Acórdão nº 2949/16.0T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 02 de Outubro de 2018
Magistrado Responsável | MATA RIBEIRO |
Data da Resolução | 02 de Outubro de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA BB e marido CC, intentaram ação declarativa com processo comum, contra DD, a qual corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo Local Cível de Portimão – Juiz 1), alegando, em síntese: - São proprietários de um imóvel, que confina com um prédio do réu, e dispõe de uma janela que dá para este prédio; - O réu tapou a aludida janela que ali se encontra desde a construção do imóvel o que lhes tem provocado vários danos: uns decorrentes de não conseguirem arrendar o imóvel, estimando a renda adequada em € 300/mês; outros resultantes da falta de arejamento, causando humidade e calor o que tem danificado as paredes e mobiliário existente no local; outros ainda causados pelo aborrecimento e angústia provocados pelo conflito.
Concluindo, peticionam: - Seja reconhecida judicialmente a aquisição ao direito real por usucapião à servidão predial que onera o prédio do réu; - Seja considerada ilícita a construção do Réu por consubstanciar atentado ao seu direito de propriedade, ou se assim não se entendesse, ser considerada ilícita a construção do Réu por consubstanciar abuso de direito, bem como por lesar o direito à servidão predial dos Autores; - Sejam os réus condenados a demolir a construção em blocos de vidro fosco e cimento feita ilicitamente e no pagamento de indemnização pelos danos patrimoniais causados e já apurados em valor não inferior a 4.600€ e pelos danos não patrimoniais em valor não inferior a 2.500€, além do pagamento da indemnização devida por danos patrimoniais e não patrimoniais futuros a serem eventualmente liquidados em execução de sentença.
Citado o réu veio contestar, por exceção e por impugnação invocando naquela sede a ilegitimidade passiva por estar desacompanhado do seu cônjuge, nesta sede, impugnou parcialmente os factos, sustentando que a abertura que existia no imóvel dos autores não pode ser qualificada de janela mas apenas de fresta o que não confere direitos aos autores, concluindo por pedir a improcedência da ação.
Os autores vieram requerer a intervenção de EE, mulher do réu, a qual foi admitida não tendo a mesma apresentado contestação.
Tramitado o processo foi julgada improcedente a exceção de ilegitimidade passiva, e realizada audiência final, veio a ser proferida sentença na qual se decidiu: “Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente, porque parcialmente provada, e em consequência:
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Julgo constituída por usucapião a servidão para iluminação e arejamento constituída pela abertura basculante existente na parede que separa os prédios, com as seguintes dimensões e localização: 66 cm de largura por 37 cm de altura, situada a cerca de 2 m de altura Prédio dominante: o dos autores BB e marido CC, a saber, o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o número 6275; Prédio serviente: o dos réus DD e mulher EE, a saber, o descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º 4181.
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Condeno os réus a demolirem a construção em blocos de vidro fosco e cimento que tapou a supra aludida abertura.
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Absolvo os réus do restante pedido.
Custas na seguinte proporção: 60% da responsabilidade dos autores, 40% da responsabilidade dos réus.” ** Irresignado, veio o réu interpor recurso tendo apresentado alegações, terminando o recorrente por formular as seguintes «conclusões»[1], que se transcrevem: “I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença na parte em que: Julgou constituída por usucapião a servidão para iluminação e arejamento constituída pela abertura basculante existente na parede que separa os prédios, com as seguintes dimensões e localização: 66 cm de largura por 37 cm de altura, situada a cerca de 2 m de altura. Prédio dominante o dos Autores e prédio serviente o dos Réus; Condenou os Réus a demolirem a construção em blocos de vidro fosco e cimento que tapou a supra aludida abertura.
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A convicção do Tribunal a quo quanto à factualidade dada como provada resultou da posição das partes (admitida por acordo e confessada - artigo 574º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Civil) e da conjugação da apreciação feita dos depoimentos testemunhais e dos documentos juntos e para os quais foi sendo feita referência, além do resultado da inspeção ao local a qual permitiu esclarecer alguns aspetos atinentes às características do compartimento de onde resultou que não existe humidade nas paredes em consequência da eliminação da abertura e às características da abertura e obra feita pelo réu.
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Não pode o Réu, aqui recorrente, conformar-se com a douta sentença do Tribunal a quo, quer pela existência de nulidades da sentença quer no âmbito da aplicação do Direito aos factos em apreço.
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Em primeiro lugar, não pode o Apelante concordar com a decisão do Tribunal a quo na parte em que não se pronunciou acerca do facto de os Apelados apenas terem intentado a ação de processo comum mais de 2 anos após o ora Apelante ter tapado a fresta irregular.
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De facto, o tempo que os Apelados demoraram a atuar configura uma situação de abuso de direito, conforme prevista no artigo 334º do Código Civil.
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Entre os vários corolários do princípio geral de proibição do abuso de direito, tem a doutrina e a jurisprudência adotado a figura da supressio.
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Tal figura foi definida e regulada, entre outros, pelo Acórdão do Colendo Supremo Tribunal de Justiça de 12/6/2012, Processo n.º 1267/03.8TBBGC.P1.S1 e disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se lê que “abuso do direito, na configuração expressa no art. 334.º do CC, tem um carácter polimórfico, sendo a proibição do venire contra factum proprium uma das suas manifestações. Uma modalidade especial da proibição do venire é a chamada verwirkung (ou supressio) e que se pode caracterizar do seguinte modo: a) o titular de um direito deixa passar longo tempo sem o exercer; b) com base nesse decurso de tempo e com base ainda numa particular conduta do dito titular ou noutras circunstâncias, a contraparte chega à convicção justificada de que o direito já não será exercido; c) movida por esta confiança, essa contraparte orientou em conformidade a sua vida, tomou medidas ou adotou programas de ação na base daquela confiança, pelo que o exercício tardio e inesperado do direito em causa lhe acarretaria agora uma desvantagem maior do que o seu exercício atempado”.
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A fresta irregular foi tapada pelo ora Apelante em Junho de 2014 e a ação de processo comum foi proposta em 20 de Dezembro de 2016, ou seja, 30 (trinta) meses após a dita construção.
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Não se compreende, do ponto de vista legal, ético e de razoabilidade, por que motivo são necessários mais de dois anos e meio para propor a dita ação.
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O que só pode explicar-se pelas segundas intenções com que os Apelados demandaram o ora Apelante: exigir indemnizações! XI. Esta posição dos Autores, ora Apelados, não passou despercebida ao Tribunal a quo que andou bem ao considerar estar-se inclusive perante uma situação de litigância de má-fé.
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Os Apelados fizeram um uso reprovável do processo.
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A delonga na propositura da ação foi tão-só e apenas criar uma situação fictícia por forma a convencer o Tribunal de que a tapagem da fresta irregular causou prejuízos aos Apelados suscetíveis de gerar o direito ao ressarcimento pelos mesmos.
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A questão da tapagem da fresta irregular foi um meio acessório para atingir um fim, não se olvidando desta ação do Apelante, na realidade, qualquer prejuízo para os Apelados.
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Qualquer homem médio colocado no lugar do Apelante, atendendo ao decorrer do tempo sem que existisse qualquer ação judicial, presumiria e confiava que já não seria intentada qualquer ação, o que implica que prossiga a sua vida sem esperar que quase três anos depois venha a ser exigida a demolição da construção e o pagamento de indemnizações.
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Não é compatível com a boa-fé esperar...
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