Acórdão n.º 302/2008, de 01 de Julho de 2008

Acórdáo n. 302/2008

Processo n. 1181/07

A - Relatório

1 - A Câmara Municipal de Águeda, com os demais sinais dos autos, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70., n. 1, alínea b), da Lei n. 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacçáo (LTC), pretendendo ver apreciada a constitucionalidade do artigo 13., n. 4, do Código das Expropriaçóes, aprovado pela Lei n. 168/99, de 18 de Setembro, por atribuir competência aos tribunais comuns para declararem a caducidade da declaraçáo de utilidade pública, à luz do disposto nos artigos 209., n. 1, 211., n. 1 e 212., n. 3, da Constituiçáo da República Portuguesa.

2 - Com interesse para o recurso, cumpre relatar:

2.1 - A recorrente, inconformada com a sentença proferida no 2.

Juízo do Tribunal Judicial de Águeda, pela qual se declarou a caducidade da declaraçáo de utilidade pública de um prédio, apelou para o Tribunal da Relaçáo de Coimbra, aí formulando as seguintes conclusóes:

"[...]

1 - O acto de declaraçáo de utilidade pública é um acto administrativo e como tal está sujeito a recurso contencioso de anulaçáo da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

2 - Encontra-se pendente no pleno da Secçáo do Supremo Tribunal Administrativo recurso de anulaçáo do despacho ministerial que declarou a utilidade pública, sendo em nosso entender essa a instância própria para ser invocada a caducidade do mesmo.

3 - De acordo com as regras de competência material - artigos

66. e 67. do CPC e 209. e 212. da Constituiçáo da República Portuguesa - é da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais o julgamento de acçóes e recursos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relaçóes administrativas e fiscais.

4 - Pelo que a norma do artigo 13., n. 4 do Código das Expropriaçóes, no qual se atribui competência para declarar a caducidade da declaraçáo de utilidade pública aos Tribunais comuns para conhecer da decisáo arbitral é inconstitucional porque viola o disposto nos artigos 209. e 212. da Constituiçáo da República Portuguesa.

5 - O Tribunal Judicial de Águeda, por ser um Tribunal comum náo é competente em razáo da matéria para apreciar e declarar a caducidade de um acto administrativo.

6 - Deve ser dado provimento ao recurso e ser proferido acórdáo que julgue o Tribunal recorrido incompetente em razáo da matéria para declarar a caducidade da declaraçáo de utilidade pública".

2.2 - Por acórdáo de 6 de Novembro de 2007, o Tribunal da Relaçáo de Coimbra julgou o recurso improcedente, estribando-se, para tal, na fundamentaçáo que se passa a transcrever:

"[...]

4 - Cumpre decidir

O objecto do recurso é balizado pelas conclusóes das alegaçóes do recorrente, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias náo

incluídas - nas conclusóes - a náo ser que, tal como acima se referiu, sejam de conhecimento oficioso.

4.1 - Incompetência dos Tribunais comuns em razáo da matéria para declarar a caducidade de um acto administrativo.

A competência dos Tribunais é a medida da sua jurisdiçáo, o modo como entre eles se fracciona e reparte o poder jurisdicional que, tomado em bloco, pertence ao conjunto dos Tribunais (...). Na definiçáo da competência em razáo da matéria, a lei atende à matéria da causa, quer dizer ao seu objecto, encarado sob o ponto de vista qualitativo - o da natureza da relaçáo substancial pleiteada. Trata-se pois duma competência ratione materiae (1).

A propósito da competência em razáo da matéria prescreve o artigo

66. do Código de Processo Civil: sáo da competência dos tribunais judiciais as causas que náo sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional. Por outro lado, o artigo 67. do mesmo diploma declara que as leis de organizaçáo judiciária determinam quais as causas que, em razáo da matéria, sáo da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada.

Se atentarmos na redacçáo dada ao artigo 66. do C.P.C., constatamos que todas as causas a que por lei náo sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, sáo os tribunais comuns competentes para a julgar. Também o n. 1 do artigo 18. da Lei n. 3/99, de 3 de Janeiro, declara que: sáo da competência dos Tribunais Judiciais as causas que náo sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.

Assim determinando-se a competência dos Tribunais comuns por exclusáo, importa verificar se as leis de organizaçáo judiciária dos Tribunais Administrativos e Fiscais lhes confere ou náo competência para declarar a caducidade da declaraçáo de utilidade pública nos termos do disposto nos n. s 3 e 4 do artigo 13. do Código das Expropriaçóes.

Na data de entrada em Tribunal do requerimento da entidade expropriante estava em vigor a Lei n. 13/2002 (2), de 19.2 que aprovou o ETAF e revogou o Decreto-Lei n. 129/84, de 27.4 (cf. artigo 9. da Lei n. 13/2002).

A competência dos Tribunais Administrativos passou a estar fixada no artigo 4. da Lei n. 13/2002, sendo que o n. 1 do seu artigo 5. preceitua que a competência dos tribunais de jurisdiçáo administrativa e fiscal fixa-se no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificaçóes de facto e de direito que ocorram posteriormente.

Se corremos as diversas alíneas do artigo 4. do ETAF concluiremos, sem margem para qualquer dúvida, pelo conhecimento dos Tribunais comuns para conhecer de todas as questóes associadas ao processo expropriativo, incluindo, naturalmente, a declaraçáo de caducidade da declaraçáo de utilidade pública administrativa.

E dizemos «naturalmente» na justa medida em que os Tribunais comuns quando chamados a tomar posiçáo sobre a declaraçáo de caducidade fazem-no unicamente tendo por referência à extinçáo ou perda de um direito ou de uma acçáo pelo decurso do tempo, náo podendo, aí sim por falta de competência em razáo da matéria, tomar posiçáo sobre a legalidade ou ilegalidade de um acto materialmente administrativo - alínea c) do artigo 4. do ETAF - como é o caso da declaraçáo de utilidade pública. Repete-se que o pronunciamento dos Tribunais comuns à luz da previsáo do n. 4 do artigo 13. do Código das Expropriaçóes é o de apenas verificar se a entidade expropriante promoveu, ou náo, a constituiçáo de arbitragem no prazo de 1 ano ou, náo tendo o processo sido remetido ao Tribunal competente se a promoveu no prazo de 18 meses - n. 3 do artigo 13. do Código das Expropriaçóes (No caso em apreço é aplicável o Código das Expropriaçóes aprovado pela Lei n. 168/99, de 18 de Setembro, posteriormente alterado pelas Leis n. 13/2002 de 19 de Fevereiro e n. 4-A/2003 de 19 de Fevereiro).

Tal como se ensina no acórdáo do Tribunal da Relaçáo do Porto (3)

a questáo encontra-se hoje legislativamente resolvida no sentido da competência dos Tribunais comuns para declarar a caducidade da declaraçáo de utilidade pública. Na verdade, sendo pacífico que a lei substantiva a aplicar é a vigente à data da publicaçáo de utilidade pública da parcela a expropriar, pois, como o Prof. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, pág. 995, a define, a expropriaçáo é uma relaçáo jurídica através da qual o Estado, atendendo à conveniência de utilizar certos bens imóveis num determinado fim de interesse público, extingue os direitos subjectivos constituídos sobre eles e determina a sua transferência definitiva para o património da pessoa encarregada da prossecuçáo desse fim, cabendo a esta pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnizaçáo compensatória, como se defende, nomeadamente nos Acs. do STJ de 04/01/79, BMJ n. 283, pág. 172, de 20/11/80, BMJ n. 301, pág. 309, da RL de 10 e 24 de Março de 1994, CJ, Tomo II/94 págs. 83 e 98, e de 23/03/95, CJ, Tomo II, pág. 89, da RP de 10/10/96, CJ, Tomo IV, pág. 221, e Prof. Oliveira Ascensáo, CJ, Tomo II/92, págs. 29 a 34, e Fernando Alves Correia, As Grandes Linhas da Recente Reforma do Direito Urbanístico Português, pág. 70, o facto constitutivo da relaçáo jurídica da expropriaçáo é a declaraçáo da utilidade pública

.

Seguindo os ensinamentos acima expressos, verificamos que o n. 4 do artigo 13. confere ao «expropriado ou a qualquer interessado o direito de requerer ao Tribunal competente para conhecer do recurso da decisáo arbitral» a declaraçáo de caducidade. Ora, o n. 1 do artigo 51. do Código das Expropriaçóes determina que a entidade expropriante «remeta o processo de expropriaçáo ao Tribunal da Comarca da situaçáo do bem expropriado, no prazo de 30 dias a contar do recebimento da decisáo arbitral». Por aqui se vê que a questáo da competência dos Tribunais comuns para conhecer da caducidade da declaraçáo de utilidade pública desde que tal questáo tenha sido suscitada pelo expropriado ou por qualquer interessado.

Aliás, se tomarmos em atençáo as doutas conclusóes da apelante, concluiremos que náo coloca em questáo o decurso do prazo da caducidade, o que defende é que a competência para o seu conhecimento está aferida aos Tribunais Administrativos e Fiscais, pese o facto de náo indicar a norma que suporte o seu entendimento.

Em conclusáo diremos em face da análise conjugada dos artigos 66. e 67. do CPC, 18., n. 1, da LOFTJ, artigo 4. do ETAF, artigos 13., n. s 3 e 4, e 51. do Código das Expropriaçóes que os Tribunais comuns sáo os competentes em razáo da matéria para declararem a caducidade da declaraçáo de utilidade pública.

4.2 - Inconstitucionalidade do artigo 13., n. 4, do Código das Expropriaçóes, por atribuir competência aos Tribunais comuns para declararem a caducidade da declaraçáo de utilidade pública, porque viola o disposto nos artigos 209. e 212. da Constituiçáo da República Portuguesa.

Determina o n. 3 do artigo 212. da CRP:

Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento de acçóes e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relaçóes jurídicas administrativas e fiscais.

Entende-se por relaçáo jurídica de direito administrativo a que confere poderes de autoridade ou impóe restriçóes de interesse público à administraçáo perante os particulares ou que atribui direitos ou impóe deveres aos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT