Acórdão nº 6720/14.5T8LRS.L2.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução30 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I. Relatório 1. AA instaurou contra BB, ação declarativa sob a forma comum, pedindo a condenação desta a pagar-lhe: - a título de indemnização, pelo incumprimento do contrato de mandato forense, a quantia de € 10.693,40, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação da ré e até efetivo pagamento.

- o valor que vier a ter que pagar à “CC, Lda.”, por efeito da sua condenação no processo n.° 30/14.5TVLSB, acrescido do valor que vier a ter que pagar, a título de custas desse processo e do processo n.º 1370/13.6TVLSB, deduzidos do montante que o autor vier a recuperar por efeito da ação referida no art. 67.° da P.I., a liquidar em execução de sentença, acrescidos de juros após a liquidação, até integral pagamento.

Alegou, para tanto e em síntese, que celebrou com a Ré um contrato de mandato forense, nos termos do qual esta se comprometeu a praticar em nome do Autor um conjunto de atos no âmbito dos processos n.° 30/14.5TVLSB, e n.º 1370/13.6TVLSB, que correram termos pela extinta … Vara Cível de Lisboa.

O Autor emitiu procuração forense, procedeu ao pagamento de taxas de justiça e entregou provisão para despesas.

Todavia, nenhum ato foi praticado naqueles processos, incluindo o pagamento de taxas de justiça, o que determinou a condenação do ora autor na entrega de uma viatura automóvel, em sede de procedimento cautelar, e a subsequente condenação no processo principal, constituindo-se a ré, pela violação culposa do contrato de mandato, na obrigação de reparar os prejuízos causados ao autor. 2. Citada, pessoal e regulamente, a ré não contestou no prazo legal, pelo que foi proferido despacho considerando confessados os factos articulados na petição inicial.

3. Produzidas alegações escritas, foi proferida sentença que condenou o Réu a pagar à Autora a quantia de 10.000,00 Euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença.

  1. Inconformada com esta decisão, dela apelou a ré para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão constante de fls.177, decidiu anular a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos à 1ª instância, afim de aí proceder-se à fixação da matéria provada e subsequente subsunção ao direito, ficando prejudicado o conhecimento do objeto do recurso.

  2. Foi proferida nova sentença que, após a fixação dos factos provados, julgou a ação procedente por provada e, em consequência, condenou a Ré no pagamento à Autora da quantia de € 10.000,00, acrescida de juros à taxa legal desde a data da sentença.

    6. Inconformado com esta decisão, dela apelou o autor para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão proferido em 18.10.2018, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

  3. Inconformado, de novo, com esta decisão, dela interpôs o autor recurso de revista excecional, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem: «1. O presente Recurso é interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, em 18.10.2018, que julgou improcedente o recurso de apelação, mantendo na íntegra a Sentença de primeira instância, que julgou parcialmente procedente a acção de responsabilidade civil por incumprimento de contrato de mandato forense, pela qual o aqui Recorrente peticionou €1.193,40 (DUCs, referentes a taxas de justiça por processos nos quais aquela Advogada não teve intervenção): €1.000,00 (relativo a provisões de honorários); €8.500,00 (valor de referente ao valor comercial do veículo propriedade do Recorrente) e €36.000,00, que corresponde ao valor da condenação nas acções não contestadas, (depois de abatidos os €4.513,00 a que fora condenada a gerente daquela sociedade.); 2. Preliminarmente à exposição dos fundamentos do presente recurso, o Recorrente pretende, ao abrigo do art.º 629.º, n.º 2, al. b) do CPC, sindicar o valor da causa atribuído pelo Tribunal a quo, que se limitou a fixar tal valor em €10.693,40, o que, salvo o devido respeito, não corresponde à efectiva utilidade económica dos pedidos formulados, atento o disposto no n.º 1 do art.º 296.º do CPC, devendo ser atribuída à presente acção, ao invés, o valor de €42.180,40.

  4. Tal determinação suscitada pelo Recorrente, igualmente no recurso de apelação, não foi expressamente decidida, no entanto, o douto Tribunal da Relação, acabou por admitir e decidir o recurso de agravo, considerando verificar-se o necessário valor de decaimento para o efeito, pelo que ter-se-á de considerar que a presente causa tem um valor superior à alçada do Tribunal de que se recorre (30.000,01) e um decaimento superior a metade da alçada desse Tribunal (€15.000,01), cfr. 629.2, n.2 1 do CPC, devendo o presente recurso ser admitido.

  5. O douto Tribunal da Relação mantém na integra a Sentença recorrida, condenando a R., aqui Recorrida, por incumprimento culposo do mandato forense, numa indemnização de apenas €10.000,00, com base em juízos de equidade, para ressarcimento do dano de “perda de chance”, sem que se fundamentem devidamente as razões que levaram à determinação de tal valor, e sem se conseguir descortinar o silogismo lógico-dedutivo por detrás dessa decisão, não se alcançando da fundamentação quer da Sentença quer do douto Acórdão, o porquê da fixação de €10.000,00, face aos demonstrados e provados valores em causa, num total de €42.180,40, que o Recorrente efectivamente suportou.

  6. Entenderam, ainda, aquelas instâncias que, relativamente aos pedidos referentes ao valor pago dos DUCs de taxas de justiça não utilizados nos processos, no valor total de €1.193,40 e ao valor pago a título de provisões de honorários de €1.000,00, não poderiam ser ressarcidos, atento “Os valores peticionados, não podem ser qualificados como directamente causados pela conduta da Ré - fls. 93/pág.9 da sentença” (…) o mandato forense foi exercido, ainda que de forma defeituosa.”.

  7. Salvo o devido respeito, não se poderá concordar com tal entendimento na aplicação do Direito em causa, não tendo sido dada à presente acção uma decisão justa ou, sequer, equitativa, tratando-se o caso sub iudice como se estivesse em causa um mero “cumprimento defeituoso” do mandato forense, violado culposamente pela Recorrida, quando ao invés, a Recorrida não praticou sequer qualquer acto processual nas acções judiciais que condenaram o Recorrente, em revelia absoluta, no pagamento de €36.000,00 e levaram à perda da sua viatura no valor de €8.500,00; 7. Sem esquecer que a advogada, aqui Recorrida, fora condenada criminalmente no crime de prevaricação de …, pelos actos sub iudice, por Acórdão de 27.12.2017, proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Central Criminal de … - Juiz …, no âmbito do Processo nº 4467/12.6TALRS, confirmado pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de 05.06.2018, cfr. Doc. n.º 1, requerendo-se a sua junção, nos termos do art.º 680, n.º 1.º do CPC, por só agora ter sido possível atenta a data do mesmo; 8. Acresce que, na presente acção, o Recorrente foi impossibilitado, mais uma vez, de proceder à produção de prova (em julgamento) atenta o efeito cominatório da revelia absoluta da R. nesta acção, o que determinou a imediata prolação de Sentença, nos termos do art.º 567.º, nº 2 do CPC, tendo o Tribunal a quo, depois de dar como provados todos os factos articulados na pi., vindo mais tarde, em cumprimento do Acórdão do Tribunal da Relação de 06.07.2017, especificar que só dava por provados os artigos 1.º a 35.º da pi., e que os restantes seriam meramente conclusivos.

  8. Ora, se a fixação do dano de perda de chance está intrinsecamente relacionada com a probabilidade da não condenação na providência cautelar e acção principal em que o Recorrente fora condenado em revelia absoluta, deveriam os Tribunais a quo possibilitar tal prova, nomeadamente por recurso a testemunhas, o que não foi feito, denegando-se ao Recorrente o direito à Tutela Jurisdicional Efectiva constitucionalmente protegido.

  9. Caso o douto Tribunal entenda, desse modo, não estar provada qual a probabilidade de não condenação nas acções judiciais em que o Recorrente fora condenado, deverá ser determinada ampliação da matéria de facto, com o inerente julgamento em primeira instância, ao abrigo do art.º 682.º, n.º 3 do CPC; 11. Ora, apesar de estarmos perante um caso de dupla conforme, deverá ser admitido o presente recurso excepcional de revista, atento estarmos perante questões que assumem particular relevância no ordenamento jurídico, em especial para uma melhor aplicação do Direito, já que os moldes do apuramento do ressarcimento dos danos de “perda de chance” no âmbito do incumprimento do mandato forense, carecem, ainda, de um melhor desenvolvimento jurisprudencial, mormente quanto: ao modo de determinação daquele dano, que não está expressamente previsto no CC, consubstanciado numa responsabilidade que não se enquadra nem na contratual, nem na extracontratual, mas sim numa “terceira via de responsabilidade”.

    À necessidade de apurar se tal dano da “perda de chance”, que visa ressarcir a perda de oportunidade, face à impossibilidade de se comprovar o nexo de causalidade entre os factos praticados e o prejuízo real que provocariam, abrange outros danos patrimoniais que resultem do incumprimento contratual e de outros delitos, como os criminais, praticados pelo mandatário forense, como sejam os referidos valores pagos a título de taxas de justiça e honorários de advocacia.

  10. O mandato forense - contrato atípico que representa uma obrigação de meios, diligência e zelo próprios do estatuto da Advocacia - quando violado, comportará uma responsabilidade civil contratual perante o mandante, podendo ainda gerar uma responsabilidade civil delitual se forem violados outros deveres não incluídos no contrato, o que se verificou no presente caso, já que os factos praticados pela Recorrida fundaram a sua condenação no crime de prevaricação de advogado, o que terá de ser devidamente valorado.

  11. Encontramos na Doutrina e Jurisprudência a construção da...

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