Acórdão nº 605/05.3TBVVD.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Fevereiro de 2011
Magistrado Responsável | MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA |
Data da Resolução | 03 de Fevereiro de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG instauraram uma acção contra HH, Companhia de Seguros, S.A., pedindo a sua condenação a pagar à primeira autora a quantia de €.172.623,00 (cento e setenta e dois mil seiscentos e vinte e três euros) e a cada um dos restantes a quantia de €. 24.285,71 (vinte e quatro mil duzentos e oitenta e cinco euros e setenta e um cêntimos), acrescidas de juros de mora a contar da citação e até integral pagamento.
Para o efeito, alegaram, em síntese, serem respectivamente mulher e filhos de HH, falecido na sequência de um acidente de viação causado por culpa exclusiva de II, que conduzia um automóvel seguro na ré, sobre a qual recai a obrigação de indemnizar pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos próprios e pela vítima: – € 15.000,00 por danos não patrimoniais sofridos pelo lesado, antes da sua morte; – € 50.000,00 pela perda do direito à vida; – € 20.000,00 por danos não patrimoniais sofridos pela primeira autora; – € 15.000,00 por danos não patrimoniais sofridos por cada um dos filhos; – € 143.337,00 por danos patrimoniais futuros da primeira autora, em consequência da perda da contribuição prestada pelo lesado para as despesas da casa.
O Instituto de Solidariedade e Segurança Social veio deduzir contra a ré o pedido de reembolso da quantia que pagara à primeira autora a título de subsídio por morte e de pensão de sobrevivência, € 8.174,65, e daquelas que vier a pagar na pendência da acção, até ao limite da indemnização que for fixada, com juros de mora contados desde a citação e até integral pagamento. Invocou para tanto a “subrogação legal prevista no artº 71º da Lei nº 32/2002, de 20 de Dezembro e nos termos do DL nº 59/89, de 22 de Fevereiro”.
A ré contestou. Por entre o mais, alegou que foi a conduta do lesado que causou o acidente; conduta que só poderia ser explicada “pela elevada TAS com que a vítima se apresentava – 1,20 g/l” ; e impugnou os danos e o montante da indemnização peticionada.
Os autores replicaram A ré opôs-se ao pedido da interveniente, sustentando não poder operar qualquer sub-rogação.
Pela sentença de fls. 313, que fixou em 60% e 40% a responsabilidade do lesado e do condutor do veículo seguro na ré, respectivamente, a acção foi julgada parcialmente procedente. A ré foi condenada a pagar € 22.628,57 à primeira autora e 9.428,57 a cada um dos demais autores, em ambos os casos com juros, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, e € 18.746,05 ao Instituto da Segurança Social.
O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de fls. 395 alterou parcialmente a sentença, reduzindo para € 7.498,42 a quantia a pagar ao Instituto da Segurança Social (“Tem assim, o ISSS direito ao reembolso das prestações pagas a título de subsídio por morte e de pensões de sobrevivência, reduzida a 40%, dada a proporção da responsabilidade da recorrente, redução esta que não foi efectuada na sentença recorrida e que corresponde a € 7.498,42.”) 2. A ré recorreu para o Supremo Tribunal da Justiça. O recurso, ao qual não são aplicáveis as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, foi recebido como revista, com efeito devolutivo.
Nas alegações que apresentou, a recorrente formulou as seguintes conclusões: “1ª - A ora recorrente discorda da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que, face à factualidade provada, decidiu manter a decisão de primeira instância considerando que ambos os condutores concorreram, com condutas culposas, para a produção do acidente dos autos, 2ª - Sufragamos integralmente o que no douto acórdão recorrido é referido quanto à culpa do condutor do motociclo, no entanto, já não podemos concordar com a percentagem de culpa que lhe coube em tal decisão, que se limitou meramente a confirmar tudo quanto a decisão de 1ª instância decidiu 3ª - Atenta a matéria de facto apurada, não temos dúvidas em afirmar que a culpa pela produção do acidente, 4ª - Quanto à apreciação da culpa, afigura-se-nos que face às circunstâncias do caso, é patente o carácter negligente da sua actuação, já que o condutor do motociclo violou uma das mais elementares regras da condução automóvel, revelando grave desconsideração ao não tomar as devidas precauções que o dever geral de previdência aconselha e que o agente poderia e deveria ter tido, 5ª - Um vez que, quando o veículo seguro já se encontrava praticamente a par com o motociclo, como bem refere o tribunal recorrido e tendo-se rodeado de todos os cuidados, é surpreendido pela trajectória do ciclomotor que resolve efectuar a manobra de mudança de direcção à esquerda, no intuito de aceder a uma via, existente à esquerda, atento o seu sentido de marcha, 6ª - Assim sendo, o condutor do veículo seguro, foi surpreendido pela inopinada mudança de direcção para a sua esquerda, por parte do condutor do motociclo, quando o veículo seguro se encontrava, lado a lado, com o mesmo, 7ª - Ora, no essencial, pode afirmar-se que da parte do condutor do motociclo não só houve uma grosseira e ostensiva violação do disposto no artigo 44º do Código da Estrada – que prescreve a forma de realização da manobra de mudança de direcção à esquerda –, como houve também uma violação flagrante do disposto no artigo 39º do mesmo diploma, Tal preceito, impõe a obrigação de facultar a manobra de ultrapassagem a quem estiver a ser ultrapassado, como era o caso do condutor do motociclo! Mais ainda, 8ª - Mesmo sendo certo que o condutor do veículo seguro empreendeu a ultrapassagem ao ciclomotor nas imediações de um entroncamento, o facto é que não se demonstrou que o mesmo fosse visível ou estivesse anunciado na via, não se provando que, no decurso da trajectória prosseguido por ambos os veículos existia qualquer sinalização, vertical ou horizontal, a interditar a manobra de ultrapassagem ou a indicar outra circunstância impeditiva da mesma, 9ª - Pelo contrário, ao cortar, inopinada e irreflectidamente, a linha de marcha do veículo seguro, sem se rodear das devidas precauções, constituiu-se o condutor do motociclo, em autor material da contra ordenação causal do acidente! 10ª - O que não temos dúvidas em afirmar que foi em termos exclusivos! 11ª - Além disso, sempre haverá lugar a qualificar a sua conduta como gravemente negligente e denotando uma total desconsideração para com os demais utentes da via, as quais, aliadas a tudo o resto que supra se alegou, foram determinantes nesta sua responsabilidade exclusiva, e não concorrencial para a produção do sinistro. O que tudo configura uma grave violação não só da lei, como fundamentalmente do dever geral de cuidado que lhe assistia enquanto utente da via! 12ª - Porque mais pode ser dito acerca desta questão, refira-se ainda que o condutor do motociclo conduzia com uma taxa de alcoolemia de 1,20 g/l, sendo que tal taxa, além de constituir o limite mínimo para a prática de um crime, afecta muito negativamente, todas as capacidades humanas necessárias ã boa execução da tarefa de conduzir, desde logo, a concentração e a destreza.
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- Ora, sob o efeito de uma tal TAS – implicando afectação da concentração e da destreza, o risco de ocorrer o sinistro, se houvesse necessidade de o referir, aumenta substancialmente! 14ª - Como tal, não pode a ora Ré, conformar-se com tal divisão da culpa, pois ao considerar que ambos os condutores concorreram em termos de culpa para a ocorrência ora em análise, ainda para mais com uma diferença tão estreita, estamos a premiar a irresponsabilidade demonstrada por quem não só infringiu as normas estradais de forma tão grosseira, como ainda se colocou num estado psíquico e físico alterado pela ingestão abusiva de álcool.
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- O Douto Acórdão recorrido violou, pois, quanto à culpa, entre outros, os artºs 483.º e 503.º do Código Civil e os art. 3º, nº2 e 44º, nº2 do Código da Estrada.
Sem conceder, e para o caso de assim se não entender, 16ª - Concordamos inteiramente com a decisão ora recorrida quanto ao facto desta indemnização se destinar a compensar as pessoas carecidas de alimentos pelo prejuízo...
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