Acórdão nº 2622/07.0TBPNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelSEBASTIÃO PÓVOAS
Data da Resolução29 de Abril de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA Sumário : 1) O mandato forense é um contrato de mandato atípico, sujeito às regras dos artigos 1157.º do Código Civil e do Estatuto da Ordem dos Advogados, sendo que se destina a garantir o patrocínio judiciário que é de interesse e ordem públicos.

2) Integra uma obrigação de meios (ou de diligência) já que o mandatário apenas se obriga a desenvolver uma actividade direccionada para uma solução jurídico-legal, pondo ao serviço do mandante todo o seu zelo, saber e conhecimentos técnicos mas não garantindo qualquer desfecho da controvérsia que lhe é posta.

3) Ao mandatário forense não é apenas exigida diligência do homem médio (n.º 2 do artigo 487.º do Código Civil) um paradigma de conduta a apreciar em abstracto mas tendo em atenção tratar-se de um profissional a quem é imposto muito maior rigor na investigação, actualização, adequação e aplicação dos conhecimentos da sua especialidade.

4) Não sendo um contrato de trabalho (e apenas uma “species” – embora matriz – da prestação de serviços) o incumprimento do mandato forense (incluindo deveres colaterais deontológicos) gera, em regra, responsabilidade contratual perante o cliente.

5) Mas se o incumprimento incidir sobre violação de outro dever, ou preceito legal, não integrado especificamente no contrato de mandato forense, a responsabilidade para com o cliente pode ser aquiliana. E é sempre extra contratual a responsabilidade do Advogado perante terceiros.

6) Se o mesmo facto ilícito integrar os dois tipos de responsabilidade só uma delas pode ser invocada como causa de pedir.

7) Os danos não patrimoniais são indemnizáveis em sede de responsabilidade contratual, desde que do clausulado (ou de normas imperativamente aplicáveis) não resultar uma sanção autónoma para o incumprimento e que o dano não patrimonial apurado resulte directamente do incumprimento por verificação da causalidade adequada na formulação do artigo 563.º do Código Civil.

8) A perda de chance não se confunde com perda de expectativa, já que aqui há uma esperança de um direito, por se ter percorrido um “iter” que a ele conduziria com forte probabilidade. Trata-se de situação dogmatizada na responsabilidade pré contratual.

9) Na perda de chance, ou de oportunidade, verificou-se uma situação omissiva que, a não ter ocorrido, poderia razoavelmente propiciar ao lesado uma situação jurídica vantajosa.

10) Trata-se de imaginar ou prever a situação que ocorreria sem o desvio fortuito não podendo constituir um dano presente (imediato ou mediato) nem um dano futuro (por ser eventual ou hipotético) só relevando se provado que o lesado obteria o direito não fora a chance perdida.

11) Se um recurso não foi alegado, e em consequência ficou deserto, não pode afirmar-se ter havido dano de perda de oportunidade, pois não é demonstrada a causalidade já que o resultado do recurso é sempre aleatório por depender das opções jurídicas, doutrinárias e jurisprudenciais dos julgadores chamados a reapreciar a causa.

12) Do n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil resulta que o dano não patrimonial só é compensável se o evento lesivo afectar relevantemente, e com certa gravidade, valores da personalidade moral, devendo a situação ser vista casuisticamente.

Decisão Texto Integral: Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça AA e BB intentaram acção, com processo ordinário, contra o Dr. CC, Advogado.

Pediram a condenação do Réu a pagar-lhes o total de 45.498,98 euros, sendo 40.498,98 a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, pelos benefícios que deixaram de obter, e 5.000,00 euros pelos danos não patrimoniais – tudo resultante da responsabilidade contratual do Réu – quantias acrescidas de juros contados da citação.

No Circulo Judicial de Penafiel, a acção foi julgada parcialmente procedente e o Réu condenado a pagar aos Autores a quantia de 23.498,80 euros, com juros, sendo 20.000,00 euros pelo dano patrimonial, 3000,00 euros pelo dano não patrimonial, e 498,80 euros para reembolso das despesas de provisão adiantadas.

O Réu apelou para a Relação do Porto que confirmou o julgado e entendeu ter ficado prejudicada a apreciação do agravo interposto pelos apelados.

Inconformado, pede agora revista.

Assim concluiu as suas alegações: 1ª: Todo o quesitório da p.i. assentou, no mínimo, em factos fantasiosos.

  1. : À testemunha/procurador DD foi dada imerecida e indevida credibilidade.

  2. : O seu depoimento, se foi formalmente legal, o que não se aceita, foi, no mínimo, imoral.

  3. : O modus operandi do Recorrente é exactamente o contrário do conteúdo do petitório, do consequente quesitório e do ‘amén’ sempre pronto do procurador/testemunha DD na Audiência de Julgamento – ás vezes, este antecipava-se mesmo às perguntas do advogado e outras vezes dizia mais, muito mais do que o que lhe era perguntado.

  4. : A dita testemunha era falsa.

  5. : Não houve nenhuma falha do advogado: - nem na fase pré-judicial – v. g. na carta de interpelação – Doc. nº 4, fls. 14; - nem na fase judicial – v.g. a P.I. e a Réplica estavam bem elaboradas, salvo a devida imodéstia; O Rol de Testemunhas e os Preparos foram pagos dentro dos prazos; o advogado não faltou a nenhuma diligência para que foi chamado; o advogado não foi inábil na inquirição das testemunhas, nem nos pedidos de esclarecimento das testemunhas da parte contrária; nem apresentou o Requerimento de Interposição de recurso fora do prazo.

  6. : O Recorrente apenas não comunicou ao procurador DD que não iria apresentar as a1egações aliás, ad vanum, quer dizer, inúteis.

  7. : Ser revogada a condenação do Recorrente no pagamento aos Recorridos de € 498,80 – quantia que havia sido entregue àquele – por estar amplamente demonstrado nos autos – e o que é notório ião precisa ser demonstrado – que o advogado era credor do cliente e não o contrário – vide doc. n.º 1 (registo escrito dos diferentes actos) e doc. n° 3, fls. 3 a 7 (Nota Despesas e Honorários).

  8. : Ser revogada a condenação do Recorrente a indemnizar os Recorridos em € 20.000,00 por danos patrimoniais, porque era improvável que o recurso obtivesse provimento, acrescendo que não se verifica, in casu, o nexo de causalidade entre o facto e os invocados danos, como demonstrado foi supra, pois não se verifica o requisito do nexo de causalidade entre o facto e o dano, porque os Recorridos não tiveram qualquer dano, por ser improvável que a Relação não confirmasse a decisão do tribunal colectivo ‘a quo’.

  9. : Do mesmo modo deve ser revogada a condenação do Recorrente a indemnizar os Recorridos no valor de € 3.000,00 por danos não patrimoniais, porque estes nenhum dano moral tiveram, como demonstrado foi supra, na medida em que os Recorridos não tiveram nenhum desconforto, pois um dia antes de virem ao advogado já tinham decidido estabelecer-se na Suíça, e não tinham expectativas objectivamente atendíveis, que viessem a ser inesperada e imprevisivelmente frustradas, por não lhes ter sido dada garantia de que ganhariam a acção, que não foi ganha por culpa exclusiva deles.

  10. : No caso concreto, os Recorridos não sofreram nenhum dano.

  11. : Porque ‘(..) é indispensável que à violação do direito subjectivo ou da lei sobrevenha um dano, pois sem dano não chega a pôr-se qualquer problema de responsabilidade civil(..)’ – Das Obrigações em Geral, de João de Matos Antunes Varela, Vol. I – 3ª edição, pag. 417 e 418.

  12. : A responsabilidade (civil) pressupõe ‘(...) a) O facto; b) A ilicitude; c) a imputação do facto ao lesante; d) o dano (o negrito nosso); e e) um nexo de causalidade entre o facto e o dano.’ - obra citada, pag. 418.

  13. : ‘(..)Para haver obrigação de indemnizar, é condição essencial que haja dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém.’ – obra citada, pag.492.

  14. : ‘A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão – artº 3º do Código Civil.

  15. : O Recorrente agiu sempre no interesse dos seus então clientes, desde o início e até à finita causa.

  16. : O Recorrente procedeu sempre segundo a sua consciência e as leges artis.

Data vénia, continua o Recorrente a entender que houve violação dos art° 3°-A do Código de Processo Civil; e artº 483º, 562º, 563º, 798º e 487, todos do Código Civil.

Contra alegaram os recorridos em defesa do julgado.

As instâncias deram por assente a seguinte matéria de facto: 1) O Réu é Advogado e tem escritório aberto ao público na Av. …, n.º …, Edifício …, …, Freguesia de …, Comarca de Penafiel.

2) O sogro do Autor dirigiu-se ao Réu, em representação dos Autores, para uma consulta, em Dezembro de 1997.

3) Na data referida em 2), DD informou o Réu de que havia celebrado um acordo escrito, em 10 de Fevereiro de 1994, do qual constavam os seguintes dizeres “PRIMEIRO OUTORGANTE: Eng. EE (...) SEGUNDOS OUTORGANTES – AA (..) e esposa D. BB (...).

PRIMEIRA: O PRIMEIRO OUTORGANTE irá construir um edifício destinado a habitações e comércio, no lugar de Aveleda, freguesia de Pinheiro, concelho de Penafiel.

SEGUNDA: Tal edifício será construído em duas fases correspondendo a cada fase um bloco, devendo a primeira das quais terminar até 1996.01.31 e a segunda até 1997.08.31.

TERCEIRA: Pelo presente contrato o PRIMEIRO OUTORGANTE promete vender e os SEGUNDOS prometem comprar uma fracção autónoma correspondente a uma loja destinada ao exercício do comércio, no rés-do-chão do bloco a construir na 2ª fase (…).

QUARTA: O preço global desta venda é de Esc. 8.600.000$00 (oito milhões e seiscentos mil escudos), que o da seguinte forma:

  1. Esc. 4.000.000$00 (quatro de escudos) na data da assinatura do presente promessa, de que o PRIMEIRO OUTORGANTE dá a correspondente quitação, e que vai a título de princípio de pagamento.

(…) QUINTA: A escritura definitiva de compra e venda deverá ser celebrada nos três meses seguintes ao da data estipulada para o termo da 2ª fase, referida na cláusula 2ª, salvo caso de força maior, e em cartório a designar pelo...

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