Acórdão n.º 423/2006, de 19 de Outubro de 2006

Acórdáo n.o 423/2006

Processo n.o 746/04

Acordam no Tribunal Constitucional:

1 - Hermínio da Piedade Antunes foi julgado na Relaçáo de Lisboa, mediante acusaçáo deduzida pelo Ministério Público, e condenado, em acórdáo proferido em 12 de Dezembro de 2003, pela prática em autoria material de um crime de desobediência previsto e punível pelas disposiçóes conjugadas do artigo 158.o, n.os 1, alínea a), e 3, do Código da Estrada, com referência ao artigo 348.o, n.o 1, alínea a), e ao artigo 69.o, n.o 1, alínea c), ambos do Código Penal, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de E 25, no total de E 1500, e na pena acessória de 5 meses de proibiçáo de conduzir veículos automóveis.

Inconformado, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça. Por acórdáo de 3 de Junho de 2004, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu rejeitar o recurso «na vertente em que o mesmo visava a reapreciaçáo da matéria de facto, para além dos vícios a que alude o artigo 410.o, n.o 2, do Código de Processo Penal», e em negar-lhe provimento, no restante, assim mantendo a condenaçáo aplicada da Relaçáo de Lisboa.

Deste acórdáo recorre o arguido para o Tribunal Constitucional em requerimento do seguinte teor:

Hermínio da Piedade Antunes, advogado, arguido no processo supra-referido, notificado do acórdáo final de 3 de Junho de 2004, vem do mesmo interpor recurso para o Venerando Tribunal Constitucional, limitado às questóes de constitucionalidade levantadasno decurso do processo, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:

1.o Nas alegaçóes do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nas alegaçóes escritas apresentadas já neste e em requerimento avulso sobre a competência hierárquica dos venerandos tribunais, o ora recorrente suscitou questóes de constitucionalidade de algumas normas, como adiante se exporá, que náo obtiveram provimento, mas que abrem a via do recurso previsto na alínea b) do n.o 1 do artigo 70.o da Lei de Organizaçáo, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, que estabelece que 'cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisóes dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo';

2.o No requerimento sobre a questáo da competência do Tribunal da Relaçáo de Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente escreveu que 'uma interpretaçáo normativa da regra consignada no citado n.o 2 do artigo 15.o do Estatuto dos Magistrados Judiciais, de modo a abranger situaçóes como a do recorrente, que se encontra desligado efectivamente do serviço, cria uma excepçáo ao princípio do juiz natural de tal modo gritante que viola o princípio da igual-dade perante a lei inscrito no também referido n.o 2 do artigo 13.o da Constituiçáo';

3.o Com a interpretaçáo e aplicaçáo do n.o 2 do artigo 15.o do Estatuto dos Magistrados Judiciais feito no douto acórdáo, o recorrente considera que foi violado o princípio da igualdade do cidadáo perante a lei, consignado no n.o 2 do artigo 13.o da Constituiçáo, visto que se náo justifica a existência de foro especial para magistrados fora do serviço efectivo, sendo até que no momento da prolaçáo do acórdáo final já se encontrava apenas aposentado, por deliberaçáo de 25 de Maio de 2004 do Conselho Superior da Magistratura, que só lhe foi comunicado depois da data do acórdáo;

4.o O recorrente pretende ainda ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do n.o 3 do artigo 158.o do Código da Estrada na redacçáo do artigo 4.o do Decreto-Lei n.o 265-A/2001, de 28 de Setembro, emitido ao abrigo da alínea a)don.o 1 do artigo 198.o da Constituiçáo, sem indicaçáo de autorizaçáo legislativa, em violaçáo do princípio de reserva de lei penal da Assembleia da República, prevista no artigo 165.o, n.o 1, alínea c), da Constituiçáo, que o douto acórdáo considerou existir, mas o decreto-lei omite;

5.o Igualmente deve ser apreciada a inconstitucionalidade da norma da alínea c) do artigo 69.o do Código Penal Português, na medida em que considera que foi aplicada em violaçáo do regime do n.o 4 do artigo 30.o da Constituiçáo, que proíbe a atribuiçáo de efeitos automáticos a condenaçóes penais, sem ponderaçáo autónoma dos factos, questóes igualmente suscitadas nas alegaçóes de recurso e escritas;

6.o Como se sublinhou nas alegaçóes finais escritas, da conjugaçáo das normas decorrentes dos artigos 394.o, 398.o, 283.o,n.o 5, e 286.o, n.o 3, do Código de Processo Penal, tal como foram aplicadas na fase da acusaçáo e do seu recebimento judicial, resultam violados os princípios da lealdade processual, igualdade de armas e direito e garantias de defesa na modalidade do acesso à justiça, tendo sido denegada a faculdade de abertura de instruçáo em devido tempo, para cujo efeito o arguido nunca foi notificado, pelo que também se pretende ver apreciada a constitucionalidade daquelas normas, como aplicadas no processo, com aceitaçáo do STJ;

7.o Finalmente uma questáo nova se apresenta agora com a prolaçáo do douto acórdáo. Diz respeito à interpretaçáo do n.o 3 do artigo 412.o do Código de Processo Penal feita pelo acórdáo. No mínimo, era de contar com um convite do Supremo para efeitos da supressáo do vício relacionado com os pontos de facto incorrectamente julgados, como se entendeu que deve ser feito no Acórdáo do Tribunal Constitucional n.o 529/2003, processo n.o 667/2003, de 31 de Outubro, publicado no n.o 290, de 17 de Dezembro de 2003. Uma interpretaçáo táo radical no sentido negativo, em oposiçáo à própria tese do Ministério Público, permite agora suscitar a questáo da inconstitucionalidade daquela norma, por violaçáo do artigo 32.o, n.o 1, da Constituiçáo da República Portuguesa, a qual agora se levanta e pretende ver apreciada igualmente no presente recurso.

Termos em que se requer a admissáo do presente recurso, com oportuna remessa dos autos ao Tribunal Constitucional, para aí seguirem os ulteriores termos.

O recurso foi admitido. Neste Tribunal, o relator convidou o recorrente a esclarecer o seguinte:

Nos recursos previstos na alínea b) do n.o 1 do artigo 70.o da Lei do Tribunal Constitucional, o Tribunal Constitucional tem uniformemente entendido que, atento o princípio do pedido, é ao recorrente que cabe o ónus de enunciar a norma acusada de inconstitucional, por forma que o Tribunal dela possa conhecer nos precisos limites com que foi aplicada. Nesta fase, interessará, assim, conhecer com rigor náo tanto as razóes nas quais o douto recorrente alicerça o fundamento do seu recurso mas exactamente a formulaçáo normativa aplicada no acórdáo recorrido e aqui questionada.

Convido, portanto, o recorrente, nos termos do artigo 75.o-A

da LTC, a indicar com precisáo qual foi a interpretaçáo normativa dos artigos 15.o, n.o 2, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, 69.o, alínea c), do Código Penal e 412.o, n.o 3, do Código de Processo Penal, que o acórdáo recorrido aplicou; e convido, ainda, o mesmo recorrente a esclarecer - no mesmo prazo de 10 dias - se suscitou ou náo, perante o tribunal recorrido, a questáo de inconstitucionalidade relativa ao aludido artigo 412.o, n.o 3, do Código de Processo Penal.

O recorrente veio entáo dizer o seguinte:

Hermínio da Piedade Antunes, advogado, recorrente no processo supra-referido, notificado do douto despacho de aperfeiçoamento, de 30 de Setembro de 2004, vem responder ao convite efectuado com base no regime do artigo 75.o-A da Lei de Organizaçáo, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional nos termos que seguem:

Enquadramento da questáo:

a) O recorrente é convidado a indicar com precisáo qual foi a interpretaçáo normativa dos artigos 15.o, n.o 2, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, 69.o, alínea c), do Código Penal Português e 412.o, n.o 3, do Código de Processo Penal, que o douto acórdáo recorrido aplicou; e b) Se suscitou perante o Tribunal recorrido a questáo da inconstitucionalidade relativa ao aludido artigo 412.o, n.o 3, do Código de Processo Penal.

O recorrente interpreta o douto despacho nos seguintes termos:

É seu ónus indicar a formulaçáo normativa aplicada no douto acórdáo recorrido, que questiona no recurso perante o Tribunal Constitucional, aceitando este Alto Tribunal que relativamente aos artigos 15.o, n.o 2, do Estatuto dos Magistrados Judiciais e 69.o, alínea c), do Código Penal a questáo da inconstitucionalidade foi suscitada nos termos legais, havendo dúvidas se o foi também quanto ao artigo 412.o,n.o 3, do Código de Processo Penal.

Sobre a formulaçáo normativa:

1.o No douto acórdáo recorrido, o Venerando Supremo Tribunal de Justiça interpretou e aplicou a norma resultante do n.o 2 do artigo 15.o do Estatuto dos Magistrados Judiciais no sentido de que a mesma se aplica aos magistrados jubilados, gozando estes de foro especial, desde que a jubilaçáo náo resulte de afastamento em procedimento disciplinar, foro que visa ainda a defesa dos interesses da funçáo;

2.o Pelo contrário, o recorrente entendeu e entende que ao magistrado jubilado náo se aplica o regime jurídico daquele n.o 2 do artigo 15.o, independentemente de a jubilaçáo resultar de procedimento disciplinar ou de normal afastamento por idade ou tempo de serviço, sob pena de violaçáo do princípio da igualdade perante a lei;

3.o No que concerne à alínea c) do n.o 1 do artigo 69.o do Código Penal Português, o Supremo Tribunal de Justiça interpretou e aplicou esta norma como um efeito automático da puniçáo principal por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissáo às provas estabelecidas para detecçáo de conduçáo de veículo sob efeito do álcool;

4.o Quando, no modesto entender do recorrente, a mesma prevê uma segunda puniçáo autónoma - condenaçáo na proibiçáo de conduzir -, que náo pode constituir mero efeito automático da puniçáo pela conduta principal, efeito proibido constitucionalmente;

5.o No que concerne à formulaçáo normativa do n.o 3 do artigo 412.o do Código de Processo Penal, o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 16 a 19 do douto acórdáo) aplicou este dispositivo legal no sentido de que a falta de...

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