendo-se que não fica precludida a aplicação de sanções acessórias, e aperfeiçoam-se quer o regime atinente ao processo de aplicação administrativa das coimas e das sanções acessórias, ao processo judicial de aplicação de tais sanções e aos recursos das decisões, quer as regras em matéria de execução da coima e das sanções acessórias, de custas e de taxa de justiça.

No plano da intensificação da coerência interna do regime geral de mera ordenação social e da respectiva coordenação com a legislação penal e processual penal, devem salientar-se, entre outros aspectos, a introdução de uma distinção clara entre a apreensão, as medidas de natureza provisória e a perda com efeitos definitivos, a clarificação do regime de perda e da apreensão de objectos perigosos, a fixação de regras sobre a suspensão da prescrição do procedimento e a interrupção da prescrição da coima, para além da substituição do chamado processo de advertência pela previsão da sanção de admoestação.

Alteram-se ainda as regras sobre competência territorial do tribunal para conhecer da impugnação da decisão da autoridade administrativa, de modo a aproximá-las às regras equivalentes do Código de Processo Penal. Em simultâneo, estabelece-se, em sede de impugnação da decisão administrativa, a obrigatoriedade da presença do Ministério Público na audiência, atribuindo-se a esta entidade a competência para promover a prova, clarificando-se também o regime da retirada da acusação e do recurso. É, do mesmo passo, eliminada a referência ao 'trânsito em julgado da decisão definitiva', passando a utilizar-se a expressão 'carácter definitivo da decisão', ou equivalente.

Apesar das significativas alterações introduzidas, optou-se por manter inalterada a estrutura formal do diploma agora revisto, bem como a numeração do articulado, o que facilitará a sua aplicação pelos operadores deste sector do jurídico.

A ideia de Estado de direito constitucionalmente assumida postula a limitação do poder sancionatório das entidades públicas pelo princípio da proporcionalidade, do mesmo modo que exige o respeito, na prossecução do interesse público, pelos direitos, liberdades e garantias individuais.

Espera-se que a inserção do presente diploma no ordenamento português contribua para conciliar a eficácia do ilícito de mera ordenação social com o progresso na construção, que deve ser tarefa permanente da comunidade, de um verdadeiro Estado de direito.

Procede-se também à publicação integral do texto resultante das modificações introduzidas.

Assim: No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.° 13/95, de 5 de Maio, e nos termos das alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 201.° da Constituição, o Governo decreta o seguinte: Artigo 1.° Os artigos 1.°, 3.°, 4.°, 9.°, 13.°, 16.° a 19.°, 21.° a 27.°, 29.°, 33.°, 35.°, 38.°, 39.°, 41.°, 45.°, 49.° a 51.°, 53.°, 56.°, 58.° a 62.°, 64.°, 65.°, 68.° a 76.°, 78.° a 83.°, 85.° e 87.° a 95.° do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.° 356/89, de 17 de Outubro, passam a ter a seguinte redacção: Artigo1.° [...] Constitui contra-ordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima.

Artigo3.° [...] 1 - A punição da contra-ordenação é determinada pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que depende.

2 - Se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada.

3 - Quando a lei vale para um determinado período de tempo, continua a ser punida a contra-ordenação praticada durante esse período.

Artigo4.° [...] Salvo tratado ou convenção internacional em contrário, são puníveis as contra-ordenações: a) Praticadas em território português, seja qual for a nacionalidade do agente; b) Praticadas a bordo de aeronaves ou navios portugueses.

Artigo9.° [...] 1 - ......................................................................................................................

2 - Se o erro lhe for censurável, a coima pode ser especialmente atenuada.

Artigo13.° [...] 1 - (Anterior corpo do artigo.) 2 - A tentativa é punível com a coima aplicável à contra-ordenação consumada, especialmente atenuada.

Artigo16.° [...] 1 - ......................................................................................................................

2 - ......................................................................................................................

3 - É aplicável ao cúmplice a coima fixada para o autor, especialmente atenuada.

Artigo17.° [...] 1 - Se o contrário não resultar de lei, o montante mínimo da coima aplicável às pessoas singulares é de 750$ e o máximo de 750 000$.

2 - Se o contrário não resultar de lei, o montante máximo da coima aplicável às pessoas colectivas é de 9 000 000$.

3 - Em caso de negligência, se o contrário não resultar de lei, os montantes máximos previstos nos números anteriores são, respectivamente, de 375000$ e de 4 500 000$.

4 - Em qualquer caso, se a lei, relativamente ao montante máximo, não distinguir o comportamento doloso do negligente, este só pode ser sancionado até metade daquele montante.

Artigo18.° [...] 1 - A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade a contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação.

2 - Se o agente retirou da infracção um benefício económico calculável superior ao limite máximo da coima, e não existirem outros meios de o eliminar, pode este elevar-se até ao montante do benefício, não devendo todavia a elevação exceder um terço do limite máximo legalmente estabelecido.

3 - Quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade.

Artigo19.° [...] 1 - Quem tiver praticado várias contra-ordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infracções em concurso.

2 - A coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso.

3 - A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contra-ordenações.

Artigo21.° [...] 1 - A lei pode, simultaneamente com a coima, determinar as seguintes...

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