Acórdão nº 06P3664 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Dezembro de 2006

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução13 de Dezembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Em acórdão proferido no processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 27/05. 6, do 2º Juízo da comarca de Torres Vedras, foram declarados perdidos a favor do Estado, entre outros bens, os veículos automóveis TE, marca Mercedes, e EN, marca VW (1).

Interpôs recurso CC, devidamente identificado, recurso circunscrito à vertente da decisão que declarou perdido a favor do Estado o veículo TE.

São do seguinte teor as conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada: 1. O douto acórdão final condenatório do Tribunal Colectivo de fls.1751 a 1776 dos autos veio decidir o perdimento a favor do Estado do veículo automóvel da marca Mercedes-Benz, modelo C220 CDI, com a matrícula TE, de que é proprietário o ora recorrente CC, interveniente acidental e pai do arguido AA.

  1. O perdimento foi decretado sem que tenha resultado provado que o recorrente tivesse conhecimento da actividade ilícita levada a cabo pelo seu filho quando em posse do veículo.

  2. Da discussão da causa e com relevo para a decisão respeitante ao destino a dar aos bens apreendidos ao arguido AA, o tribunal colectivo considerou assente (cf. fls.6, 7, 11 e 16 do douto acórdão): que no dia 7 de Junho de 2005 os arguidos BB e AA se encontraram na Malveira, conduzindo ao arguido AA o veículo Mercedes, modelo C220, com a matrícula TE; que o arguido BB retirou do seu carro a cocaína que trazia consigo para entregar ao AA e entrou no veículo deste, momento em que foram abordados por inspectores da Polícia Judiciária, trazendo o arguido AA consigo estupefacientes, algumas quantias em dinheiro e uma pistola; duas navalhas e três telemóveis.

  3. E ainda que, na motivação da decisão: "(...) o Mercedes, que [o arguido AA] utilizava habitualmente (...) foi inequivocamente adquirido e pago pelos pais (...)".

  4. Nem o recorrente nem a sua mulher são ou foram arguidos nos autos, sendo que não se levantou dúvida sobre a titularidade do veículo Mercedes C220 (veículo que o recorrente adquiriu com o seu dinheiro), face aos documentos juntos aos autos e por tal ter sido considerado provado em audiência de discussão e julgamento (cf. 2º parágrafo de fls. 16 do douto acórdão).

  5. Não constou da acusação pública que o recorrente tivesse doado o veículo ao seu filho, arguido AA, tendo aquele alegado nos mesmos que apenas lho emprestava quando o solicitava, o que explica ter o arguido sido visto na sua posse por diversas vezes - conforme depoimentos de várias testemunhas em juízo.

  6. Não restam dúvidas de que, uma vez que o ora recorrente não foi acusado de ter conhecimento da actividade criminosa desenvolvida pelo arguido AA, sendo tal ignorância desculpável e não tendo tal alegação sido posta em dúvida em audiência de discussão e julgamento, forçoso é considerar tratar-se aquele de um terceiro de boa fé, que não concorreu, de forma censurável, para a utilização do veículo para fins ilícitos e que não retirou quaisquer vantagens do facto.

  7. Pelo que não se encontram preenchidos os pressupostos de facto enunciados na previsão normativa dos artigos 36º-A, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e 110º, do Código Penal.

  8. Ao determinar a perda do veículo a favor do Estado do automóvel do ora recorrente, a douta decisão recorrida violou os artigos 36º-A, do Decreto-Lei n.º 15/93, e 110º, do Código Penal, bem como o artigo 62º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

  9. No sentido do acima propugnado, maxime no que respeita à manifesta insuficiência da matéria de facto considerada provada para fundamentação da decisão ora recorrida, veja-se a jurisprudência firmada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14/04/1994, segundo a qual: «Actualmente, face ao Decreto-Lei n.º 15/93, para que possa ser declarada a perda dos objectos que serviram ou se destinavam a servir para a prática do crime, é necessário que eles, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, ponham em perigo a segurança das pessoas ou a ordem pública ou ofereçam sério risco de serem utilizados para cometimento de novos crimes.

(...) Provando-se apenas que o arguido utilizava o automóvel no transporte de estupefacientes, não pode ser declarado perdido a favor do Estado.

» O recurso foi admitido.

Na contra-motivação apresentada a Exm.ª Procuradora da República formulou as seguintes conclusões:

  1. O artigo 35º, n.º 1, do DL 15/93, com as alterações introduzidas pela Lei 45/96, impõe, como regra geral, que sejam "declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tivessem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista" naquele diploma.

  2. O artigo 36º-A, do mesmo diploma, consagra a possibilidade duma tal regra ser afastada quando, pertencendo os bens a terceiro, este não saiba que eles se achavam nalguma das situações do referido artigo 35º, n.º 1, sem que um tal desconhecimento lhe seja censurável.

  3. Para que a regra geral do perdimento seja afastada, mister é que o terceiro prove, quer a titularidade do bem, quer a sua boa fé, prova essa que lhe cumprirá fazer no incidente autuado em apenso.

  4. Só provado tal, deixará o bem de ser declarado perdido a favor do Estado para ser entregue ao respectivo dono.

  5. Ao declarar perdida a favor do Estado viatura registada a favor do recorrente, sem que se mostrasse findo o incidente no qual aquele solicitara a respectiva entrega invocando a sua boa fé, o tribunal coarctou a possibilidade legal daquele fazer prova da sua propriedade e da sua boa fé, violando o disposto no artigo 36º A, do DL 15/93.

  6. Assim, deverá revogar-se o acórdão na parte em que decretou o perdimento a favor do Estado do veículo Mercedes C220.

  7. O facto de não ter sido feita a prova da boa fé do recorrente nos autos principais e de o acórdão ser omisso quanto a tal factualidade, não legitima que seja decretado o levantamento da apreensão e ordenada a entrega do bem ao recorrente.

  8. O destino do bem deverá ser apreciado no âmbito do incidente originado em novo requerimento a formular pelo requerente nos termos do artigo 36º A, da Lei da Droga, acaso seja revogada a declaração de perdimento constante do acórdão.

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto na vista que teve nos autos, após uma referência à validade e regularidade do recurso, promoveu a designação de dia para audiência.

Colhidos os vistos legais e realizada a audiência, cumpre decidir.

Única questão colocada...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
5 temas prácticos
5 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT