Acórdão n.º 546/2006, de 06 de Novembro de 2006

Acórdáo n.o 546/2006

Processo n.o 356/2006

Acordam na 2.a Secçáo do Tribunal Constitucional:

I- Relatório. - 1 - José Luís Carreira Lopes Guimaráes foi condenado na pena de dezoito meses de prisáo, suspensa na condiçáo de o arguido pagar à Segurança Social as quantias em dívida.

O arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relaçáo de Guimaráes, recurso que náo foi admitido por extemporaneidade. O despacho de náo admissáo do recurso fundou-se no Acórdáo de Fixaçáo de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, n.o 9/2005, segundo o qual ao prazo de 15 dias fixado pelo artigo 411.o, n.o 1, do Código de Processo Penal, náo acresce o prazo de 10 dias a que se refere o artigo 698.o,n.o 6, do Código de Processo Civil.

O arguido reclamou para o presidente do Tribunal da Relaçáo de Guimaráes, alegando, entre o mais, o seguinte:

Se assim náo se entender, ou seja, se aos 15 dias de prazo para recorrer náo acrescerem os dias em que o recorrente está privado das gravaçóes requeridas, quando se trata de recurso de matéria de facto com base em prova gravada, o artigo 411.o, n.o 1 do Código de Processo Penal será materialmente inconstitucional por violar o princípio da igualdade supra mencionado.

Admitida a reclamaçáo por despacho de 7 de Fevereiro de 2006 (fls. 15 a 17), o presidente do Tribunal da Relaçáo de Guimaráes proferiu decisáo, datada de 22 de Fevereiro de 2006, com o seguinte teor:

I - O prazo para interposiçáo do recurso é de 15 dias e conta-se a partir da notificaçáo da decisáo ou do depósito da sentença na secretaria. . . (n.o 1 do artigo 411.o do CP Penal); e as partes podem praticar os actos processuais através do correio, sob registo, valendo como data da sua prática a da efectivaçáo do registo postal [artigo 150.o, n.o 1, alínea b), do CP Civil, ex vi artigo 4.o do CPP].

Pode ainda o acto processual ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa. . . (artigo 145.o,n.o 5, do CP Civil, ex vi artigo 107.o,n.o 5, do CP Penal).

A questáo de saber se aos recursos interpostos em processo penal que visem a impugnaçáo da decisáo proferida em matéria de facto se aplica, ou náo, a norma do n.o 6 do artigo 698.o do Código de Processo Civil, está jurisprudencialmente resolvida pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdáo Uniformizador de Jurisprudência n.o 9/2005; de 2005, que fixou a seguinte jurisprudência:

'Quando o recorrente impugne a decisáo em matéria de facto e as provas tenham sido gravadas, o recurso deve ser interposto no prazo de 15 dias, fixado no artigo 411.o, n.o 1, do Código de Processo Penal, náo sendo subsidiariamente aplicável em processo penal o disposto no artigo 686.o, n.o 6, do Código de Processo Civil.'

II - Náo contesta o reclamante a tese assim defendida pelo STJ. Todavia, adianta em seu favor uma situaçáo diferente daquela que foi objecto de apreciaçáo naquele aresto, qual seja a de que, requerendo ao Tribunal ao abrigo do artigo 7.o, n.os 2 e 3, do Decreto-Lei n.o 39/95, de 15 de Fevereiro, no dia 11 de Novembro de 2005, cópia das fitas magnéticas de onde constava a gravaçáo da audiência de julgamento, as respectivas cassetes só lhe foram facultadas pela Secçáo em 18 de Novembro de 2005, deste modo se verificando que lhe foi coarctado o prazo de sete dias para preparar recurso, em desrespeito pelo princípio da igualdade, constitucionalmente garantido.

Náo se poderá, porém, dar ao reclamante a razáo que táo perseverantemente roga.

O princípio orientador da contagem do prazo para a interposiçáo do recurso a partir do depósito da sentença constitui uma garantia para as partes, porquanto assegura que a sentença efectivamenteesteja ao alcance dos sujeitos processuais nos moldes do disposto no n.o 5 do artigo 372.o do Código de Processo Penal e obsta à insegurança decorrente da notificaçáo postal.

Ao depósito da sentença estáo inexoravelmente ligados estes dois aspectos que lhe atribuem a específica importância de ser através dela, quais sejam os de que, para além de se operar a notificaçáo da mesma aos intervenientes processuais com legitimidade para recorrer, se concretiza ainda a objectividade da sua leitura e a correspondente publicitaçáo dela.

O n.o 2 do artigo 107.o do Código de Processo Penal permite a prática do acto fora de prazo desde que se comprove justo impedimento, para tanto se exigindo que o interessado o requeira e sejam ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar.

O conceito de justo impedimento está legalmente caracterizado como o evento náo imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto artigo 146.o do CPC.

Anteriormente à reforma processual trazida pelo Decreto-Lei n.o 329-A/95, de 12 de Dezembro, o justo impedimento era definido como o evento normalmente imprevisível, estranho à vontade da parte, que a impossibilite de praticar o acto, por si ou por mandatário. Nesta acepçáo a doutrina restringia a previsáo legal do disposto no artigo 146.o do CPC àquelas hipóteses em que 'a pessoa que devia praticar o acto foi colocada na impossibilidade absoluta de o fazer, por si ou por mandatário, em virtude da ocorrência de um facto, independente da sua vontade, e que um cuidado e diligência normais náo fariam prever'.

A nova reforma do Código de Processo Civil veio tomar o conceito de justo impedimento mais maleável, chamando a atençáo para o pensamento legislativo que norteia este regime - a isençáo de culpa da parte ou do seu mandatário - e tomando possível que a jurisprudência possa estendê-lo a situaçóes que a lei anterior impedia que se o fizesse: - flexibiliza-se a definiçáo conceitual de 'justo impedimento', em termos de permitir a uma jurisprudência criativa a uma elaboraçáo, densificaçáo e concretizaçáo, centradas essen-cialmente na ideia de culpa, que se afastem da excessiva regidificaçáo que muitas decisóes, proferidas com base na definiçáo constante da lei em vigor...

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