Acórdão nº 23/11.4 GAAGD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelBRÍZIDA MARTINS
Data da Resolução07 de Março de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório.

1.1. O arguido A...

, já entretanto mais identificado nos autos e a cuja ordem se encontra na situação de prisão preventiva desde 4 de Junho de 2011 [fls. 36/50 e 369/370], foi submetido a julgamento, conjuntamente com um outro arguido, ora não recorrente, sob a aludida forma de processo comum colectivo, porquanto acusado (s) pelo Ministério Público da prática indiciária de factos que o (s) instituiria (m) na co-autoria material consumada de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido (p. e p.) pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

Findo o contraditório, por aresto adrede proferido, e ao que ora releva, foi decidido condenar-se o arguido enquanto autor do aludido ilícito, p. e p. pelo citado art.º 21.º, n.º 1, na pena de 5 (cinco) anos de prisão efectiva. Mais foi então determinada a perda a favor do Estado do veículo automóvel de matrícula ..., apreendido a tal arguido A....

1.2. Desavindo apenas com o segmento do acórdão que assim o sentenciou, recorre o arguido, extraindo do requerimento através do qual minutou a discordância, a seguinte ordem de conclusões: 1. A tipificação do art.º 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, visa permitir ao julgador que encontre a medida justa de punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilicito justificativo do art.º 21.º e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas nesse art.º 25.º.

  1. A modalidade e as circunstâncias da acção neste caso justificam que o recorrente seja punido pelo crime de tráfico de menor gravidade previsto no art.º 25.º. Factores como a organização ou a logística, a modalidade ou circunstâncias da acção (tráfico ocasional ou de circunstância, tráfico habitual, a intensidade do tráfico e a repetição de vendas), isto é, o grau de perigosidade para a difusão da droga, a qualidade das substâncias ou preparados, a quantidade da droga transaccionada, os montantes pecuniários envolvidos, ou ainda a personalidade do arguido (se o arguido é ou não consumidor ou tóxico-dependente, o facto de o arguido fazer do tráfico de droga o seu modo de vida), preenchem o conceito vago de menor gravidade previsto naquela disposição legal.

  2. Nenhum daqueles factores que denotam maior perigosidade e merecem, por isso, maior censura foi dado como provado, não se tendo apurado ainda que o arguido destinava o produto estupefaciente à venda a terceiros e muito menos que se dedicava de forma habitual e reiterada à venda destas substâncias fazendo disso modo de vida, não tendo sido identificado ninguém como adquirente nem tendo sido apreendido montante pecuniário na posse do arguido que indiciasse minimamente tal actividade, pelo que nos parece que as circunstâncias do crime em apreço são precisamente as circunstâncias que ditam a sua subsunção ao subtipo de crime privilegiado previsto no art.º 25.º, dada afinal a existência de uma ilicitude consideravelmente diminuída.

  3. Recorde-se a versão do arguido, referindo que um terceiro lhe tinha dado a droga para transportar em troca de um valor em dinheiro. Ora, a droga foi encontrada acomodada num saco, em bruto e sem sequer se encontrava dividida em doses como é característico do produto estupefaciente preparado para venda e como já se referiu atrás, também não foram encontrados montantes pecuniários que pudessem ser associados à venda daquele produto.

  4. Não parece razoável e conforme a interpretação do Tribunal a quo de que a simples detenção de cocaína é suficiente para ignorar todos os outros factores que indicam uma ilicitude consideravelmente diminuída, tanto mais que o arguido não tem quaisquer antecedentes criminais relevantes.

    Cumpre relembrar que a única certeza alcançada pelo Tribunal foi a mera detenção e transporte do produto estupefaciente pelo arguido, tendo tal facto sido referido sucessivas vezes na argumentação constante do acórdão de que se recorre.

  5. A conduta do recorrente deverá ser enquadrada no tipo legal do art.º 25.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, sendo condenado em pena próxima dos três anos e suspensa na sua execução.

  6. São exclusivamente razões de prevenção geral e especial que determina a suspensão ou não da execução da pena de prisão. Nos termos do art.º 50.º, n.º 1, do Código Penal, o Tribunal tem deste modo que formular um juízo de prognose acerca da possibilidade de a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, o que implica que o Tribunal deve poder concluir no sentido de haver esperança de que o arguido, em liberdade, irá aderir a um processo de socialização.

  7. Tendo em conta a condição sócio-económica e cultural do recorrente, bem como as circunstâncias do contexto familiar e do contexto sócio-residencial onde cresceu; o facto de apesar das dificuldades sempre ter procurado emprego, tendo desempenhado diversas actividades desde cedo; e tendo também em consideração os relacionamentos no plano afectivo, a verdade é que o arguido, pese todas as dificuldades sempre procurou levar uma vida digna sem nunca ter recorrido à delinquência.

  8. Assim, a inexistência de antecedentes criminais de relevo, a inserção familiar do arguido, o facto de o mesmo ter confessado as circunstâncias da detenção e do transporte do produto estupefaciente, a existência de elementos atrás referidos que diminuem consideravelmente a ilicitude, são factores que poderão levar o Tribunal, a fazer um juízo de prognose favorável quanto à possibilidade da censura do facto e a ameaça da prisão realizarem, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.

    Mostram-se, assim, atenuadas, as razões de prevenção especial.

  9. Quanto às razões de prevenção geral, apesar de alguma jurisprudência se opor à suspensão da execução deste tipo de penas, dado o seu papel na repressão ao crime de tráfico de estupefacientes e tendo em vista a tutela dos bens jurídicos com referência à estabilidade familiar e à saúde e segurança da comunidade, outra jurisprudência há que entende que às penas de prisão decorrentes de crimes de tráfico se devem aplicar exactamente os mesmos critérios de suspensão da execução da pena que se aplicam às penas aplicadas por outros crimes e que, nessa conformidade, a execução de pena não superior a cinco anos se deve suspender quando o arguido é primário, tenha confessado os factos e se verifiquem as exigências de prevenção especial Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Março de 2008, in CJ (Acs STJ), Tomo I; do Tribunal da Relação de Lisboa, de 1 de Abril de 2010, de 3 de Novembro de 2010, e de 9 de Abril de 2008, todos acessíveis no site www.dgsi.ptjtrl, bem como do Tribunal da Relação do Porto, de 17 de Setembro de 2008.

    .

  10. O veiculo automóvel apreendido e que veio a ser declarado perdido a favor do Estado, não obstante ter sido entendido que havia sido comprado pelo arguido recorrente e não obstante ter sido utilizado por este para se deslocar desde a zona do Porto até Águeda, não serviu, entende-se, de forma relevante e essencial, para a prática do ilícito.

    Com efeito, 12. O ilícito poderia ter sido praticado, na mesma, pelo recorrente, acaso se tivesse deslocado de comboio ou de camionetas.

  11. Ao invés do plasmado no acórdão sob censura, não emerge uma relação directa e intensa, determinante e de causalidade adequada, entre a utilização da viatura pelo recorrente e a prática do ilícito.

  12. O disposto no art.º 35.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, não foi correcta e adequadamente interpretado e aplicado.

  13. Sem prescindir de tudo o alegado, se o Tribunal ad quem entender não haver uma ilicitude consideravelmente diminuída suficiente para justificar a aplicação do encimado art.º 25.º, aplicando pena próxima do limite mínimo e suspensa na sua execução, o que não se concebe, deverão todos os factores supra mencionados que atenuam a ilicitude e culpa do arguido ser ponderados e, em consequência, ser o mesmo condenado pelo limite mínimo da moldura penal do art.º 21.º, em pena de prisão ademais suspensa na sua execução.

    Terminou pedindo que na revogação parcial do decidido, se substitua o aresto sindicado por outro que condene o arguido pela prática de um crime p.p. pelo art.º 25.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, em pena próxima dos três anos de prisão e suspensa na sua execução.

    Acaso assim se não entenda, deve então o recorrente ser condenado pelo limite mínimo da moldura penal do art.º 21.º em causa, em pena de prisão igualmente suspensa na sua execução.

    1.3. Cumprido o disposto pelo art.º 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, respondeu o Ministério Público sustentando o improvimento do recurso interposto.

    1.4. Proferido despacho admitindo-o, e cumpridas as formalidades devidas, os autos foram remetidos a esta instância.

    1.5. Aqui, no momento processual a que alude o art.º 416.º do apontado diploma adjectivo, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer conducente ao parcial provimento do recurso. Com efeito, anotou, embora deva subsistir o enquadramento jurídico-penal operado em 1.ª instância, já o quantum da pena a arbitrar deve ser reduzido para quatro anos de prisão; também, acrescentou, não concorrem, in casu, os pressupostos exigíveis para que fosse decretada a perda a favor do Estado do veículo apreendido ao recorrente.

    1.6. Após cumprimento do estatuído pelo artigo 417.º, n.º 2, do último diploma citado, e réplica do recorrente, reiterando o antes expendido, no exame preliminar a que alude o n.º 6 deste mesmo inciso, consignou-se que nenhuma circunstância acarretava a apreciação sumária do recurso, ou obstava ao seu conhecimento de meritis, donde que a dever prosseguir seus termos, com a recolha dos vistos devidos – o que se verificou –, e submissão à presente conferência.

    Cabe, então e agora, apreciar e decidir.

    *II – Fundamentação de facto.

    2.1. O acórdão sob censura Atendo-nos essencialmente e...

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