Parecer n.º 120/2005, de 07 de Agosto de 2006

Parecer n.o 120/2005

Incompatibilidade - Impedimento - Eleito local - Autarquia local - Junta de freguesia - Acumulaçáo de funçóes Regime de exclusividade - Cargo político - Perda de mandato

1.a A regra de exclusividade consagrada para os titulares de cargos políticos no respectivo regime legal de incompatibilidades, contemplado na Lei n.o 64/93, de 26 de Agosto, náo se aplica, em geral, aos eleitos locais, ainda que em regime de permanência, nos termos do n.o 1

do artigo 6.o da referida lei (ex vi artigo 12.o da Lei n.o 11/96, de 18 de Abril, quanto aos membros das juntas de freguesia) - pelo que os mesmos podem exercer outras actividades, sem prejuízo dosregimes de incompatibilidades e impedimentos previstos noutras leis para o exercício de cargos ou actividades profissionais.

2.a De acordo com o disposto na alínea a) do n.o 1 do artigo 3.o do Decreto-Lei n.o 196/93, de 27 de Maio, há incompatibilidade entre o cargo de membro de gabinete de apoio de presidente ou vereador de câmara municipal e o «exercício de quaisquer outras actividades profissionais, públicas ou privadas, remuneradas ou náo».

3.a Constitui actividade profissional pública, para efeitos da citada norma do Decreto-Lei n.o 196/93, o exercício de funçóes como membro de junta de freguesia, desde que o respectivo mandato seja desempenhado em regime de permanência, quer a tempo inteiro, quer a tempo parcial - pelo que, nesse caso, ocorre a aludida incompatibilidade, cuja consequência será a demissáo do cargo de membro de gabinete de apoio de presidente ou vereador de câmara municipal, nos termos do artigo 5.o do mesmo diploma.

Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administraçáo Local:

Excelência:

I - Dignou-se V. Ex.a solicitar a este corpo consultivo (1) parecer sobre a eventual existência de incompatibilidade entre a funçáo de membro do gabinete de apoio de presidente ou vereador de câmara municipal e o exercício de mandato electivo em junta de freguesia.

A pretexto das concretas situaçóes do presidente da Junta de Freguesia de Pedrógáo de S. Pedro e do Secretário da Junta de Freguesia de Aldeia do Bispo terem sido nomeados membros do Gabinete de Apoio Pessoal do Presidente da Câmara Municipal de Penamacor, pretende V. Ex.a que o Conselho Consultivo se pronuncie especificamente sobre «a incompatibilidade entre o exercício da funçáo de membro do gabinete de apoio pessoal de presidente de câmara, ou de secretário de vereador a tempo inteiro, e o exercício de funçóes em junta de freguesia, distinguindo entre o próprio concelho ou outro, e se o exercício é a tempo inteiro ou parcial, integrando o conceito de actividade profissional, ou sem tempo atribuído».

Cumpre emitir parecer.

II-1-A problemática submetida a consulta motivou, a propósito dos casos concretos assinalados e no respectivo processo, algumas tomadas de posiçáo diferenciadas, cujas principais linhas argumentativas interessa conhecer.

Assim, o presidente da Câmara Municipal de Penamacor terá obtido um parecer jurídico, de carácter privado, que nega a existência de qualquer incompatibilidade entre os cargos em apreço, na medida em que o diploma aplicável - o Decreto-Lei n.o 196/93, de 27 de Maio - apenas proibiria, aos membros de gabinetes de apoio de presidente ou vereador de câmara municipal, o «exercício de quaisquer outras actividades profissionais, públicas ou privadas» [artigo 3.o,n.o 1, alínea a)], sendo certo que, no caso do desempenho dos cargos electivos de presidente ou secretário de junta de freguesia, «náo se trata do exercício de actividades profissionais».

Por sua vez, na Comissáo de Coordenaçáo e Desenvolvimento Regional do Centro sustentou-se que «o eleito que exerce a sua actividade pública a tempo inteiro ou meio tempo, caso de um presidente de junta ou secretário, como aufere uma remuneraçáo e cumpre obrigaçóes laborais, já consubstancia o conceito de uma actividade para efeitos de incompatibilidade». Conclui-se, assim, que «só náo haverá incompatibilidade, no caso em apreço, se o presidente e secretário das respectivas juntas de freguesia estiverem a exercer funçóes em regime de náo permanência», na medida em que «o exercício de funçóes sem carácter permanente náo consubstancia sequer uma actividade».

Já na informaçáo técnica produzida na Direcçáo-Geral das Autarquias Locais (DGAL) começa-se por afirmar que «o entendimento perfilhado pela DGAL, até à data, é no sentido de que náo existe incompatibilidade ou impedimento entre a titularidade do cargo de chefe de gabinete, adjunto ou secretário do gabinete de apoio pessoal do presidente da câmara municipal e o exercício das funçóes autárquicas em causa, dado que estas náo integram qualquer das actividades e funçóes incompatíveis constantes do artigo 3.o do Decreto-Lei n.o 196/93, de 27 de Maio».

Porém, dá-se conta de uma posiçáo diversa sustentada em Acórdáo do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 3 de Junho de 2003, onde, para situaçáo semelhante, se considerou que exerce «outras actividades profissionais públicas» um secretário do gabinete de apoio pessoal de vereador de câmara municipal que é simultaneamente presidente de uma junta de freguesia. E, ao mesmo tempo, entendeu-se que aquelas funçóes ainda seriam incompatíveis com o «exercício de funçóes executivas em órgáo de um ente de direito público», como é o caso da autarquia local freguesia, o que violaria o artigo 3.o, n.o 1, alínea b), do Decreto-Lei n.o 196/93.

Nesse contexto, acaba-se por aceitar a posiçáo defendida pelo STA, admitindo, designadamente, que o exercício de cargo electivo numa autarquia local deve ser qualificado como uma «actividade profis-

sional» - para o que se louva na seguinte caracterizaçáo feita no parecer n.o 54/90, de 11 de Outubro, deste Conselho:

[A] actividade profissional já náo é apenas aquela que é quotidianamente exercida no tempo pleno institucionalizado [. . .] à condiçáo profissional basta a realizaçáo regular de trabalho, enquadrada em determinado posto ou funçáo, no âmbito de consecuçáo de certo objectivo final.

Apreciada superiormente a aludida informaçáo técnica, foi sugerida pela DGAL, perante a posiçáo do STA e para a questáo «ser definitivamente clarificada», a obtençáo de parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre a matéria, o que mereceu o acolhimento de V. Ex.a

2 - Estes, pois, os dados a considerar acerca da temática suscitada, que se passará a dirimir.

III-1- Para dilucidar a questáo apresentada no presente processo, teremos, em primeiro lugar, de conhecer melhor o regime das incompatibilidades, após o que será necessário proceder ao enquadramento jurídico das funçóes em presença.

Na averiguaçáo do regime legal das incompatibilidades, importará centrar a atençáo no segmento relativo aos titulares de cargos políticos, já que nessa categoria têm sido integradas certas classes de eleitos locais, sendo certo que neste último conceito se incluem os cargos, aqui em causa, de presidente e secretário de junta de freguesia.

2 - Comecemos por uma primeira aproximaçáo ao regime legal das incompatibilidades.

Nesse âmbito, haverá que distinguir entre regimes específicos dos titulares de cargos políticos e dos titulares de altos cargos públicos, a par do regime geral do pessoal da funçáo pública (2).

Quanto aos titulares de cargos políticos e aos titulares de altos cargos públicos, esse regime decorre, essencialmente, da Lei n.o 64/93, de 26 de Agosto, e dos respectivos diplomas de alteraçáo (3). Note-se que estes diplomas contêm - em especial, os n.os 5 e 6 do artigo 8.o da Lei n.o 39-B/94, os artigos 3.o e 4.o da Lei n.o 28/95, os artigos 1.o, 2.o, 3.o e 5.o da Lei n.o 12/96 e o artigo 2.o da Lei n.o 12/98 - disposiçóes autónomas, algumas de direito transitório, aplicáveis a uns ou outros desses titulares.

Neste quadro, deve ainda atender-se à situaçáo particular dos titu-lares de cargos dirigentes, actualmente objecto do regime constante da Lei n.o 2/2004, de 15 de Janeiro (4), e que, anteriormente a esse diploma, eram, em parte, reconduzidos à categoria de titulares de altos cargos públicos e submetidos ao regime a estes aplicável (e, em especial, à Lei n.o 12/96), havendo um grupo residual de titulares de cargos dirigentes que escapava a essa categoria e era objecto de um regime próprio, constante da Lei n.o 49/99, de 22 de Junho (5). Essa Lei n.o 2/2004 revogou expressamente, no seu artigo 38.o, as Leis n.os 12/96 e 49/99, e instituiu um novo regime sobre incompatibilidades de titulares de cargos dirigentes, abrangendo determinados altos cargos públicos.

Na categoria dos titulares de cargos políticos integrou a Lei n.o 64/93 «o presidente e o vereador a tempo inteiro das câmaras municipais» [alínea h) do artigo 2.o da versáo originária, que passou a alínea f) do n.o 2 do artigo 1.o com a Lei n.o 28/95], estabelecendo um regime próprio para autarcas no seu artigo 6.o, que o artigo 2.o da Lei n.o 12/98 estendeu a certos «membros das juntas de freguesia», em termos que melhor veremos adiante.

3 - Sobre o tema das incompatibilidades já se pronunciou este Conselho Consultivo inúmeras vezes, estando sedimentado um deter-minado enquadramento teórico da matéria (6), que importa retomar naquilo que mais releva na economia do presente parecer.

3.1 - A acumulaçáo de funçóes «verifica-se quando o funcionário ou agente desempenha, além das abrangidas no cargo correspondente ao lugar que ocupa, outras funçóes (públicas ou privadas)» (7).

Segundo Marcello Caetano (8), existiria o «princípio de que só pode ser provido num cargo público o indivíduo que náo exerça outra funçáo pública ou privada que com ela seja incompatível» - ou seja, a «regra de que cada funcionário só pode exercer um cargo público» (9). Será em relaçáo aos «raros cargos acumuláveis» que se coloca a questáo de «ver se sáo entre si compatíveis» (10).

A incompatibilidade consiste, assim, na «impossibilidade legal do desempenho de certas funçóes públicas por indivíduo que exerça deter-minadas actividades ou se encontre em...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT