Acórdão nº 03B1373 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Fevereiro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelLUCAS COELHO
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: IO Banco ....., a que sucedeu a ........, instaurou em 4 de Junho de 1998 no Tribunal de Torres Vedras contra A, a esposa B, e os filhos C, D e F, acção pauliana tendente nuclearmente a obter a declaração de ineficácia da doação, com reserva de usufruto, de duas fracções de prédios urbanos sitos naquela cidade, que os réus marido e mulher fizeram aos filhos por escritura de 9 de Junho de 1994. Alega a titularidade de um crédito incumprido no montante de 48 000 000$00, e juros, concedido em conta-corrente à sociedade F, titulado por uma livrança subscrita pela sociedade e avalizada pelos réus marido e mulher, sócios da subscritora, e que a doação teve como único objectivo defraudar a garantia patrimonial do crédito, posto que as fracções doadas eram e são todo o património conhecido dos avalistas. Contestada a acção por todos os réus (1), subiu à Relação de Lisboa em recurso do saneador/sentença, aí anulado, e prosseguiu a normal tramitação até ser julgada improcedente por sentença de 24 de Julho de 2001. Foi desta interposta apelação, sem sucesso, vindo a Relação a negar provimento ao recurso. Do respectivo acórdão, proferido em 26 de Setembro de 2002, recorre de novo para este Supremo Tribunal o Banco autor mediante o presente agravo, cujo objecto, considerando a alegação e suas conclusões, à luz da motivação do acórdão recorrido, compreende, como oportunamente melhor se verá, a questão de saber se, por oposição entre fundamentos e decisão quanto à repartição do ónus da prova no processo, implicando a definição jurídica do tema do ónus dos réus, o aresto sub iudicio haverá incorrido em nulidade tipificada na alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil.IIA Relação considerou assente a matéria de facto dada como provada na sentença, para a qual, não impugnada e devendo no tribunal de revista manter-se inalterada, desde já se remete nos termos do n.º 6 do artigo 713.º do Código de Processo Civil, sem prejuízo das alusões pertinentes. 1. Procurando, aliás, circunscrever a título de elucidação o cerne estrutural do litígio, interessa fundamentalmente atender aos factos seguintes. Por escritura pública, de 6 de Junho de 1994, os réus marido e mulher doaram aos filhos aqui também réus, então ainda menores, em comum e partes iguais, com reserva de usufruto vitalício e sucessivo para os doadores, duas fracções autónomas de prédios urbanos em Torres Vedras, que constituíam todo o património imobiliário do casal. Nessa data, a sociedade F, de que os réus doadores eram e são sócios, encontrava-se em negociações com o Banco autor que culminaram na celebração de um contrato, em 2 de Dezembro de 1994, pelo qual o Banco concedeu à sociedade um crédito em conta corrente no montante de 40 000 000$00. Os réus marido e mulher sabiam que este financiamento só seria concedido à sociedade se eles pessoalmente o garantissem. Assim, com vista ao pagamento do crédito, a sociedade subscreveu uma livrança-caução avalizada, entre outros, pelos dois réus, a qual não veio a ser paga, nem pela subscritora, nem pelos avalistas, e que o Banco não tem conseguido cobrar, inclusive em acção executiva contra eles instaurada, por desconhecer aos obrigados bens suficientes. Na data da escritura de doação os bens doados eram, como se disse, os únicos imóveis que integravam o património dos réus doadores, e ainda hoje lhes não são conhecidos quaisquer outros. Provou-se, todavia, que a quota dos mesmos réus na sociedade F, tem o valor nominal de 60 000 000$00, e que o réu marido é ainda titular de 6 quotas em outras tantas sociedades, cujos valores nominais montam globalmente a 69 400 000$00, um valor nominal de participações sociais, por conseguinte, totalizando 129 400 000$00. 2. Movendo-se neste quadro factual, o Tribunal de Torres Vedras ponderou os requisitos legais da acção pauliana (artigo 610.º do Código Civil) - anterioridade do crédito, ou, sendo este posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor; resultar do acto a impossibilidade de este cobrar o que lhe é devido, ou o agravamento dessa impossibilidade; inexigibilidade, porém, de má fé dos intervenientes (artigo 612.º) por se tratar de acto gratuito -, e considerando que os factos apurados eram insuficientes para o seu preenchimento, tanto mais que o Banco não lograra provar os quesitos 4.º e 8.º a 11.º (2), julgou a acção improcedente. 3. Por seu lado, a Relação de Lisboa, constatando liminarmente tratar-se de impugnação pauliana de acto não oneroso anterior ao crédito, ensaiou a integração dos mesmos pressupostos em face da factualidade provada, à luz das regras de repartição do ónus probatório, aduzindo em síntese o seguinte. De harmonia com o artigo 611.º do Código Civil, incumbe ao autor provar o seu crédito, bem como os requisitos a que alude o artigo 610.º, alíneas a) e b) (3), e aos réus a prova de que têm bens penhoráveis de igual ou maior valor. Ora, os réus cumpriram este ónus provando serem titulares de quotas em diversas sociedades totalizando um valor nominal assaz superior, como acabou de se ver, ao montante do crédito do autor; enquanto este, por seu turno, não lograra provar, «em conformidade com o seu ónus» - precisa o acórdão -, que as quotas não tinham valor suficiente para cobrir o crédito, ou não eram penhoráveis, de modo a resultar a garantia patrimonial diminuída ou anulada pela doação. Daí, em suma, que a Relação de Lisboa, concluindo haverem os réus cumprido o ónus probatório que lhes incumbia e o autor incumprido o seu, tenha negado provimento à apelação, confirmando a sentença de improcedência do Tribunal de Torres Vedras. 4. Dissente, todavia, o Banco autor da decisão mediante o presente agravo, sintetizando a respectiva alegação nas conclusões seguintes: 4.1. «Na delimitação do objecto do recurso, o douto tribunal a quo reconduz o recurso à verificação, ou não, da existência dos pressupostos da impugnação pauliana; 4.2. «E refere expressamente que ‘haverá que atender aos respectivos ónus da prova, nos termos do artigo 611.°' (Código Civil); 4.3. «Ao autor incumbe provar o seu crédito, e aos réus a prova de que têm bens penhoráveis de igual valor ou superior aos das dívidas; 4.4. «Está dada como provada a existência do crédito da agravante, bem como a anterioridade da doação em relação à concessão do crédito; 4.5. «Esta era a matéria que, de...

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